O Diretor
Ernest Ingmar Bergman nasceu em Uppsala,
na Suécia, em 1918. Filho de um pastor luterano, teve uma infância
rígida, marcada por castigos psicológicos e corporais, temas freqüentes
em seus trabalhos.
Começou a fazer e dirigir teatro ainda
adolescente. Tornou-se famoso como roteirista na Suécia, escrevia para
os maiores cineastas da época, e, com Sorrisos de Uma Noite de Amor fez seu nome como diretor de cinema, mas foi com O Sétimo Selo que ganhou fama internacional.
Foi o principal responsável pela
recuperação, para o cinema sueco, do prestígio que este perdera na
década de 20, com a partida de importantes cineastas para Hollywood.
Fez um total de 54 filmes, 39 peças para
o radio e 126 produções teatrais, onde seus temas principais eram Deus,
a Morte, a vida, o amor, a solidão, o universo feminino e a
incomunicabilidade entre casais, tema onde foi pioneiro no cinema.
Tornou-se autor completo de seus filmes e renovou a linguagem
cinematográfica. Seus primeiros filmes trazem com frequência influências
do naturalismo e do romantismo do cinema francês dos anos 30. Alguns
chegaram a ser repelidos por causa do erotismo e expressionismo.
É muito conhecido por seu domínio do métier,
por seu conhecimento técnico de câmera, luzes, processos de montagem,
criação de personagens e qualidade de celuloide e som. Sempre trabalhava
com a mesma equipe técnica e de atores.
Ganhou Oscar com os filmes A Fonte da Donzela e Fanny e Alexander.
Da peça ao filme
Bergman dava aulas na Escola de Teatro
de Malmö, em 1955. Procurava uma peça para encenar para alguns jovens.
Acreditava que essa era a melhor maneira de ensinar. Nada encontrou e
então resolveu escrever ele mesmo, dando o titulo de Uma pintura em
madeira.
Era um exercício simples e consistia num
certo numero de monólogos, menos uma parte. Um dos alunos se preparava
para o setor de comédia musical, tinha uma aparência muito boa e ótima
voz quando cantava, mas quando falava era uma catástrofe, ficando com o
papel de mudo, e ele era o cavaleiro.
Trabalhou bastante com seus alunos e
montou a peça. Ocorreu-lhe um dia que deveria fazer um filme da peça e
tudo aconteceu naturalmente. Estava hospitalizado no Karolinska, em
Estocolmo, o estomago não estava muito bom, e escreveu o roteiro,
passando o script para o Svensk Film Industri, que não foi aceito, e só
quando veio o sucesso Sorrisos de uma noite de amor (filme que recebeu
um premio importante no festival de Cannes) que Ingmar obteve permissão
para filmá-lo.
Bergman disse em uma entrevista “Foi baratíssimo e muito simples”, mas na biografia critica de Peter Cowie, a origem de O Sétimo Selo
é tratada de modo a aparecer um pouco menos simples. Cowie fornece mais
pormenores do que Bergman sugere, diz, que a peça original é um ato
para dez estudantes, entre eles Gunnar Bjornstrand, e foi levada a cena
pelo próprio Bergman em 1955. Mas a encenação que arrebatou a critica
ocorreu em setembro do mesmo ano quando um outro elenco, que contava com
a presença de Bibi Anderson dessa vez, representou no Teatro Dramático
Real de Estocolmo, sob a direção de Bengt Ekerot (ator e diretor
renomado que interpretou a Morte em O Sétimo Selo).
Apenas alguns elementos foram
aproveitados no roteiro final do filme: o medo da peste, a queima da
feiticeira, a Dança da Morte. Mas a partida de xadrez entre a Morte e o
Cavaleiro não havia, e, nem existia o artístico-bufanesco “santo casal”
Jof e Mia com seu bebê. Somente Jons, o Escudeiro, não sofreu mudanças.
Bergman retornou a Suécia, reescreveu o
roteiro e reuniu a equipe. Deram-lhe trinta e cinco dias e um orçamento
apertado. Foram gastos cerca de 150 mil dólares e o diretor manteve-se
dentro do cronograma e do orçamento. O filme foi feito em 1956 e estreou
na Suécia em fevereiro de 1957.
Contexto Histórico
O século XIV, que é a época diegética de O Sétimo Selo,
assinala o apogeu da crise do sistema feudal, representada pelo
trinômio “guerra, peste e fome”, que juntamente com a morte, compõem
simbolicamente os “quatro cavaleiros do apocalipse” no final da Idade
Média.
