Stanislaw Ponte Preta:
O humor como arma crítica nas crônicas de Sérgio Porto
Geder Luis Parzianello, professor Associado da Universidade Federal do Pampa.
Palavras-chave: crônica, jornalismo, Ponte Preta, ditadura, Rio de Janeiro.
O jornalismo carioca conheceu um dos mais expressivos cronistas brasileiros nos anos 60 do século XX.
Criada pelo jornalista Sergio Porto, a
figura de Stanislaw Ponte Preta encarnou o deboche sobre a vida
política brasileira, ridicularizou funcionários públicos da época e se
tornou a representação do sentimento nacional dos que se opunham aos
militares.
Em certa medida, a crítica bem
humorada de Sergio Porto pode encontrar marcas de atualidade ainda hoje,
haja vista sua aguda sátira contra a corrupção, o autoritarismo e os
projetos de desenvolvimento para o País, mas, é um tanto difícil que se
consiga encontrar no jornalismo contemporâneo um cronista equivalente à
influência e talento que teve este grande jornalista.
É possível que o fato de ter sido
carioca tenha contribuído para que Porto reunisse as condições de
requebrar nas palavras com um tema tão delicado, sobretudo, em um país
prestes a mergulhar em uma ditadura militar e mesmo ao longo dela.
Quem viveu os anos 60 do jornalismo brasileiro deve lembrar o Febeapá
– Festival de besteira que assola o país, criado pelo cronista como
imagem simbólica do período da ditadura militar. E mesmo quem não viveu
esta experiência como leitor tão de perto pode ainda buscar conhecê-la.
Ponte Preta criou o Samba do crioulo doido, um retrato afetivo da sociedade marginalizada que tentava reproduzir o discurso da elite. Havia também a Tia Zulmira, que representava a racionalidade e que alertava que o Brasil estava "caindo no perigoso terreno da galhofa”.
Stanislaw nos deixou no imaginário da
época uma imagem colorida do significado do golpe militar de 1964,
através dos recursos humorísticos e soube sintetizar muito na famosa
frase: "E foi proclamada a escravidão" (MORAES, 2003). Suas crônicas
foram reunidas também em livro, acompanhadas de ilustrações, muitas
vezes de Jaguar, cujo traço é expressivamente característico e viraram
uma verdadeira febre nacional entre os leitores. Fortuna e Ziraldo
também colaboraram.
Com Jaguar, Porto tinha uma amizade e
uma cumplicidade ideológica. Talvez por isso seja o ilustrador mais
frequente no trabalho do cronista.
O jornalista Sergio Porto foi crítico de cinema no Jornal do Povo, cronista esportivo e repórter policial. Atuou em dezenas de jornais, em revistas como O Cruzeiro e Manchete e em emissoras de rádio. Chegou a trabalhar fazendo paródias nas primeiras emissoras de televisão do Brasil, entre elas a TV Tupi, a TV Excelsior, a TV Rio e a TV Globo.
Fez contribuições em roteiros para cinema e teatro. Morreu em 1968,
época em que trabalhava no jornal Última Hora. Mas foi lá atrás, em
1951, quando ainda estava no Diário Carioca, que criou a personagem que
marcou sua carreira e lhe deu projeção nacional.
E isso demonstra o potencial produtivo
do jornalista, que fez de Stanislaw um dos intelectuais mais presentes
em diversos meios de comunicação do Brasil. A linguagem era sempre
levemente adaptada para cada meio, mas sem perder a identidade da
personagem e o mesmo tom de sátira e bom humor.
Como imagem satírica do governo militar escreveu:
O coronel brigou com o major porque um
cachorro de propriedade do primeiro conjugava o verbo defecar bem no
meio da portaria do edifício de onde o segundo era síndico. Por causa do
que o cachorro fez, foi aberto um IPM de cachorro. King – este era o
nome do cachorro corrupto – cumpriu todas as exigências de um IPM. Seu
depoimento na Auditoria foi muito legal. Ele declarou que au-au-au-au. (Febeapá 1, p.25)
O trabalho de jornalistas como o de
Sergio Porto empresta ao jornalismo um caráter de repositório da memória
da vida pública e privada de uma época. Nenhum outro documento talvez
tenha tanta vida e representatividade. As esperanças frustradas, a crise
política, os desmandos do poder, o projeto de modernização do País,
etc., tudo tratado na aguda forma de dizer e ilustrar.
