sábado, 16 de junho de 2018

O poder do sonho

O físico John N. Bahcall disse certa vez: “As descobertas mais importantes trazem respostas para perguntas que ainda não tínhamos condições de formular, e dizem respeito a objetos que não tínhamos como imaginar até então”. Parece irônico, mas na Ciência a gente muitas vezes encontra a resposta antes de ter uma pergunta para ela. Quando Einstein propôs sua Teoria Especial da Relatividade, em 1905, faltava-lhe uma formulação matemática adequada (consta que ele não era um grande matemático; suas descobertas eram mais intuitivas do que formais). Então seu ex-professor Hermann Minkowski mostrou que esse arrazoado matemático já existia, independentemente das descobertas no campo da Física. Era, de certo modo, um raciocínio já pronto e clarificado, só que não tinha aplicação prática. Era uma resposta em busca de uma pergunta – que foi fornecida pela Física.

O trabalho criador do cientista (porque um cientista faz outros trabalhos que não são criadores) parece muito com o do artista; ele avança meio cegamente, guiado pela imaginação, associação de ideias, intuição, palpite, obsessão maníaca, o que for. Vai descobrindo coisas que não sabe o que são.  Uma das melhores descrições desse impulso criador coletivo é de Nietzsche em A Gaia Ciência (1882; trad. Paulo César de Souza):

“Então vocês acham que as ciências teriam surgido e progredido, se os feiticeiros, alquimistas, astrólogos e bruxas não as tivessem precedido, como aqueles que tinham antes de criar, com suas promessas e miragens, sede, fome e gosto por potências escondidas e proibidas? Não veem que foi preciso prometer infinitamente mais do que era possível realizar, para que algo se realizasse no âmbito do conhecimento? – Talvez, da mesma forma como nos aparecem hoje os prelúdios e exercícios prévios da ciência, que não foram praticados e percebidos como tais, também a religião inteira se apresente como exercício e prelúdio para alguma época distante: ela poderá ter sido o meio singular de alguns indivíduos poderem fruir toda a autossuficiência de um deus e toda sua força de autorredenção. Sim – é lícito perguntar --, teria o ser humano aprendido, sem a escola e pré-história da religião, a sentir fome e sede de si e encontrar saciedade e plenitude em si? Foi preciso que Prometeu imaginasse antes haver roubado a luz e pagasse por isso – para finalmente descobrir que havia criado a luz, ao ansiar por ela, e que não apenas o ser humano, mas também a divindade fora obra de suas mãos e argila em suas mãos? Tudo apenas imagens do formador de imagens?  -- assim como a ilusão, o furto, o Cáucaso, o abutre e toda a trágica Prometeia dos homens do conhecimento?”

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo 

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