E é bom saber que em 2035 o politicamente correto terá triunfado no espaço e na Terra
Ridley Scott talvez só perca para o Woody Allen na quantidade de filmes
que faz. Como no caso de Allen, a prolixidade afeta a qualidade, que
varia entre grandes filmes, filmes mais ou menos e filmes que eles
prefeririam esquecer. A diferença é que Scott se especializou em
superproduções e, quando erra, erra espetacularmente, enquanto Allen,
comparado com ele, é um miniaturista. Scott fez coisas fantásticas como
“Os duelistas”, “Alien”, “Blade runner”, “Thelma & Louise” e aquele
pouco valorizado filme sobre as Cruzadas, mas o seu “O conselheiro do
crime”, por exemplo — no qual a Cameron Diaz faz sexo com um automóvel —
já foi eleito um dos piores filmes de todos os tempos.
“Perdido em Marte” é um dos bons. Seu lançamento coincidiu com a
notícia de que havia água líquida em Marte, o que serviu como uma
promoção inesperada para o filme, mas ao mesmo tempo o datou. Se o
astronauta abandonado soubesse, em 2035 (quando, li não me lembro onde,
se passa a historia), que tinha água à vontade sem ter que produzi-la
artificialmente, seu desterro seria mais fácil. Mas o filme ficou pronto
antes da notícia da água.
Em geral, a experiência do astronauta no filme é verossímil, de acordo
com comentaristas científicos, mas há alguns enganos. Uma ventania como a
que força a suspensão da missão seria impossível na atmosfera rarefeita
de Marte. E, mesmo protegido pelo seu traje espacial, o abandonado não
sobreviveria à radiação intensa e contínua do Sol. No mais, dizem os
cientistas, tudo que se vê no filme é possível, até o improvável final,
que eu não vou contar como é.
Parte do fascínio de “Perdido em Marte” é o mesmo que nos atrai em
todas as versões da mesma história, a de um ser sozinho, reduzido ao seu
engenho para domar a natureza e sobreviver, no fim um elogio à
tenacidade humana. Robinson Crusoé de novo, desta vez em Marte.
Irresistível.
E é bom saber que em 2035 o politicamente correto terá triunfado no
espaço e na Terra. A comandante da missão abortada é uma mulher, um dos
seus comandados é hispânico, entre os técnicos e cientistas que guiam as
missões a maioria é de negros e asiáticos — e até a China dá uma mão.
Luis Fernando Veríssimo
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