domingo, 17 de junho de 2018

O que leva magistrados e membros do MP a deixarem a carreira pública?

O que leva juízes e membros do Ministério Público a abandonarem a carreira pública – que está entre as mais cobiçadas por milhares de concurseiros país afora? Ao JOTA, três ex-juízes federais e um ex-procurador da República resumiram suas motivações para deixar o serviço público e migrar para a advocacia.

Entre as principais razões estão a vontade de ter o próprio escritório, a remuneração baixa quando comparada com a de sócios de grandes escritórios, excesso de processos repetitivos e maior capacidade de crescimento na carreira. “Mas foi uma escolha difícil”, diz o ex-juiz federal Arnaldo Penteado Laudísio.

Laudísio foi juiz federal em São Paulo, na 4ª Vara Cível e atuou no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), como juiz substituto, durante quatro meses. Para ele, a remuneração foi um motivador para pendurar a toga.

“O salário de juiz na época era pequeno e estava sem reajuste há anos. Eu precisava dar aulas no período da noite para complementar a minha renda. Não era uma qualidade de vida muito boa. Muitos outros colegas prestaram concursos para cartórios [que têm melhor remuneração]”, afirma.

Apesar do prestígio associado à magistratura, ele conta que sofreu uma desilusão ao ingressar na carreira pública. Para ele, muitos dos desafios que acreditava ter na carreira de juiz não foram realizados. “A atividade jurisdicional é maravilhosa. Mas isso é somente uma parte de seu dia. As funções administrativas também ocupam muito do tempo do profissional”, disse.

Outro problema que contribuiu para a decisão de Laudísio foi a grande quantidade de processos repetitivos que chegava em seu gabinete. “Nove em dez causas eram repetitivas e comuns. Isso instiga pouco o profissional intelectualmente, é mais uma atividade administrativa do que jurídica”, declarou.

Para o ex-magistrado, quando um candidato é aprovado em um concurso normalmente tem a expectativa de que somente julgará grandes casos e processos interessantes, capazes de mudar paradigmas. “Até existem casos interessantes, mas a porcentagem é muito pequena”, disse.

Após abandonar a carreira pública, Laudísio atuou como diretor jurídico dos bancos Santander e Citibank, até que abriu o próprio escritório, em 2015. Para o ex-desembargador, advogar possui vantagens como exercer mais de uma atividade, podendo somar à função a sociedade de uma empresa ou ter um comércio.

“Uma desvantagem é que a advocacia é insegura. Você pode ser mandado embora a qualquer momento. Outra desvantagem é que um recém-formado, que foi aprovado em concurso, terá uma remuneração superior à de um advogado recém-formado em um escritório”, disse.

Entretanto, Laudísio afirma que a advocacia permite, com a evolução da carreira, ter uma remuneração superior à de juízes. “Depois de um certo período, o advogado fica conhecido, agrega clientes para o escritório e tem capacidade de ganhar muito mais, apesar de ser uma carreira mais longa até chegar nesse patamar”, afirmou.

Como principais dicas para estudantes e recém-formados que estão com dúvidas sobre qual carreira seguir, Laudísio afirma que é necessário conhecer profundamente cada área. “Conversar com magistrados, promotores e outros profissionais é bom para o estudante analisar se possui a vocação para a magistratura e carreira pública. Não é somente uma decisão financeira”, disse.

“Decisão anormal”

O advogado Luciano Godoy também deixou de atuar como juiz federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cargo que ocupou de 1998 a 2007. Para ele, a decisão de largar a magistratura levou em consideração a natureza e o perfil da atuação dos advogados.

“O juiz vive de desafios intelectuais, sua função é um estudo intelectual do Direito. O advogado tem o perfil comercial. Sua disputa é na inciativa privada, contra uma grande quantidade de outros advogados e outros escritórios, prontos a captar clientes”, disse.

Apesar da reputação do cargo de juiz federal e um salário do qual “não reclamava”, Godoy afirmou que não queria essa função pelo resto de sua vida. “Queria ter os meus casos, com liberdade e autonomia para atuar, ter o meu próprio escritório. Foi uma decisão profissional”, afirmou.

