sexta-feira, 27 de novembro de 2020

ALICE VIEIRA, in O QUE DÓI ÀS AVES (Caminho, 2009)


Já nem silêncios nos restam
De tudo o que antigamente nos sobrava
Das madrugadas limpas
Onde o canto das aves nos ensinava
O caminho de casa

Hoje os teus olhos perderam-se pelas ameaças da noite
E sei que só eu espero ainda o milagre
De um gesto perfeito (outros dirão perdido)
Que traga de volta à minha pele as marcas do suor
Com que falavas de mim como de um país
A que irias sempre regressar

- mas isso era no tempo em que
Ainda guardavas na algibeira as palavras da infância
Com que entraras um dia no meu corpo e na minha vida

E tudo tinha o destino tranquilo
De uma criança a atirar pedras à lua

Escultura de ©Philippe Faraut

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