sexta-feira, 26 de junho de 2020

Anotações de um jovem médico, de Mikhail Bulgákov

O Mestre e Margarida é um dos melhores livros que já li. Então, é natural que persiga outros livros de Bulgákov. Este Anotações de um jovem médico reúne trabalhos da juventude do escritor. Algumas das histórias foram publicadas numa revista de medicina — Bulgákov foi também médico — e falam da época em que ele foi mandado para ser o único médico numa gelada comunidade rural da Rússia. 

Há um pouco do humor do escritor maduro, mas o que chama a atenção é o tremendo realismo e poder de observação presentes no texto. Além disso, o texto de Bulgákov nos envolve totalmente. Enviado para assumir um posto como clínico geral em um hospital isolado da civilização, ele é, à princípio, um médico 100% inseguro. O hospital é bem provido materialmente, mas o novo médico não sabe como utilizar boa parte do que tem… E ele lidera uma pequena equipe que conta com um enfermeiro-dentista e duas parteiras-obstetras, acostumados com a liderança de seu antecessor, um médico velho e experiente. Há momentos em que o jovem doutor volta até sua casa para dar uma olhada em seus livros de medicina… Mas ele começa a trabalhar adequadamente, a salvar vidas, sua fama se solidifica e ele passa a atender mais de 100 pacientes por dia. Está sempre exausto. Se você já exerceu um trabalho de grande responsabilidade irá sentir empatia pelo jovem. A ansiedade é muito bem descrita.

Os contos não têm uma ligação cronológica rígida e retratam os episódios mais notáveis da temporada glacial do jovem doutor. Da parte dele, há sincera preocupação pelos pacientes, que costumam ser muito desinformados, chegando um deles a receber comprimidos para tomar um por dia, mas que acaba tomando todos de uma vez porque com esse negócio de um por dia ele poderia esquecer de tomá-los.

O livro também traz o famoso relato Morfina, que narra a história do vício em morfina do Dr. Poliakov, um colega do protagonista de Anotações — que vai receber o nome de Dr. Bomgard. Poliakov substitui Bomgard no hospital isolado. Usando a morfina uma vez para amenizar uma dor física, ele percebe que esta também lhe amenizava os problemas pessoais e renovava sua capacidade de trabalho. A partir daí, já viram… O conto é muito realista e doloroso.

Morfina é também autobiográfico. Bulgákov foi viciado em morfina em sua juventude, e sua primeira esposa, Tatiana Lappa, foi de extrema importância para ajudá-lo a superar a dependência. Ela é considerada o modelo para a personagem Anna, de Morfina, do mesmo modo que a terceira esposa de Bulgákov, Elena, serviu de base para a Margarida de seu maior romance.

Mas há também o conto Eu matei, que traz a aventura de um médico forçado a servir o exército de Petliura, líder nacionalista ucraniano que colaborou com as tropas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial, resistindo aos bolcheviques durante a Revolução de 1917.

Excelente! Recomendo!
Mikhail Bulgákov
 
 
Do blog do Milton Ribeiro 

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