sexta-feira, 16 de outubro de 2020


Acordo de noite , muito de noite , no silêncio todo.

Acordo de noite , muito de noite , no silêncio todo.

São - tictac visível - quatro
horas de tardar o dia.

Abro a janela diretamente ,
no desespero da insônia.

E , de repente , humano ,

O quadrado com cruz de
uma janela iluminada !

Fraternidade na noite !

Fraternidade involuntária , incógnita , na noite !

Estamos ambos despertos
e a humanidade é alheia.

Dorme.Nós temos luz.

Quem serás? Doente , moedeiro falso , insone simples como eu?

Não importa.A noite eterna ,
informe , infinita ,

Só tem , neste lugar , a
humanidade das nossas
duas janelas ,

O coração latente das
nossas duas luzes ,

Neste momento e lugar ,
ignorando-nos , somos todas vida.

Sobre o parapeito da janela
da traseira da casa ,

Sentindo úmida da noite a
madeira onde agarro ,
Debruço-me para o infinito
e , um pouco , para mim.

Nem galos gritando ainda
no silêncio definitivo !

Que fazes , camarada , da
janela com luz?

Sonho , falta de sono , vida?

Tom amarelo da tua janela incógnita...

tem graça: não tens luz
elétrica.

Ó candeeiros de petróleo da
minha infância perdida !

 

Álvaro de Campos, Livro de versos.

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