A senhorinha embarca no meu táxi tímida, sotaque do interior, dá o
destino da corrida e se encolhe no canto do banco traseiro. Eu desenho o
trajeto na minha cabeça e parto. É um caminho conhecido, apesar de
longo, não há dúvidas quanto ao itinerário. Logo estou no piloto
automático. Rádio no volume mínimo, a ideia de uma nova crônica
fermentando na cabeça - a história de uma noiva que usa o taxista para
fazer ciúmes no noivo, um caso real, cheio de detalhes
sórdidos, contado por um colega. Resolvo parar em um posto de
combustível, numa lojinha de conveniência onde a balconista é uma velha
conhecida. Ela é gremista doente, de ir ao estádio, torcida organizada e
tudo mais. Ela conta que está com o pai fazendo hemodiálise, não tem
conseguido acompanhar o time, mas diz que tem me seguido nas redes
sociais, assistiu a algumas reportagens. Resolvo contar para ela a
história da noiva, pra ver se funciona com o público. Ganho um café em
troca. Não lembrava como essa minha amiga era boa de papo. Não demora
estamos às gargalhadas, o tempo voa, nem sei a quanto tempo estou ali
jogando conversa fora. Preciso voltar a trabalhar. Vou até o banheiro,
faço um xixi, pego uma água mineral e me despeço da minha amiga.
Trocamos WhatsApp e prometemos manter contato. Enquanto volto ao táxi
dou uma conferida no aplicativo que anda quieto demais, pouca gente
precisando de transporte nessa área - imagino que vou voltar vazio até
meu ponto...
Quando encosto a mão na maçaneta pra abrir a porta do táxi, noto um movimento estranho no banco traseiro...
A SENHORINHA!
Meu Deus, eu havia esquecido completamente que estava com uma cliente!
Ela me olha com cara de assustada, não fala nada, parece sufocada no
carro fechado, está a ponto de desmaiar! Abro os vidros do táxi, ofereço
um pouco de água mineral, a garrafa toda, mas ela não aceita, pergunta
apenas se eu ainda vou demorar muito, se estamos muito longe do seu
destino, noto um terço entre os dedos da mulher, ela estava rezando,
coitada, talvez pedindo a Deus que não a abandonasse como fez o taxista
maluco com o qual estava lidando.
O resto foi silêncio e vontade de não ter nascido.
Mauro Castro
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