sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O homem apontou a mão em direção ao meu táxi segurando um latão de cerveja. A mão que lhe restara - não tinha o braço direito. Vestia uma camiseta com propaganda de supermercado, um boné surrado e jeans sujos. Humilde e visivelmente alcoolizado. Perguntou se poderia embarcar com a cerveja. Vila Cruzeiro. Vambora.
Recusou a ajuda para puxar o cinto. Contou que perdeu o braço em um acidente de moto e que segue "sentindo" o membro amputado como se ele tivesse sendo diariamente arrancado. Disse que sobrevive à base de doses cavalares de morfina e álcool.
Enquanto descíamos em direção à vila, ele puxou o dinheiro pra pagar a corrida. Reclamou que o banco não tinha notas grandes. Quatro mil em notas de vinte. Uma mascada enorme presa por um elástico. Separou uma nota e deixou o resto espalhado no colo. Bebeu o resto da cerveja e jogou o latão pela janela.
- Me larga no QG da costela.
- QG da costela?
- Não conhece o QG da costela, taxista?
- Bah, não conheço.
- Os taxistas comem direto alí, melhor churrasco da Cruzeiro. Vou tomar mais um gelo antes de ir pra casa.
Em frente ao QG da costela, ele pegou o troco da corrida, juntou à mascada maior e tentou desembarcar. Esqueceu de desatar o cinto, se atrapalhou, deixou o dinheiro cair, metade no assoalho do táxi, metade na rua! Um pessoal que bebia do lado de fora do QG da costela, que parecia conhecer o meu cliente, veio em seu socorro. Por sorte o chão estava molhado pela chuva, o dinheiro colado no chão, o pessoal do QG ajudando a juntar a grana, todos já meio no trago, meu passageiro catando as notas de 20 com a mão esquerda, pisando nas que saíram pra rua, um sufoco!
Parece mesmo que Deus protege os loucos e os bêbados. Depois de socar a massaroca de dinheiro no bolso, meu cliente saudou seus amigos de braço aberto. Prometeu pagar a rodada. A camaradagem talvez lhe atenue a dor do membro perdido.
 
Mauro Castro 

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