
Quando nós fomos apresentados, ele me pareceu mais velho do que eu; atualmente tenho dúvidas de que o Zé esteja muito mais novo, corado e disposto. Seu elixir? Nada de coisa do outro mundo: trabalha feito um touro, come como um padre e dorme como um urso. Afora isso, como dizia o poeta H. Dobal, “não lhe arde o desespero de ser dono de nada.” Preocupação mesmo só de ano em ano, com o inverno ou com a seca. Frequenta a cidade só para fazer a feira ou tirar um panarício. Disfrusco, tosse braba e a papeira dos meninos cura mesmo é com o remedinho do mato.
Foi o Zé quem me mostrou a mira e o estampido de uma lazarina, a atirar de balieira (ou baladeira como muitos chamam), a escolher um bom cambito e uma boa liga de pneu de bicicleta. E estava feito o estilingue, era só se embrenhar no mato.
Nascido e criado na roça, Zé Preá foi sempre munido de crenças, superstições e sabedorias. Perda de tempo era lhe assegurar a inexistência de botija, e mal-assombro lhe causava medo. Respeitava os dias grandes, inclusive a sexta-feira santa e era escabreado na sexta-feira treze. O trovão é o pai da coalhada. O leite de pinhão mata veneno de cobra. Pra curar hemorragia receitava a entrecasca do angico. A cantiga da acauã era prenuncio de seca na certa. A asa branca adivinhava chuva. O canto da coruja, da mãe-da-lua, da peitica e do bacurau era sinal de mal agouro.
A sua crença e superstição o torna até ingênuo e em sua sabedoria chega a ser desconfiado. Não há quem lhe convença que o homem foi à lua. Se foi, não volta. Se voltar é porque não foi.
A gordura é sinal de perigo. Se cobrir o coração mata. Vaticina ele, numa entonação quase apocalíptica! Talvez por isso ainda hoje se mantenha esguio. Nutrido o suficiente para segurar a sanfona e a lida no campo.
Manso no falar, abre a sanfona no terreiro de chão batido de sua casa de taipa onde a lua teima em clarear. Um acorde, um floreio, um verso solto, uma toada, uma voz que se perde na caatinga à dentro. Um grito de esperança e fé, marca de todo sertanejo calejado e forte.
Tem na água sua maior fortuna e a seca seu maior martírio. A chuva ele espera até o dia de São José. Não chegando, paciência, não vem mais.
Vigilante, é atento aos sinais da natureza. Os ninhos do João-de-barro, fura-berreira, o alvoroço das tanajuras, a festa das saúvas e o esconderijo dos marimbondos são sempre evidência de bom inverno e legumes fartos.
Talvez ele nem saiba, mas tive com o Zé uma convivência das mais valiosas e duradouras. Mas, um dia, tivemos de nos separar. Cortinas que se abrem no espetáculo da vida. Resolvi ir para a capital ser “doutor” e Zé Preá continuou aqui, sendo "doutor" na vida! Pena que nunca mais pude tomar as suas lições.
Teófilo Júnior
Junho de 2009
2 comentários:
A SOBERBA ESTÁ MAIS PRESENTE NOS "RICOS" DO QUE NOS "POBRES"; TALVEZ SEJA POR ISSO QUE NAS CAMADAS MATERIALMENTE MAIS CARENTES DE NOSSAS SOCIEDADE, ENCONTRAMOS ESPECIAIS EM MAIOR QUANTIDADE: NÃO QUE EU TENHA NADA CONTRA QUEM SE DEU "BEM" NA VIDA; É QUE GERALMENTE QUEM TEM MAIS DINHEIRO ESQUECE UM MONTE DE COISAS: VALORES, LEALDADE, AMIGOS...EMFIM...VOCÊ DEVE ESTAR SE PERGUNTANDO: E O QUE ISSO TEM A VER COM O COMENTÁRIO RELATIVO AO TEXTO DE ZÉ PREA ??? E EU DIGO: TEM TUDO A VER; POIS SÃO POUCAS AS PESSOAS QUE RECONHECEM O VALOR DAQUELAS PESSOAS MAIS SIMPLES; SÃO POUCOS O QUE TEM O OLHAR ACIMA DA MÉDIA...VENDO NA CARÊNCIA A GRANDEZA; COMO UM LÍRIO NO MEIO DO DESERTO DA DOR E DA INJUSTIÇA DOS HOMENS. ZÉ PREÁ É MAIS UM QUE TEÓFILO JÚNIOR COM SUA VISÃO AGUÇADA, O QUE LHE É NATURAL, OBSERVA NÃO SÓ O SER HUMANO, MAS NÃO SE ESQUEÇE DO ARTISTA ...UM VERDADEIRO "MICHAEL JACKSON DA SANFONA", AMENIZANDO A ARIDEZ DA SUA VIDA E DAS PESSOAS NESTE SERTÃO ÁRIDO DE HOMENS E É POR ISSO QUE DIGO: EM NOME DE ZÉ PREÁ E DOS ESQUECIDOS DO MUNDO...MUITO OBRIGADO PELA HOMENAGEM :)
No reino de Deus, os últimos serão os primeiros :)
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