“Há um
bom tempo, num importante vestibular, pediu-se aos candidatos que apontassem a
frase incorreta. Uma das opções era ‘Nós é...’. Votadíssima, essa opção não era
a resposta, já que as reticências indicam que a frase pode não terminar ali.
“A continuação pode ser algo como ‘...que
sabemos...’ (‘Nós é que sabemos como foi difícil aceitar isso’, por exemplo).
Nesse caso, a expressão ‘é que’ é invariável e funciona como elemento de
ênfase. No tal vestibular, quem deu por errada a opção ‘Nós é...’ deixou de
levar em conta algo fundamental na análise linguística: a frase inteira, o
texto, o contexto.”
“Mim” ou “eu”?
“Essa conversa inicial serve para discutir uma questão
feita num programa de TV. O candidato deveria apontar o que estava errado.
Entre as opções, ‘para mim fazer’. Será que essa construção é sempre errada?
Será que muitos de nossos professores acertaram quando nos deram aquelas lições
sobre ‘eu’ e ‘mim’ (‘No meio da frase, usa-se eu; no fim, usa-se mim’; ‘Nunca
se usa mim ao lado de infinitivo’)?
“Certa vez, participei de um programa de
TV ao lado de dois colegas. Ao fazer suas considerações iniciais, um deles
disse isto: ‘É um prazer para mim estar aqui’. Minutos depois, a emissora começou
a receber mensagens. ‘Como vocês colocam no ar um professor de português que
diz para
mim estar?’, diziam os indignados reclamantes.
“Pois o colega não cometeu nenhuma
barbaridade; apenas dispôs em ordem inversa os termos da oração. Há ainda outras
maneiras de dispor os termos: ‘Estar aqui, para mim, é um prazer’; ‘Para mim, é
um prazer estar aqui’. Na ordem direta, teríamos: ‘Estar aqui é um prazer para
mim’.
A
função do pronome
“A questão não é de posição; é de função. Não importa onde
está o pronome ou que termo está a seu lado. Importa a função que desempenha.
“Na língua padrão, o pronome ‘eu’ funciona
basicamente como sujeito, ou seja, ‘conjuga’ o verbo. Em ‘Ela fez o possível
para eu participar do programa’, o pronome ‘eu’, bem empregado, é sujeito do
verbo ‘participar’, o que se percebe facilmente com o desdobramento do período
em ‘Ela fez o possível para que eu participasse do programa’.
“Em ‘É um prazer para mim estar aqui’, o
pronome ‘mim’ está sintaticamente ligado à palavra ‘prazer’. Não funciona como
sujeito, pois. A oração ‘estar aqui’ é que funciona como sujeito da forma
verbal ‘é’. Afinal, é o ato de estar que é um prazer para alguém (para mim,
para ti etc.).
“Moral da história: fora do contexto, não
se pode dizer absolutamente nada sobre nada. É isso.”
Analise o contexto
“Quando se pergunta a que classe
gramatical pertence a palavra ‘cantar’, quem responde ‘verbo’ pode errar se não
levar em conta o emprego da palavra no texto.
“Em ‘Meu barracão lá no morro do Salgueiro
/ Tinha o cantar alegre de um viveiro’ (da antológica Chão de Estrelas, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa), ‘cantar’ não
é verbo. É substantivo.”
(NETO,
Pasquale Cipro. “Para mim fazer”. In: _____. Português passo a passo com
Pasquale Cipro Neto. Barueri (SP): Gold Editora, 1. ed., 2007, pp. 6-7,
Como Empregar os Pronomes, v. 9.)
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