Ouve, namorada, vou te contar um segredinho. Dessas coisinhas que a gente
não comenta com ninguém, e fica curtindo a vitória, bem lá no fundo do peito,
mas com vontade de gritar pra todo mundo. E se gritar, as pessoas julgarão a
vitória como resultado de uma atitude de mau caráter. Mas essa minha até que
foi interessante e sem prejuízo de segundos ou terceiros.
Olha, antes de tudo, isso aconteceu e eu não te conhecia direito ainda,
viu? Nós não nos víamos muito, acho que que nem era namoro. Por isso, não
precisa começar com esse beicinho de zangada, tá?
Vê bem, presta atenção: tenho uma amiga chamada Rosa Maria. Alguns a chamam
de Maria Rosa, mas prefiro a primeira forma, é mais fluente. E houve períodos
em que, na rota da amizade, chegamos a derrapar em tratos mais íntimos, e não
evitamos as derrapadas. Apesar disso, não colidimos pra valer. E era essa
colisão que eu procurava. Que provocasse desajustes nos chassis, capotamentos,
ferragens retorcidas. Pra valer mesmo!
Acontece que, por outra pista, Rosa Maria foi apresentada a Vinícius de
Moraes. E morena que é, complexo estravagante de curvas e cheiros, não custou
muito ao poeta, já no primeiro encontro, jogar-lhe um dengo e malícia
sarrateiras sugestões de carinhos forradas com a promessa de um soneto
especial. E o soneto ficou na promessa, e na cabecinha de Rosa Maria. Enquanto
continuava em minha cabeça a tão almejada colisão.
Passado algum tempo, e sabedor de que uma tal noite eu me encontraria com
Vinícius no teatro, ela me pediu que cobrasse dele o tal soneto que lhe
prometera. E com forte emoção me falou de seu desejo de receber do poeta essa
atenção incomum. E olhou-me deslizante, sem muito breque nas rodas.
- Se você conseguir, nem sei o que te dou!
Jurei a ela de olhos fechados que conseguiria o soneto. E vislumbrei aí a
oportunidade de provocar a tão almejada colisão.
- Ah, nem sei o que te dou!
“Mas eu sei...” – Pensei.
Passei a ver várias formas poéticas semelhantes, para observar a métrica
dos versos e a disposição das rimas. Enfim, compus o meu soneto de Vinícius de Moraes. Desenhei sua assinatura idêntica,
pois eu a possuia em três escritos que ele me enviara durante os anos de nosso
conhecimento.
Ao ler o soneto, Rosa Maria não cabia em si. Tirou da bolsa um
guardanapo no qual Vinícius lhe dedicara uns versos. A assinatura era a mesma!
-Ai, nem sei o que te dou! – abraçava-me ela.
E naquele cruzamento, perdemos a direção. Colidimos na curva, antes da
ponte. E derrapamos, capotamos, rolamos ribanceiras. Depois, por entre as ferragens,contei-lhe
a verdade. E ainda hoje, não sei não, mas Rosa Maria duvida um pouco não ter
sido Vinícius o autor daqueles versos.
De tudo isso, namorada, ficou-me a conclusão de que fazer sonetos é tarefa
exclusiva dos poetas maiores.
João Carlos Pecci
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