segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Carta ao escritor Paulo Abrantes


Houve um tempo em que nem mesmo a escassez material, que era comum as nossas famílias, era motivo fazer de nós pessoas infelizes. Isto por que a felicidade nunca vem embalada em papel de presentes, daí as pessoas que esperam que ela assim venha, acabam por jogar fora as coisas boas da vida ao a avaliarem pela embalagem.

Era um tempo em que as coisas eram bem mais fáceis, mesmo por que podíamos sempre contar com a presença dos nossos pais, na nossa volta para casa, depois do nosso cansativo dia “de não fazer nada nas ruas de Pombal”, mergulhando nas ingazeiras do rio ou roubando frutas em alguma roça entre as que margeavam o velho Piancó.

Quem diria que ser feliz era soltar pipa, brincar de carrinho de lata, rodar pinhão com ponteira e tudo feito por nós mesmo?

Naquele tempo não havia a necessidade de saber o valor das coisas, se não as tangíveis: estas, essenciais ao nosso dia a dia e, por tanto, invisíveis aos olhos dos adultos. Como mensurar, por exemplo, o valor de um banho de chuva nas bicas da Rua Nova, Rua do Comércio ou Rua João Pessoa? Como mensurar o valor de assistir ao circo se aventurando pelos buracos da cerca, ou vender gibis nas portas de um cinema do interior como o da nossa infância? Que valor pode se dá a uma tarde futebolística no Avelozsão? Ou você venderia o prazer de encontrar um tio, uma avó ou um padrinho nas ruas da sua cidade e tomar a benção, mesmo não sabendo o que é bem tomar a benção?

Houve um tempo, meu caro Paulo, em que nossas professoras atendiam por nomes de Dona Neusa, Dona Cessa, dona Mirinha e muitas outras que a memória, agora vindo em relampejos, me trai as lembranças. Sei que umas eram louras, como dona Eliane, com seus um metro e setenta e cinco de altura e cabelos escorridos até cintura, ao ponto de nos desconcentrar nas aulas de leituras. Trazia nos lábios o sorriso de Jane das Selva, das matinês de Tarzan. Lembro-me dela, nas tardes de chuvas torrenciais, me pedindo para ir até a sua casa, ali na Rua Nova, pegar um guarda chuva, o que eu fazia com o mesmo entusiasmo do superman quando, ao final do gibi, era recebido por Loise Lane, ao ter salvo o mundo mais uma vez das garras do Curinga.

Outras eram morenas, como sua irmã, dona Ione, que passava as mãos em minha cabeça e dizia para eu cortar os cabelos, livrando “pelo menos os olhos desta franja que lhe toma a visão”, zombado do meu corte militar. Dona Bruna ou negra Bruna, arrastava seu corpão por entre as carteiras, com uma régua ameaçadora nas mãos, mas, só era ameaça: Sempre abria um riso de mãe a nos ajudar na interpretação dos textos que vinham em livros coloridos, onde as gravuras nos levavam á mundos distantes e imaginários e que pensávamos nunca alcançá-los. Um mundo de fantasias, que imaginávamos tão distantes, mas, olhando hoje, vejo que era na verdade o mundo em que vivíamos retratado nas páginas dos livros infantis, lido em salas de aulas pelas nossas amadas alfabetizadoras.

Éramos reis, éramos heróis e, quem sabe, muitas das vezes chegamos a tempo de fazer o desvio do trem para salvar a mocinha e ainda esperar os aplausos.

Tempo em que se ouviam nas madrugadas, de Pombal solitários e apaixonados cantores, dedilhando modinhas nas janelas da Rua de Baixo, Rua dos Roques e Jerônimo Rosado, fazendo dueto com os cães que latiam a cada nota solta ao vento frio que vinha da serra do Acari.

Musicas gravadas em fita cassete, rebobinada várias vezes nas mãos da menina apaixonada que tentava entender tão triste melodia, tirando da li trechos que comporia a carta apaixonada, deixando-a, mais tarde, por baixo da porta do seu amor secreto, que só tinha ouvidos para as letras de Chico Buarque de Holanda e Geraldo Vandré.

Da TV tupi, com o Almirante Nelson em Viagem ao fundo mar, as Cavalarias que massacravam os índios no Cine Lux. Do homem da Cruz que entrava na cidade arrastando seu sofrimento, sua fé sua ignorância, ao vendedor de doces que troca um bom bocado por uma garrafa vazia. Tudo era motivo, um bom motivo para ser feliz, mesmo por que sabíamos que, ao voltarmos para casa a mesa estaria posta e, por não sabermos o que sabemos hoje, por não exigirmos dos nossos pais o que os filhos exigem hoje, não fazíamos idéia que, em alguma mesa em nossa cidade, alguém, alguma família tinha uma mesa mais farta do que a nossa, e isso nos fazia feliz.

A fartura que se tinha era de presença, de família, de vizinhos entrando casa a dentro, falando em voz alta e, sem pedir permissão, indo até a cozinha, pegando o prato e se servindo.

Houve, Paulo Abrantes, esse tempo e nós fizemos parte dele. Mesmo quê sua geração e seus amigos das ruas de Pombal sejam um pouco anterior a minha, o cenário das nossas histórias são os mesmo. Por isso eu estou nas suas e você está nas minhas vivências pelas ruas da nossa Pombal e não vai ser uma demolição que vai tirar isso de nós.

Espera-se que o tempo, esse professor, ensine as novas gerações as lições de vida que tivemos: Pena é que o tempo é um professor implacável e costuma matar seus alunos antes da colação de grau..


Jerdivan Nobrega de Araújo

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