Acompanhei todas as edições do Prêmio Faz Diferença, e esta 14ª deve ter sido a mais emocionante por ter privilegiado a sociedade, em vez de sua representação política
Parecia um daqueles dias típicos de notícias ruins a que estamos
habituados no Rio e Janeiro. Quatro meses depois da prisão do
ex-governador, eram encarcerados por corrupção cinco dos sete
conselheiros do TCE, o tribunal que justamente deveria fiscalizar as
contas do estado.
Se não bastasse, houve a condução coercitiva do presidente da
Assembleia para prestar depoimento sobre conluio com empresários de
ônibus.
No mais, a rotina de violência de sempre: menina de 13 anos morta por
bala perdida, reação dos moradores, arrastão, crise econômica, caos
urbano.
Foi em meio a esse clima de fundo de poço que se assistiu a um
espetáculo memorável, reunindo em noite exemplar cerca de 20 pessoas
que, com suas realizações, se destacaram por fazer o bem, representando
uma espécie de outro país onde tudo deu certo.
Acompanhei todas as edições do Prêmio Faz Diferença, e esta 14ª deve
ter sido a mais emocionante por ter privilegiado a sociedade, em vez de
sua representação política.
Houve troféus para a pesquisa científica, a arqueologia, a medicina, a saúde, a educação, as artes, perfazendo 18 categorias.
Acho que nunca se derramaram tantas lágrimas, no palco e na plateia.
Chorou Jô Soares, chorou Guti Fraga, e foi difícil não chorar quando se
ouviu a doutora em sociologia Natalicia Tracy dedicar seu prêmio às
mulheres oprimidas como ela foi.
Natalicia chegou a Boston com 19 anos como babá, sofreu maus-tratos,
estudou, tornou-se professora universitária e hoje dirige o importante
Centro do Trabalhador Brasileiro naquela cidade.
E quem não chorou com o discurso de Ana Júlia, de 9 anos e coração
novo, agradecendo aos que contribuíram para o transplante do órgão,
inclusive o repórter Vinícius Sassine, graças a quem os aviões da FAB
deixaram de transportar autoridades para salvar vidas. “Quero agradecer a
Deus, aos meus pais...” e paro por aqui para não chorar de novo.
Por fim, o merecidíssimo troféu “Personalidades de 2016” para as
médicas Celina Turchi e Adriana Melo, por terem estabelecido com suas
pesquisas a relação entre a zika e a microcefalia.
Elas alertaram para a falta de apoio financeiro às pesquisas e às “mais
de duas mil crianças esquecidas”, como disse Adriana, que trabalha em
Campina Grande, na Paraíba.
Já Celina é pesquisadora da Fiocruz em Pernambuco, tendo sido eleita
pela revista científica “Nature” como um dos dez nomes de maior destaque
da ciência em 2016.
Não dá para registrar aqui tudo o que houve de bom nessa noite. É pena,
mas, pensando bem, nos dias de hoje é sinal positivo quando as coisas
boas são tantas que não cabem no espaço de uma coluna.
Ana Júlia Aleixo recebeu um novo coração após série de reportagens do Globo (Foto: Michel Filho / Agência O Globo)
Zuenir Ventura, O Globo
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