Para ele, que possui seu próprio escritório desde 2013, a mudança para a carreira privada não foi tranquila. A transição envolve um “processo de autoconhecimento muito grande”. “É tudo muito radical, o profissional precisa de um período de adaptação com os novos códigos, a nova maneira de agir e de se comunicar. Largar a carreira pública é uma decisão anormal”, disse.

Para estudantes e recém-formados, Godoy recomenda que experimentem a advocacia, principalmente aqueles que têm o objetivo de ser juízes. “É importante para entender o funcionamento e dilemas dos casos e dos clientes”, ressalta.

Além disso, ele afirmou ser importante estudar qual o tipo de concurso que o recém-formado ou estudante pretende prestar. “Há muitos candidatos que prestam e passam em um concurso, mas depois percebem que não é a atividade que gostariam de exercer. Ao se formar em Direito, há muitas opções de atuações no mercado. Logo, também existem dúvidas sobre qual carreira seguir”. declarou.

“Chaplin no filme ‘Tempos Modernos'”

Eduardo Caiuby, sócio do escritório Pinheiro Neto e ex-juiz federal em Santos, largou a magistratura devido ao número “imenso” de processos que chegava em seu gabinete e também ao “baixo salário” de juiz nos final dos anos 90. “Atualmente, o salário dos juízes é bem diferente”, afirmou.

“Chegavam 400 novos processos por mês e havia mais 2.700 aguardando julgamento. Para dar conta de tudo isso, era necessário analisar uma quantidade imensa de processos por dia. O horário de trabalho era das 13h às 19h, mas chegava às 10h só para ler processo”, disse.

A rotina se tornou robótica: em sua descrição, como a do personagem imortalizado por Charles Chaplin no filme ‘Tempos Modernos'”. Caiuby decidiu, então, abandonar o trabalho como juiz federal. “De todos os casos para analisar, se aparaceram 500 interessantes foi muito”, pondera.

Para ele, a magistratura oferece uma vida “regrada” e com controle social. “Você já sabe como será a sua carreira. Atuará como auxiliar, depois juiz titular e desembargador “, diz.

Apesar dos problemas apontados, Caiuby também destacou a insegurança que há na advocacia. “O profissional não tem segurança do seu cargo, precisa lutar todos os dias. Apesar disso, ainda acredito que essa carreira possibilite maiores horizontes”, avalia.Para estudantes, ele analisa que a decisão sobre qual carreira seguir deve levar em conta o “jeito de ser” e o estilo de vida que cada profissional deseja ter.

Grande autonomia do MP

O ex-procurador da República Gustavo Tepedino atuou no Ministério Público Federal durante 14 anos. Em 2004, pediu exoneração de seu cargo. Uma das razões foi o excesso de funções repetitivas no trabalho. Além disso, o ex-procurador, que abriu o seu próprio escritório em 2006, ficou desmotivado com a “grande autonomia” que foi atribuída ao MP.

“No Ministério Público, cada uma fazia o que queria sem uma diretriz institucional. Cada pessoa é um ser autônomo. Isso gerou uma perda de prioridades institucionais para definir uma linha de ação em conjunto. Fiquei frustado com isso e decidi seguir o meu caminho, com novos desafios”, afirmou.

Após a exoneração, Tepedino abriu um instituto de Direito Civil e, posteriormente, inaugurou seu escritório. Para ele, a carreira na advocacia proporcionou um reconhecimento mais “genuíno” de suas ações. Apesar disso, destacou a maior segurança da carreira pública.

Outro problema da advocacia é lidar com as instituições brasileiras e com o Judiciário. No MP, uma dificuldade encontrada era o limite orçamentário e dependência de verbas”, disse.

Como sugestão a estudantes, o ex-procurador da República afirmou ser necessário analisar a vocação profissional e evitar seguir uma carreira devido à possibilidade de grandes retornos financeiros. “Para o estudante que gosta de ajudar pessoas e a sociedade, de maneira geral, e quer se manter estável, sem riscos, a carreira pública é ótima”, disse.

Por outro lado, Tepedino afirmou que o profissional da advocacia possui um perfil de defender interesses de clientes. Ele destacou a maior remuneração e também a insegurança na vida profissional. Apesar disso, defendeu a função do advogado de defender seus clientes. “É uma atividade muito bonita”, disse.
 
Alexandre Leoratti – Jota

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