terça-feira, 15 de setembro de 2020

A celeridade processual e a humanização dos processos‏


Não interessa a ninguém nem a sociedade que um processo judicial se torne eterno, esquecido de decisão em uma prateleira de algum cartório ad perpetum, tornando-se símbolo da morosidade da justiça. Por outro lado, não se pode almejar que apenas a celeridade processual se paute como elemento “central” a ser perseguido na difícil tarefa de distribuir justiça nesse país.  

Hoje, o que parece se desnudar ante o volume de ações a serem enfrentadas pelo Judiciário brasileiro é que os processos judiciais no Brasil estão correndo um sério risco de perderem a humanização e se transformarem em metas estatísticas, onde o que vigora é a necessidade de extinguir o processo, julgar a ação, diminuir o número dos processos, embora isso nem sempre represente a extinção do conflito que o originou. Processo findo, nem sempre representa garantia da boa prestação judicial. Sentença prolatada não é certeza de resposta humanitária e se não é humanitária não é decisão, é letra fria escrita no tecnicismo do mármore formal do judiciário brasileiro.

A utilização de Inteligência Artificial na esfera da Justiça brasileira já é uma realidade. Robôs que substituem juízes com a finalidade de agilizar tarefas repetitivas utilizando-se de códigos e algoritmos na leitura de processos, identificação do que é requerido, qual o entendimento a ser aplicado no caso e, em alguns casos, prolatando decisões e até sentenças. É a máquina pensando e substituindo o homem na distribuição de justiça.  

Com efeito, a exclusão jurídica assim como a social, fragiliza e transporta o homem a condição de invisível, divorciado da conjuntura jurídica vigente, ignorando a boa percepção do homem pelo homem e afrontando os direitos naturais da dignidade humana que alicerçam fundamentos constitucionais e até normas de caráter internacionais.

É certo ainda que não se pode abordar o tema da humanização do processo sem invocar o instituto da “prova testemunhal”, sem dar ênfase a questão da oralidade no processo civil. Indubitavelmente, todo o princípio doutrinário e jurídico que existe sobre a oralidade é, sem sombra de dúvidas, uma garantia do cidadão a um processo justo, democrático e igualitário. Não se concebe que um processo possa percorrer todos os seus trâmites legais com toda a “agilidade” sem que haja a presença de manifestações orais ocorridas por meio do contato direto e imediato do cidadão com o juiz.

O que nos parece certo é que enquanto a sociedade clama por ser ouvida, o judiciário brasileiro, em nome de uma celeridade processual arriscada, cada vez mais reduz e mitiga a voz das partes e das testemunhas no processo.  

Há magistrados, inclusive, que têm extrema facilidade de dispensar as oitivas das testemunhas e das partes, como se elas nada tivessem a acrescentar, a dizer de relevante para a solução dos conflitos. Evidente que para a sociedade a leitura que se faz disso é a de uma sensação de um constante distanciamento entre o judiciário e o povo, que ganha força ante o excesso de formalismo dos tribunais. Isso tudo gera um conflito pautado na ausência de legitimidade ante o descompasso entre o que judiciário oferece ao cidadão e o que este suscita esperar do judiciário. Um dilema muito mais sério que o da morosidade da justiça.

Não raramente o que se vê é que o processo não passa de mais um número arábico lançado num sistema eletrônico de acompanhamento processual. As partes perdem o nome e ganham números como identificadores. Os processos caminham, a passos largos, em direção a perder-se do seu cunho humanitário, tornando-se cadernos estatísticos, dígitos que precisam de celeridade, quase sempre em sacrifício da essência humana que o rodeia. De outro modo, para a pessoa, para as partes, ele é, quase sempre, único, indivisível, o fio de esperança, a oportunidade da pessoa se expressar numa audiência com suas angústias, pleitos, e principalmente dela se posicionar defronte a um juiz.  

Tem o cidadão o direito de falar e o judiciário por sua vez o dever de considerar toda manifestação oral no processo, isso representa, no mínimo, um processo participativamente justo e democrático.

O juiz precisa, antes de tudo, ser muito mais que um técnico prestador de respostas judiciais. O Magistrado deve ser um ente “orgânico”, vertebrado, capaz de somar aos elementos frios do processo a fervura das emoções, transformar-se numa simbiose mútua em que possa mostrar-se organicamente uno com as questões que afloram aos reclames dos autos do processo. E saber ouvir, é um passo muito importante nessa direção simbiótica.

A oralidade tem o condão de trazer a frieza dos papéis aspectos muito mais humanos. É possível através da oportunidade das inquirições se acolher uma série de elementos, inclusive de cunho emocionais das partes que podem interferir diretamente no resultado da ação. Ali, a testemunha ou as partes são homens que falam ao juiz, com todas as suas prerrogativas, aflições, medos, emoções, expectativas. Suas falam não afastam a celeridade das ações, mas possibilitam uma prestação célere sem que se afaste a possibilidade de uma efetiva participação no processo.

A ausência, o indeferimento ou a dispensa da possibilidade da oralidade no corpo do processo representa outro meio incontestável de exclusão judicial vigente. As pessoas têm muito a dizer e querem dizer. O que falta é o enxugamento das formalidades e do preciosismo ainda tão presentes no Judiciário brasileiro.

 

Teófilo Júnior 

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