O Mestre e Margarida é um dos melhores livros que já li. Então, é natural que persiga outros livros de Bulgákov. Este Anotações de um jovem médico reúne
trabalhos da juventude do escritor. Algumas das histórias foram
publicadas numa revista de medicina — Bulgákov foi também médico — e
falam da época em que ele foi mandado para ser o único médico numa
gelada comunidade rural da Rússia.
Há um pouco do humor do escritor maduro,
mas o que chama a atenção é o tremendo realismo e poder de observação
presentes no texto. Além disso, o texto de Bulgákov nos envolve
totalmente. Enviado para assumir um posto como clínico geral em um
hospital isolado da civilização, ele é, à princípio, um médico 100%
inseguro. O hospital é bem provido materialmente, mas o novo médico não
sabe como utilizar boa parte do que tem… E ele lidera uma pequena equipe
que conta com um enfermeiro-dentista e duas parteiras-obstetras,
acostumados com a liderança de seu antecessor, um médico velho e
experiente. Há momentos em que o jovem doutor volta até sua casa para
dar uma olhada em seus livros de medicina… Mas ele começa a trabalhar
adequadamente, a salvar vidas, sua fama se solidifica e ele passa a
atender mais de 100 pacientes por dia. Está sempre exausto. Se você já
exerceu um trabalho de grande responsabilidade irá sentir empatia pelo
jovem. A ansiedade é muito bem descrita.
Os contos não têm uma ligação
cronológica rígida e retratam os episódios mais notáveis da temporada
glacial do jovem doutor. Da parte dele, há sincera preocupação pelos
pacientes, que costumam ser muito desinformados, chegando um deles a
receber comprimidos para tomar um por dia, mas que acaba tomando todos
de uma vez porque com esse negócio de um por dia ele poderia esquecer de
tomá-los.
O livro também traz o famoso relato Morfina, que narra a história do vício em morfina do Dr. Poliakov, um colega do protagonista de Anotações
— que vai receber o nome de Dr. Bomgard. Poliakov substitui Bomgard no
hospital isolado. Usando a morfina uma vez para amenizar uma dor física,
ele percebe que esta também lhe amenizava os problemas pessoais e
renovava sua capacidade de trabalho. A partir daí, já viram… O conto é
muito realista e doloroso.
Morfina é também
autobiográfico. Bulgákov foi viciado em morfina em sua juventude, e sua
primeira esposa, Tatiana Lappa, foi de extrema importância para ajudá-lo
a superar a dependência. Ela é considerada o modelo para a personagem
Anna, de Morfina, do mesmo modo que a terceira esposa de Bulgákov, Elena, serviu de base para a Margarida de seu maior romance.
Mas há também o conto Eu matei,
que traz a aventura de um médico forçado a servir o exército de
Petliura, líder nacionalista ucraniano que colaborou com as tropas
alemãs durante a Primeira Guerra Mundial, resistindo aos bolcheviques
durante a Revolução de 1917.
Excelente! Recomendo!
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