sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Robinson Crusoe em Marte

E é bom saber que em 2035 o politicamente correto terá triunfado no espaço e na Terra

Ridley Scott talvez só perca para o Woody Allen na quantidade de filmes que faz. Como no caso de Allen, a prolixidade afeta a qualidade, que varia entre grandes filmes, filmes mais ou menos e filmes que eles prefeririam esquecer. A diferença é que Scott se especializou em superproduções e, quando erra, erra espetacularmente, enquanto Allen, comparado com ele, é um miniaturista. Scott fez coisas fantásticas como “Os duelistas”, “Alien”, “Blade runner”, “Thelma & Louise” e aquele pouco valorizado filme sobre as Cruzadas, mas o seu “O conselheiro do crime”, por exemplo — no qual a Cameron Diaz faz sexo com um automóvel — já foi eleito um dos piores filmes de todos os tempos.

“Perdido em Marte” é um dos bons. Seu lançamento coincidiu com a notícia de que havia água líquida em Marte, o que serviu como uma promoção inesperada para o filme, mas ao mesmo tempo o datou. Se o astronauta abandonado soubesse, em 2035 (quando, li não me lembro onde, se passa a historia), que tinha água à vontade sem ter que produzi-la artificialmente, seu desterro seria mais fácil. Mas o filme ficou pronto antes da notícia da água.

Em geral, a experiência do astronauta no filme é verossímil, de acordo com comentaristas científicos, mas há alguns enganos. Uma ventania como a que força a suspensão da missão seria impossível na atmosfera rarefeita de Marte. E, mesmo protegido pelo seu traje espacial, o abandonado não sobreviveria à radiação intensa e contínua do Sol. No mais, dizem os cientistas, tudo que se vê no filme é possível, até o improvável final, que eu não vou contar como é.

Parte do fascínio de “Perdido em Marte” é o mesmo que nos atrai em todas as versões da mesma história, a de um ser sozinho, reduzido ao seu engenho para domar a natureza e sobreviver, no fim um elogio à tenacidade humana. Robinson Crusoé de novo, desta vez em Marte. Irresistível.

E é bom saber que em 2035 o politicamente correto terá triunfado no espaço e na Terra. A comandante da missão abortada é uma mulher, um dos seus comandados é hispânico, entre os técnicos e cientistas que guiam as missões a maioria é de negros e asiáticos — e até a China dá uma mão.

Luis Fernando Veríssimo

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