Alguns amigos me criticam por minimizar o talento de Machado de Assis,
mas creio que laboram em erro. Considero Machado o maior escritor
brasileiro. (“O maior” não existe, mas ele pertence a uma meia dúzia em
quem essa carapuça caberia sem cobrir-lhe os olhos). O que há é que
neste ano do centenário da sua morte as louvações banais são tantas que
acaba baixando em mim um espírito machadiano, frio, analítico,
britânico, irreverente... Dá vontade de fazer com os contos dele o que
Fortunato fazia com o rato.
Falei aqui sobre o Polígono Boêmio,
um dos artifícios narrativos mais comuns em Machado, e que em muitos
casos lhe serve como pretexto para fazer um personagem contar uma
história aos demais. Essa situação também lhe serve, em outras
histórias, para narrar o cotidiano desses grupos. Nestes casos, Machado
fica lado a lado com aqueles escritores que contam o Brasil dos jovens
intelectuais, que discutem livros, poemas, política, mulheres e amores.
São contos típicos de juventude, e ali se enquadram textos como
“Vinte anos! Vinte anos!”, “Uma por outra”, “Um erradio”, etc.. São
histórias de juventude boêmia carioca, dos cafés, dos restaurantes, dos
teatros. Rapazes intelectuais, com moedas contadas no bolso, filando
cigarros uns dos outros, ocasionalmente tendo dinheiro bastante para ir à
ópera e depois a um restaurante chique. Flertando com moças da
sociedade, filhas de fidalgos da corte, e passando as madrugadas nos
cafés, em companhia de cocotes francesas. Recitando sonetos, escrevendo
versos de propaganda para casas comerciais em troca de alguns mil-réis,
declamando em francês e em latim, envolvendo-se em querelas políticas
do Império. Desfechando trocadilhos mordazes e epigramas satíricos
contra os adversários de ocasião.
O romance que para mim é o melhor retrato dessa época e desse meio intelectual é o magistral A Conquista, de Coelho Neto. Um pouco dessa “festa móvel” transbordou para livros de memorialismo e de biografia, como No tempo de Paula Nei de Ciro Vieira da Cunha, A vida exuberante de Olavo Bilac de Eloy Pontes, Emílio de Menezes, o último boêmio de Raimundo de Menezes, A vida literária do Brasil – 1900 de Brito Broca. Na segunda metade do século, essa literatura ressurgiu em obras como O Encontro Marcado de Fernando Sabino, Os Novos de Luiz Vilela, A morte de D. J. em Paris de Roberto Drummond.
No
que tem de melhor, esses romances e contos nos trazem o espírito de
juventude irreprimível que todos nós sentimos em certas fases da vida,
que aliás não dependem da idade cronológica. São momentos em que nos
sentimos perpassados por um entusiasmo de viver, de experimentar coisas,
de criar, de desafiar os clássicos da arte e do pensamento. Momentos
assim muitas vezes resultam em grande literatura, quando há grandes
escritores envolvidos. Quando não há... resultam na felicidade modesta
dos invisíveis, que não é menos felicidade por não resultar em livro.
Bráulio Tavares
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