sábado, 10 de outubro de 2015

Em 12 de abril de 1633, o cientista Galileu Galilei (1564-1642) foi julgado pelo Santo Ofício, a Inquisição romana, para dar explicações a respeito de um livro que havia publicado um ano antes, Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, no qual ele defendia, de forma moderada e bem-humorada, o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico, no qual a Terra e os planetas giravam em torno do sol. A publicação era um longo diálogo entre três personagens: Salviati (que defendia o heliocentrismo), Simplício (que defendia o geocentrismo e era um pouco tolo) e Sagredo (que não tinha opinião formada e que termina por concordar com Salviati). Para bom entendedor, o livro ridicularizava o geocentrismo, que colocava a Terra no centro fixo o universo, baseado na física aristotélica e, acima de tudo, no modelo ptolomaico que melhor se encaixava às Escrituras.

Em 1616, o cardeal Belarmino, inquisidor do Santo Ofício, o mesmo que havia realizado o julgamento do filósofo Giordano Bruno, que acabou queimado vivo na fogueira, havia advertido Galileu que defender as idéias de Copérnico e questionar a representação tradicional do mundo era perigoso. Após longo processo — para os padrões da época –, em 22 de junho, Galileu foi forçado a ficar de joelhos para pronunciar a abjuração de sua doutrina diante da comissão de inquisidores, sob as ordens do Papa Urbano VIII, que era seu amigo. O cientista tinha 69 anos.

Este confronto entre ciência e religião ocorreu em uma sala do convento dominicano de Santa Maria sopra Minerva, em Roma. A Inquisição queria a retratação de Galileu para que o modelo heliocêntrico voltasse a ser uma simples suposição de fundo matemático. Obviamente, mesmo durante a dourada prisão domiciliar a que foi condenado, Galileu permaneceu fiel a suas ideias. Ele veio a falecer em 1642, ano do nascimento de Isaac Newton.
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Detalhes

Décadas antes, o cônego da Igreja Católica, jurista, médico e astrônimo Nicolau Copérnico (1473-1543) já tinha desenvolvido a Teoria Heliocêntrica do Sistema Solar. A Teoria colocava o sol como o centro do sistema, contrariando a então vigente Teoria Geocêntrica. A teoria de Copérnico é considerada uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da astronomia moderna. O heliocentrismo era aceito pela Igreja, mas apenas como uma hipótese.

O papa Urbano VIII — cujo pontificado durou de 1623 até 1644 — não aceitou o pedido de Galileu de revogar um decreto de 1616, emitido pelo Vaticano, contra o heliocentrismo. Foi neste contexto que Galileu escreveu Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo completado em 1630 e publicado em 1632, onde voltou a defender o sistema heliocêntrico.

Amigo de Galileu, craque do jogo político e homem de posições arejadas, Urbano VIII tinha-lhe sugerido escrever um livro em que os dois pontos de vista, o hélio e o geocentrismo, fossem defendidos em igualdade de condições. Estaria assim aberta a possibilidade de levar o heliocentrismo adiante, auxiliando abordagens teológicas mais, digamos, modernas.

Em 1630, com a obra terminada, Galileu viajou a Roma para apresentá-la pessoalmente ao Papa. Este fez uma leitura brevíssima e entregou-a aos censores do Vaticano para avaliar se estava ou não de acordo com o decreto de 1616. Só que os censores não entendiam nada de astronomia e o livro foi publicado sem alterações em 1632. No ano seguinte, Galileu foi declarado suspeito de heresia.
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A pizza

Assim, no dia 12 de abril de 1633, foi iniciado o processo da Inquisição contra Galileu Galilei. Ele não era um prisioneiro comum. Em vez de ocupar uma cela, ficou na hospedaria do palácio do Santo Ofício, uma deferência especialíssima para com um acusado. Também, durante o processo, o comportamento do Papa foi desconcertante: em vez de deixar o inquérito seguir seu curso normal junto ao Santo Ofício, chamou para si a instrução, ocultou as denúncias, traindo o desejo de livrar o autor de algo grave, como o ocorrido com Giordano Bruno.

Galileu vivia numa época em que a Igreja Católica endurecia sua vigilância sobre a doutrina para fazer frente às derrotas que sofria para o protestantismo. Galileu foi condenado a abjurar publicamente as suas ideias e à prisão por tempo indefinido. Seus livros foram incluídos no Index, censurados e proibidos, mas seguiram publicados nos Países Baixos, onde o protestantismo tinha já substituído o catolicismo, o que havia tornado a região livre da censura do Santo Ofício. Aliás, Galileu havia escolhido precisamente a Holanda para executar uma experiência com um telescópio que anteriormente construíra.

Reza a lenda que, ao sair do tribunal, após a condenação, ele teria dito a frase célebre: “Eppur si muove!”, ou seja, “Todavia, ela se move”, referindo-se à Terra. Com o auxílio papal, Galileu obteve comutar a pena para prisão domiciliar, primeiro no palácio do embaixador do Grão-duque da Toscana em Roma, depois na casa do arcebispo de Siena e mais tarde na sua própria casa de campo em Arcetri, chamada de “A joia”.

Há muitos equívocos quanto à morte de Galileu, pois não foi ele o cientista queimado vivo por sua concepção astronômica, mas Giordano Bruno (1548-1600) que havia sido condenado à morte por heresia nos tribunais da Inquisição ao defender ideias semelhantes. Galileu Galilei morreu cercado de alunos e de sua filha Maria Celeste. Foi enterrado na Basílica de Santa Cruz em Florença, onde também estão Maquiavel e Michelangelo.
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A oposição ao heliocentrismo e sua aceitação

Lutero julgava que as ideias de Copérnico eram ideias de um louco, coisas que tornavam confusa a astronomia. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante da Universidade de Estrasburgo afirmou que o heliocentrismo estava em contradição com as Sagradas Escrituras. Em 1679, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Ainda no século XVIII, a oposição luterana contra o sistema de Copérnico era forte: em 1744, o pastor Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava energicamente que a teoria do heliocentrismo era uma abominável invenção do diabo.

No decorrer dos séculos, a Igreja Católica reviu as suas posições no confronto com Galileu. Houve nova distensão na interpretação das Sagradas Escrituras. Em 1846 — mais de duzentos anos depois — , foram retiradas todas as obras que apoiavam o sistema de Copérnico do Index Librorum Prohibitorum. E, depois de mais de trezentos anos de sua condenação, foi iniciada a revisão do processo contra Galileu. Sua absolvição foi decidida apenas em 1983.

No ano 2000, o Papa João Paulo II emitiu finalmente um pedido formal de desculpas por todos os erros cometidos pela Igreja Católica nos últimos 2000 anos, incluindo o julgamento de Galileu Galilei pela Inquisição.

 Publicado no Sul21 em 12 de abril de 2015
Fonte e créditos aqui

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