Cai, como antigamente, das estrelas
um frio que se espalha na cidade.
Não é noite nem dia, é o tempo ardente
da memória das coisas sem
idade
O que sonhei cabe nas tuas mãos
gastas a tecer melancolia:
um país
crescendo em liberdade,
entre medas de trigo e alegria.
Porém a morte passeia nos quartos,
ronda as esquinas, entra nos navios,
o seu olhar é verde, o seu vestido branco,
cheiram a cinza os seus dedos
frios.
Entre um céu sem cor e montes de carvão
o ardor das estações cai
apodrecido;
os mastros e as casas escorrem sombra,
só o sangue brilha
endurecido.
Não é verdade tanta loja de perfumes,
não é verdade tanta rosa decepada,
tanta ponte de fumo, tanta roupa escura,
tanto relógio, tanta pomba
assassinada.
Não quero para mim tanto veneno,
tanta madrugada varrida pelo gelo
nem olhos pintados onde morre o dia,
nem beijos de lágrimas no meu
cabelo.
Amanhece.
Um galo risca o silêncio
desenhando o teu rosto nos
telhados.
Eu falo do jardim onde começa
Um dia claro de amantes
enlaçados.
José Fontinhas, ou Eugénio de Andrade
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