CBO
Eu sou do tempo em que esperava-se a chegada da Festa do Rosário como se espera um filho que partiu, mesmo porque era nesta época que os filhos voltavam para visitar seus familiares. O pais arrumavam as casas, o prefeito arrumava a cidade, as lojas, que eram tão poucas, incrementavam o estoque, principalmente as sapatarias.
Para acompanhar a Procissão do Rosário: roupas e sapatos novos, chapéu para os homens e sombrinha, na maioria das vezes azul, para as mulheres.
A vida naquela época era bem mais fácil de se ganhar. Não havia a imposição da mídia em copiar o modismo do sul, mesmo porque aquelas novidades, quando chegavam, eram pelas páginas coloridas da Revista Cruzeiro, a qual poucos tinham acesso. Mas quem voltava do sul do pais, “das São Paulo” principalmente, caprichava no sotaque e nas vestimentas.
Voltavam eles do sul do país, mesmo que para passar apenas quinze dias na terrinha, rever os amigos, contar as vantagens e as riquezas fictícias, cumprir a promessa do casamento feita ali na calçada do restaurante Panaty, de seu o Cabina e dona Cesinha, na saída da Viação Brasilia. - Um dia eu volto!
Votavam como o melhor toca-fita a tiracolo, os LP's de baixo do braço, o cheiro do perfume “I0I0” sapato de plataforma, o famoso cavalo de aço, calça Lee e o reluzente cinto imitando couro de jacaré e com fivela em forma de cabeça de cavalo. O cigarro era o Minister - Cinta Azul (com filtro) e o isqueiro era a gás. Bolsa Capanga de baixo do sovaco, chapéu e óculos a "Waldik Soriano" completavam o figurino.
O calor era intenso mas a camisa era preta e de mangas compridas, passada por dentro da calça. Era preciso investir na imagem de uma pessoa que havia se dado bem "nas São Paulo".
Vez por outra o Lord Amplificador lembrava a chegada do filho de Sr. Fulano ou de Sr. Sicrano “que volta de São Paulo para rever a família e se casar...”.No sábado do Rosário, as pessoas procuravam o Professor Arlindo Ugulino para que ele anunciasse, na saída da Procissão do Rosário, a presença de um parente na cidade. Nosso mestre de cerimonia fazia isso enquanto pedia aplausos para Nossa Senhora do Rosário. Era emocionante ouvir o mestre “dedilhar um rosário” de nomes aos aplausos dos presentes.
É um tempo que já vai longe.
Padre Sólon de França já não faz mais parte da festa, Professor Arlindo, com sua saúde já abalada pelo peso da idade, não tem mais o mesmo fôlego de antes, apesar do entusiasmo ainda continuar presente no seu discurso na sua imensurável fé.
Não se pagam mais promessas como antigamente... os que moram “nas São Paulo" já não fazem questão de visitar a sua cidade porque sabem que não vão mais encontrar, na ruas de Pombal, os amigos, o entusiasmo e a paz das Festas do Rosário dos anos 60 e 70.
E cada sonho, que um dia foi de um pai e de uma mãe mas que hoje é de um avô ou de uma avó, vai se transformando em moinhos e assim, seguem moendo as lembranças de uma cidade que necessariamente muda e oculta, nas sombras das torres da suas igrejas ou nos túmulos azuis do Cemitério Nossa Senhora do Carmo, aquelas pessoas que um dia, tão jovens e tão bonitas, acompanhavam a Procissão do Rosário, deixando para trás apenas as ladainhas de um tempo que não volta nunca mais...
Jerdivan Nobrega de Araújo