Inicialmente, a decadência do feudalismo
resulta de problemas estruturais, quando no século XI, a elevada
densidade demográfica na Europa, determinou a necessidade de crescimento
na produção de alimentos, levando os senhores feudais aumentarem a
exploração sobre os servos, que iniciaram uma série de revoltas e fugas,
agravando a crise já existente.
As cruzadas entre os séculos XI e XIII
representaram um outro revés para o sistema feudal, já que os seus
objetivos mais imediatos não foram alcançados: Jerusalém não foi
reconquistada pelos cristãos, o cristianismo não foi reunificado, e a
crise feudal não foi sequer minimizada, já que a reabertura do mar
Mediterrâneo promoveu o Renascimento Comercial e Urbano, que já
contextualizam o “pré-capitalismo”, na passagem da Idade Média para a
Moderna.
O trinômio “guerra, peste e fome”, que
marcou o século XIV, afetou tanto o feudalismo decadente, como o
capitalismo nascente. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e
Inglaterra devastou grande parte da Europa ocidental, enquanto que a
“peste negra” eliminou cerca de 1/3 da população européia. A destruição
dos campos, assolando plantações e rebanhos, trouxe a fome e a morte.
Nesse contexto de transição do
feudalismo para o capitalismo, além do desenvolvimento do comércio
monetário, notamos transformações sociais, com a projeção da burguesia,
políticas com a formação das monarquias nacionais, culturais com o
antropocentrismo e racionalismo renascentistas, e até religiosas com a
Reforma Protestante e a Contra Reforma.
O filme toca imaginativamente nesse
mundo antigo, saturado de feiticeiras, cavalos, fome, peste e fé,
depositando confiança em nossa imaginação.
O filme
Foi o décimo filme que Bergman dirigiu e
é uma de suas poucas tramas não-realistas. O roteiro original se lê
como peça de teatro e poderia, com alguns retoques, ser montada como
tal. Não se encontra nenhum Plano Geral, Zoom ou Pan, nada de Exterior Dia Floresta; nem Interior Dia Taverna;
é como uma peça, com relativamente poucas rubricas. Podemos encontrar
muitas influências culturais tanto no filme como no próprio roteiro: o
quadro dos dois acrobatas de Picasso; A Saga dos Folkung e O Caminho de Damasco de Strindberg; os afrescos religiosos que Bergman viu na Igreja de Haskeborga.
Houve apenas três dias de locação nas
filmagens: a sequência de abertura e as tomadas na encosta do morro. As
condições atmosféricas, a locação e a luz eram perfeitas e não foi
preciso repetir as tomadas. Foi um filme cheio de improvisações, a maior
parte filmado nos estúdios, em Rasunda (Suécia). Bergman conta que em
uma sequência na floresta, olhando com muita atenção podemos ver as
janelas envidraçadas de um bloco de apartamentos, e a torrente na
floresta era o transbordamento de um cano solto que ameaçava inundar o
local.
A velocidade do andamento das cenas ,
como uma cena passa para a outra dizendo tudo o que precisa e encarando
grandes e pequenas questões com a mesma seriedade, buscando o óbvio,
fazem parte do mundo bergmaniano. A clareza dos diálogos, a maneira
teatral como são utilizados, também fazem parte desse mundo.
O filme, assim como toda a obra do
diretor no seu início, é considerado neo-expressionista. Os cenários são
muito rústicos e simples, a maquiagem é impressionante, e muitas vezes
os atores aparecem machucados, ou com dentes podres, desprovidos de
qualquer regra de higiene atuais, o que dá mais realismo ao filme.
O Sétimo Selo foi dedicado a
Bibi Andersson e ela, assim como Max Von Sydon, Erland Josephson, Ingrid
Thulin, Liv Ullman, Harriet Anderson e Gunnar Bjosrnstrand, que
começaram com ele no teatro, se tornaram para sempre “atores
bergmanianos” e seguiram carreiras internacionais.
O título é uma referência ao capitulo
oito do livro das revelações. A história é simples. Um Cavaleiro e seu
Escudeiro voltam das Cruzadas. O país está assolado pela peste. Eles se
encontram com a Morte e o Cavaleiro faz um trato com ela: enquanto
conseguir contê-la numa partida de xadrez, sua vida será poupada. Na
viagem pela terra natal, encontram artistas, fanáticos, ladrões,
patifes, mas por toda parte a presença da Morte, empenhada em ganhar o
jogo por meios lícitos e ilícitos. No fim, todos, menos os artistas, são
arrebanhados por ela. Intelectualmente a trama do filme é entrecida com
dois: o da busca, pelo Cavaleiro já desesperado, de alguma prova,
alguma confirmação de sua fé, e o da atitude do Escudeiro, para quem não
existi nada, para além do corpo em carne e osso, senão o vazio.
