segunda-feira, 12 de março de 2012

Vinho branco


Aprendi a beber vinho branco com Rosana, domingos à tarde, quando a gente ficava namorando na sala, na casa dela. Agora não tenho bebido, que o preço anda terrível. Vinho branco e poesia. Tenho bebido a última, que também embriaga. E lembrado as músicas que ouvíamos nos longos domingos. Longos agora, naquele tempo voavam. Bebe em golinhos — ela dizia. O segredo das boas coisas está em senti-las devagar, degustando. O amor é assim também. Não ter pressa. Percorrer o corpo com paciência budista. Se tinha sexo? E não era sexo os olhares carregados de desejo? Não era sexo os beijos molha dos, de língua? Não era sexo o contato, o sentir o corpo sob as roupas? Não era sexo o tocar a face com a mão trêmula?

Queria ter agora, ao lado da máquina, um copo de vinho branco. Queria o corpo de Rosana, nu, sobre a cama. Não ia escrever, ou talvez escrevesse uma outra história, melhor, sem rodeios e lugares-comuns.

Não tenho vinho branco, e nem Rosana. Mas tenho a certeza de que a terei, não desisto assim tão fácil.

Devia descrever a cena ridícula em que o pai de Rosana mandou que me retirasse de sua casa etc. Não quero mexer em feridas. Foi há um ano, e não houve tragédia. Ele simplesmente exerceu o seu poder de pai, de proprietário da filha, de dono de seu destino. Meteu-a no carro e levou-a a Porto Alegre.

Fui pra casa e fiz aquela bobagem que já falei, aquela besteira de meter a gilete no pulso. Coisa de idiota. Puxa vida! Quem ia mesmo sair perdendo te ria sido eu, que, morto, não ia nunca mais ver a Rosa na. É que pensei apenas na minha dor, no meu sofri mento, fui um tremendo individualista, ela também estava sofrendo, aquilo não foi uma coisa justa da minha parte, mas não é bom ficar falando disso, por que o que passou é morto, acabou.


Charles Kiefer

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