domingo, 12 de março de 2017

Para mim fazer



     “Há um bom tempo, num importante vestibular, pediu-se aos candidatos que apontassem a frase incorreta. Uma das opções era ‘Nós é...’. Votadíssima, essa opção não era a resposta, já que as reticências indicam que a frase pode não terminar ali.

      “A continuação pode ser algo como ‘...que sabemos...’ (‘Nós é que sabemos como foi difícil aceitar isso’, por exemplo). Nesse caso, a expressão ‘é que’ é invariável e funciona como elemento de ênfase. No tal vestibular, quem deu por errada a opção ‘Nós é...’ deixou de levar em conta algo fundamental na análise linguística: a frase inteira, o texto, o contexto.”

“Mim” ou “eu”?

     “Essa conversa inicial serve para discutir uma questão feita num programa de TV. O candidato deveria apontar o que estava errado. Entre as opções, ‘para mim fazer’. Será que essa construção é sempre errada? Será que muitos de nossos professores acertaram quando nos deram aquelas lições sobre ‘eu’ e ‘mim’ (‘No meio da frase, usa-se eu; no fim, usa-se mim’; ‘Nunca se usa mim ao lado de infinitivo’)?

     “Certa vez, participei de um programa de TV ao lado de dois colegas. Ao fazer suas considerações iniciais, um deles disse isto: ‘É um prazer para mim estar aqui’. Minutos depois, a emissora começou a receber mensagens. ‘Como vocês colocam no ar um professor de português que diz  para mim estar?’, diziam os indignados reclamantes.

      “Pois o colega não cometeu nenhuma barbaridade; apenas dispôs em ordem inversa os termos da oração. Há ainda outras maneiras de dispor os termos: ‘Estar aqui, para mim, é um prazer’; ‘Para mim, é um prazer estar aqui’. Na ordem direta, teríamos: ‘Estar aqui é um prazer para mim’.
     
 A função do pronome

     “A questão não é de posição; é de função. Não importa onde está o pronome ou que termo está a seu lado. Importa a função que desempenha.

     “Na língua padrão, o pronome ‘eu’ funciona basicamente como sujeito, ou seja, ‘conjuga’ o verbo. Em ‘Ela fez o possível para eu participar do programa’, o pronome ‘eu’, bem empregado, é sujeito do verbo ‘participar’, o que se percebe facilmente com o desdobramento do período em ‘Ela fez o possível para que eu participasse do programa’.

     “Em ‘É um prazer para mim estar aqui’, o pronome ‘mim’ está sintaticamente ligado à palavra ‘prazer’. Não funciona como sujeito, pois. A oração ‘estar aqui’ é que funciona como sujeito da forma verbal ‘é’. Afinal, é o ato de estar que é um prazer para alguém (para mim, para ti etc.).

     “Moral da história: fora do contexto, não se pode dizer absolutamente nada sobre nada. É isso.”


             Analise o contexto

      “Quando se pergunta a que classe gramatical pertence a palavra ‘cantar’, quem responde ‘verbo’ pode errar se não levar em conta o emprego da palavra no texto.

     “Em ‘Meu barracão lá no morro do Salgueiro / Tinha o cantar alegre de um viveiro’ (da antológica Chão de Estrelas, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa), ‘cantar’ não é verbo. É substantivo.”


(NETO, Pasquale Cipro. “Para mim fazer. In: _____. Português passo a passo com Pasquale Cipro Neto. Barueri (SP): Gold Editora, 1. ed., 2007, pp. 6-7, Como Empregar os Pronomes, v. 9.)

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