O filme articulou perguntas que não se
atrevia fazer: quais eram os sinais verdadeiros de que existia um Deus?
Onde estava o testemunho coerente de qualquer benevolência divina? Qual
era o propósito da oração? A dúvida do Cavaleiro, sua determinação de se
apegar aos exercícios exteriores da crença quando o credo interiro
estava esmigalhado coincidia com a situação de muitos. Mostrou com uma
visão simples e totalmente moderna para a época, o relacionamento de
Deus com o Homem.
A natureza religiosa da obra de Bergman
se manifesta de imediato no filme. Em uma entrevista declarou que
utilizava seus filmes para encarar seus temores pessoais, disse ele:
“Tenho medo da maior parte das coisas dessa vida” e “Depois daquele
filme ainda penso na morte, mas não é mais uma obsessão”, e em O Sétimo Selo
ele enfrentou o seu medo da morte. A Morte está presente todo o tempo, e
cada um reage de maneira diferente a ela. Deus e a Morte são os grandes
pilares do filme, e em grau menor, mas essencial, mostra seus
sentimentos sobre o Amor e a Arte.
A tela destinava-se ao divertimento,
quem estivesse em busca da verdadeira substância do pensamento abria um
livro. Bergman botou isso de pernas para o ar nesse filme, mostrando um
cinema não somente para a diversão, mas também para a reflexão.
As pessoas são geralmente muito sérias
acerca do que o diretor considera serem questões sérias: Amor, Morte,
Religião, Arte. Sua resoluta preocupação com assuntos sérios, mesmo em
suas poucas comédias, o distingue e talvez explique porque em certo
sentido ele saiu de moda. Ele insiste em enfrentar o todo da vida com
seriedade, aborda o total da existência e o que está acima dela, junto
com sua religiosidade, transformando-o num estrangeiro de um mundo
pós-moderno e em maior parte descrente.
O senso de Humor aparece, às vezes sutil
e às vezes mais ostensivo como quando a Morte serra árvore para levar o
artista, é a cena mais engraçada do filme. Finamente bem humorado –
sobre desafios, negociações e as eternas dúvidas e curiosidades em torno
de questões metafísicas que atormentaram, atormentam e atormentarão o
ser humano. Acredito que Bergman está presente no filme na angústia do
cavaleiro que vê sua vida destituída de sentido, e também no ateísmo de
seu fiel amigo Escudeiro.
O encontro com a Morte
A cena de abertura dá o tom: antes de qualquer imagem a música Dies Irae
começa solene. A tela se ilumina, uma nuvem esbranquiçada que se não
estivesse ali deixaria tudo cinza e turbulento. O coro interrompe no
corte: uma dramática reelaboração da música de Dies Irae. Uma
ave aparece pairando quase imóvel no céu, e o pink noise (silêncio), que
é muito usado nos filmes de Bergman, dá ainda mais suspense. Outro
corte mostra uma praia pedregosa e uma voz calma e suave lê um trecho do
apocalipse, ouve-se o barulho das ondas batendo nas pedras.
O Cavaleiro descansa sobre as pedras e
um plano mais fechado nos leva para mais perto da ação: tem um tabuleiro
de xadrez ao seu lado, e ele segura uma espada na mão. O Escudeiro
também dorme e seu amigo abre os olhos e observa o céu.
O dia está nascendo e Antonius se
levanta para lavar o rosto. Logo após ajoelha sobre as pedras e faz uma
oração, num intenso plano americano, mas seus lábios não se mexem,
talvez não saiba mais rezar. Ele vai até o tabuleiro de xadrez, onde as
peças já estão montadas, o silêncio traz uma figura parecida com um
monge, um fantasma. O Cavaleiro arruma uma sacola e vê aquela figura.
Começam a dialogar (uso de planos gerais): “Quem é você?”, “Eu sou a
morte”.
E a morte aparece como um homem, uma
presença. Segundo Bergman “Essa é a fascinação do palco e do cinema. Se
você pega uma cadeira perfeitamente normal e diz “Eis a cadeira mais
cara, fantástica e maravilhosa já feita em todo o mundo”, se você diz
isso, todos acreditam. Se o Cavaleiro diz “Você é a Morte”, você
acredita nisso” .