Não é exagero afirmar que Stanislaw
Ponte Preta fez escola. Com esta personagem, Porto recuperou e
reinventou a crônica humorística de cunho político e da crítica dos
costumes. O nonsense, a piada pronta, o senso de oportunidade dos
fatos que soam ridículos, cada elemento da vida social e política o
inspirava. Suas crônicas funcionavam como uma anti-máscara da ditadura
militar, da improdutividade do setor público, da lentidão dos serviços e
da fragilidade do poder político.
Na representação bem humorada dos
trabalhadores, a crítica afiada contra os ideais da esquerda e da
direita. Para a esquerda, a classe trabalhadora, organizada e
consciente, aliada à burguesia nacional, setor mais progressista da
sociedade, estaria prestes a fazer uma "revolução". Para a direita, a
classe trabalhadora estaria sendo manipulada pelos grupos radicais
formados por comunistas (HOLANDA, 1984).
Stanislaw busca conscientizar o seu
público leitor diante da utopia que tem de ajudar a instituir a
democracia no país. Cita discursos, fatos concretos, práticas efetivas e
sempre muito próximas do leitor, como resume Moraes (2003), lembrando
que no texto do cronista não existem abstrações nem discussões
conceituais. Com um tom agressivo, por isso satírico, dirigido aos
poderosos, aos militares, ainda assim ele representa as fraquezas ou
vícios dos dominados: e fala da corrupção, da delação, do oportunismo,
da alienação política, enfim, do autoritarismo socialmente implantado na
sociedade civil.
Dislaine Moraes, em sua tese na USP, resume a crônica "O Marechal e o
Bêbado" que incorpora uma figura central da memória militar, a do
Marechal Deodoro, e a rebaixa, por meio da história de um bêbado que
vivia à sombra da estátua, em uma praça do mesmo nome. O bêbado, único
no local a respeitar a imagem do Marechal Deodoro, é ridicularizado
pelos frequentadores da praça. O bêbado é levado por alguns torcedores
para assistir a um jogo de futebol. Na volta, muito mais alcoolizado,
conversa com a estátua como se fosse o próprio Marechal Deodoro,
manifestando um abuso de intimidade. Um policial chega e dá voz de
prisão ao bêbado. Este, por sua vez, confunde-o com a figura do Marechal
representada na estátua. A passagem é plena de irreverência aos signos
do poder:
Autorizado pela condição de pária social, bêbado, louco, desatinado, o
bêbado explicita pela confusão que ele produz a apropriação que os
militares fizeram da imagem histórica do Marechal:
“Sentindo-se protegido, o bêbado da
Praça Marechal Deodoro, Maceió (AL), folgou mais pouquinha coisa,
obrigando os ponderados a chamar a Polícia. Não demorou muito, veio um
cavalariano, e o soldado, para assustar "aquele pau-d’água estrangeiro",
atiçou o cavalo pra cima dele.
O bêbado nem se assustou, apenas olhou
para o cavalo e, ao vê-lo, deu um sorriso de satisfação. Olhou para
cima e gritou pro soldado.
– Ó Deodoro, você também veio, esse menino? Olhe... perdemos de dois a zero. (Febeapá 2, p.136)
E Sergio Porto, nascido a 11 de
janeiro de 1923 e falecido em 30 de setembro de 1968 foi também
compositor brasileiro. Conta-se que certa feita encontrou Cartola,
cantor, compositor, e violonista brasileiro, na época, ainda não famoso e
lavando carros. Desgostoso com a situação, ele teria tirado Cartola do
ofício de lavador e o levado ao meio musical. Sem as mãos de Sergio
Porto, talvez Cartola não tivesse se tornado um dos maiores compositores
brasileiros, autor de sucessos como As Rosas não Falam e O Mundo é um
Moinho.
FEBEAPÁ1 (Primeiro Festival de Besteira Que Assola o País), Editora do Autor, 1966.
FEBEAPÁ2 (Segundo Festival de Besteira Que Assola o País), Editora Sabiá, 1967.
HOLLANDA, H. B. de, GONÇALVES, M. A. Cultura e participação política nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MORAES, D. Z. O trem tá atrasado ou já passou: sátira e as formas do
cômico em Stanislaw Ponte Preta. São Paulo, 2003. Tese (Doutoramento) –
FFLCH, Depto. de Letras Clássicas e Vernáculas, USP.
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