sábado, 27 de março de 2010

Crime e Castigo: O soco racional, Dostoiévski

- Eu não me inclinei diante de ti, eu me inclinei diante de todo o sofrimento humano – pronunciou ele de modo meio estranho e afastou-se para a janela – ouve – acrescentou, voltando a ela um minuto depois – há pouco eu disse a um ofensor que ele não valia um dedo mínimo teu… e que hoje tinha prestado a honra à minha irmã sentando-a ao teu lado.

- Ah o que o senhor disse a ele! E na presença dela? – exclamou Sonia assutada – Sentar-se comigo! Uma honra! Mas acontece que eu… sou uma… desonrada… sou uma grande, uma grande pecadora! Ah, o que o senhor disse!

- Não foi pela desonra nem pelo pecado que eu disse isso a teu respeito, mas pelo teu imenso sofrimento. E quanto a seres uma grande pecadora, isso é verdade – acrescentou ele quase em êxtase – contudo, mais que ser pecadora, tu te destruíste em vão e traíste a ti mesma. Pudera isso não ser um horror! Pudera não ser um horror tu viveres nessa lama, que tanto odeias, e sabendo ao mesmo tempo (basta apenas que abra os olhos) que com isso não esta ajudando ninguém nem salvando ninguém de coisa nenhuma! E me digas por fim – pronunciou quase em delírio – como combinas em ti tamanha ignomínia e tamanha baixeza com outros sentimentos opostos e sagrados? Porque seria mais justo, mil vezes mais justo e mais racional atirar-se de cabeça n’agua e dar cabo de si de uma vez!


DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. BEZERRA, Paulo (Trad). São Paulo. Editora 34: 2001

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