quinta-feira, 1 de março de 2012

Por um país de leitores


Indicadores de proficiência em leitura ainda são negativos no país; planos de incentivo e valorização do livro devem envolver ações conjuntas com a sociedade e as pastas de Educação e Cultura

Doente e sem encontrar diagnóstico satisfatório nos consultórios médicos, o jovem advogado Andrew Beckett (Tom Hanks) passa a pesquisar em uma biblioteca sobre seu problema. Esse é o caminho que o leva a confirmar que é portador do vírus HIV. A situação do personagem que busca respostas na biblioteca, do filme Filadélfia (EUA, 1993), pode fazer sentido na cultura norte-americana, mas seria bastante insólita se a trama fosse brasileira ou se quisesse retratar um costume comum em nosso país. O hábito da leitura, a frequência a bibliotecas e o manejo eficiente dos meios de leitura ainda não estão estabelecidos por aqui.

Números não faltam para confirmar a constatação. A taxa de analfabetismo da população com idade igual ou superior a 15 anos é de 9,6%, de acordo com o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em 2009, o Brasil ficou em 53º lugar, em uma lista de 65 países. A capacidade de leitura é um dos aspectos avaliados. Entre a população de 15 a 64 anos, o nível pleno de alfabetização, em 2009, foi alcançado por apenas 25% dos brasileiros, de acordo com os dados do Instituto Paulo Montenegro. E frequentar a escola não basta: entre os que cursaram um ou mais anos do ensino médio só 38% alcançaram esse nível.

Esses são apenas alguns indicadores em meio a outros tantos que podem ser citados, como a quantidade insuficiente de bibliotecas públicas e escolares em todo o país e as condições em que elas atendem o público. Para melhorar esses índices, foi criado o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), que incentiva o planejamento de ações voltadas para o tema em estados e municípios. Com baixa adesão inicial, a meta do Plano foi estendida até 2014. Ações de articulação da sociedade civil e do governo federal buscam garantir sua elaboração, que envolve a discussão com diversos atores envolvidos, a definição de objetivos e prazos para concluí-los, a aprovação de deputados e vereadores, além de recursos para que o planejado possa se concretiza.

Valorização

"A importância da leitura é a de desenvolvimento do ser humano, com possibilidades para o pensamento e a ação no mundo", defende a colombiana Silvia Castrillón, bibliotecária e presidente da Associação Colombiana de Leitura e Escrita (Asolectura), que promoveu em seu país um amplo debate para a organização da sociedade civil em torno de políticas públicas de direito à leitura e à escrita. A opinião de Silvia é sustentada por diversos setores que defendem a valorização da leitura como promotora do exercício da cidadania, da emancipação do sujeito, do pensamento crítico, da abertura ao conhecimento e à diversidade do mundo.

No campo político, as razões para o incentivo à leitura recorrem frequentemente a dados, sobretudo de origem econômica: a necessidade de mão de obra qualificada, ou a relação entre indicadores de desenvolvimento social e a taxa de escolarização da população. Seja qual for o argumento, a valorização da leitura requer a participação da sociedade. A secretária-executiva do PNLL, Maria Antonieta Cunha, aponta esse desafio na implantação do Plano, com caráter consultivo a diferentes instâncias e de construção coletiva.

"A grande questão que se enfrenta com relação à leitura no Brasil, às vezes mais do que em outros lugares, é que ela não é um valor estabelecido na sociedade brasileira como um todo", afirma. "Muitas vezes, embora o discurso seja que a leitura é a grande responsável pela criação de boas cabeças, a prática da escola, de professores, bibliotecários não é essa", declara.

Para Silvia Castrillón, a questão é despertar o gosto pela leitura. "O problema é que os educadores leem, e muito. Mas somente textos em função de seu trabalho, de maneira pragmática, não leem para a vida. É preciso convidar os professores a ler literatura. E acompanhá-los neste processo", pondera.

Ela conta uma experiência realizada na Colômbia, com docentes da Educação Básica e estudantes universitários de cursos como Filosofia e Letras. "Esses estudantes acompanhavam grupos de professores na leitura de textos literários, de crítica literária e de filosofia da educação", descreve. Segundo ela, a leitura e o debate permitiram aos educadores desenvolver um olhar mais amplo sobre o que é a cultura escrita.

O papel da escola

"Antes de tudo, é fundamental disseminar na própria sociedade essa discussão do valor da leitura", alerta Maria Antonieta, do Ministério da Cultura (MinC). "E sabemos que com a família tão pouco letrada como temos no Brasil, devido a uma porção de fatores sociais, a escola torna-se a grande esperança para formação de uma sociedade leitora. É claro que ela não atua sozinha, mas pode deslanchar o processo primordial."

A Secretaria da Educação de Osasco (SP) aposta na aproximação com a família e em frentes diversificadas de estímulo ao contato com o livro. "A leitura também é uma prática. E para isso ela precisa ter frequência, para se tornar um hábito", observa a secretária Mazé Favarão, sobre o programa Escola vai pra casa, de visitas à comunidade - durante as quais se discutem a necessidade de os pais acompanharem a vida escolar da criança e a importância da leitura.

"Apenas uma visita não é suficiente para que a família se disponha a aceitar o livro enquanto um componente de sua vida", avalia Mazé. Para reforçar esse aspecto, ela quer potencializar a ação com o programa Agentes de leitura, que embora seja do MinC, em Osasco foi adotado pela Secretaria de Educação. As unidades de ensino da rede municipal são orientadas a desenvolver projetos de leitura em seus Planos de Trabalho Anual (PTA). "Uma das experiências é realizada na última etapa da creche, com crianças na faixa de três anos de idade. Elas levam para casa uma sacola de pano, contendo um livro, folhas avulsas de papel, lápis de cor e um caderno", conta. A família deve ler a história para a criança, que depois faz um desenho. Os pais ou responsáveis devolvem um registro escrito.

"Essa experiência atinge vários objetivos de uma só vez. A escrita não é um hábito para muita gente. Então, poder e ter de escrever faz a família recuperar vários conhecimentos. Além disso, a situação produz uma intimidade e fruição muito positivas", diz a secretária. E há ainda o objetivo pedagógico propriamente dito: a convivência com o livro e o aprender.

A influência da família e a medida de longo prazo são dois pontos sempre presentes na abordagem de especialistas que vislumbram a formação de uma cultura letrada no Brasil. A maioria das pessoas que dizem gostar de ler aponta a mãe como quem mais influenciou o hábito, de acordo com a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, de 2008, do Instituto Pró-Livro.

Estudo recente mostra que de cada 10 jovens com 19 anos, seis já estudaram mais do que a mãe e outros dois a mesma quantidade. O levantamento foi realizado pelo Todos pela Educação, com apoio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009. Se tomarmos como pressuposto que mais anos de escolaridade resultam em melhores leitores, há boas perspectivas para apostar nas iniciativas de leitura no país.



Ligia Sanchez
Revista Escola Pública/Uol

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