Em outro plano a Morte abre seu manto a
fim de levar o Cavaleiro, sua pele é muita branca e a “música medieval”
impulsiona a ação.
Após o trato sentam-se para jogar
xadrez. Antonius parece estar muito calmo diante da tão aterrorizante
Morte. Há até um pouco de ironia quando as peças negras são sorteadas
para serem jogadas pela morte, que diz para o Cavaleiro, “Bem apropriado
não acha?”.
A imagem se dissolve e vemos Antonius
numa igreja, olhando uma imagem de Jesus Cristo. Seu rosto, e o talento
naturalmente, mas a seriedade e a capacidade também de serenidade desse
ator valorizam o filme. É um rosto pensante, a procura de um
entendimento da vida, uma indagação antiga, às vezes banal que nos
convence. Seus momentos de extrema emoção são quando geralmente ele se
vê só, salvo, talvez, por Deus.
As sombras aparecem muito, há muito
contraste de claro e escuro e os closes nos personagens são muito
usados. Bergman usava muito o close-up porque acreditava que eles
mostravam muito da personalidade dos personagens. O sino da igreja toca
sem parar, a imagem de Cristo aparece novamente, mas não é uma imagem
comum, parece deformada e sofredora.
O Cavaleiro revela sua fé, sua busca. As
imagens que estão por perto dele são difíceis de identificar por causa
da sombra. Ele confessa esperar o conhecimento da vida, e nós vemos,
entre as grades do confessionário que a Morte é quem o ouve. Ela não
quer ser reconhecida e nos mostra suas más intenções. O sino cessa e
eles continuam a falar de Deus e agora da Morte. Antonius está nervoso,
revela sua estratégia para vencer a Morte e mostra todo seu desespero e
sua surpresa ao ver que ela o enganou. Um primeiro plano mostra a
expressão de seus rostos. As sombras e a escuridão tomam conta de quase
toda a tela, e vemos apenas o vulto dos personagens e as grades do
confessionário. A Morte vai embora, e ele observa sua mão, o sangue que
pulsa nela. Antonius Block se apresenta para os espectadores junto com
sua fé, coragem e satisfação, talvez até orgulho de jogar xadrez com a
Morte.
Os flagelantes
A cena com os flagelantes é maravilhosa.
Começa com a apresentação dos artistas, numa inocente maneira de
divertir o público do vilarejo. Eles dançam, cantam, brincam, tocam
instrumentos quando a música entra, dando um clima de terror a cena. É
um contraste ver a alegria dos artistas seguidas de tanta dor, culpa,
desespero e fé dos torturadores: “Eles acreditam que a peste é um
castigo de Deus por eles serem pecadores”.
Os olhos de Jof e Mia se enchem de espanto, assim como a de todas as pessoas que vêem a procissão. A música é apavorante.
Eles passam por uma porteira carregando
Imagens e Cruzes. Pessoas deficientes, muito magras e idosas
impressionam. Estão vestidos como monges, com roupas esfarrapadas, se
ouve os gritos e o barulho dos chicotes. Os closes aparecem
freqüentemente mostrando o espanto das pessoas que vêem os flagelantes
passar.
Essa cena foi feita em um só dia, os extras foram feitos em clinicas geriátricas da cidade.
A dança da Morte
Após todos serem arrebanhados pela
Morte, o plano que segue é o de Mia, olhando para o céu com seu filho
Mickael e Jof ao seu lado, dentro da carroça. Ela acorda o marido e se
vêem a salvo. O céu está claro e a cena é a mais iluminada do filme.
Eles parecem felizes, os pássaros cantam e, saindo da barraca, jof
observa a montanha. Sua expressão é de espanto ao ver todos eles, o
ferreiro e lisa, o Cavaleiro, Raval, Jons e Skat, na mais famosa cena do
filme, a Dança da Morte. A imagem do ator se difundi com a da dança.
“Dançam rumo a escuridão e a chuva cai nos seus rostos”, “No céu
tempestuoso”, diz Jof. A trilha impressiona.
“Você e suas fantasias” diz Mia
sorrindo, acredita que tudo não passa da imaginação de Jof. Eles vão
embora por uma trilha da encosta, os pássaros voltam a cantar e a música
agora transmite paz e alegria.
Essa cena foi feita com muita
improvisação, tão em cima da hora que um dos atores (o ferreiro)
precisou de um dublê. As condições do tempo eram perfeitas e Bergman não
precisou repetir a tomada.
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