María Ileana Faguaga Iglesias, historiadora cubana refugiada no Brasil, é retratada na pensão onde mora, em São Paulo
HAVANA - A historiadora e jornalista cubana María Ileana Faguaga
Iglesias, 54, chegou ao Brasil em 2013 para um seminário e nunca mais
voltou. Há um mês, a professora universitária que disse ter sido
perseguida em seu país recebeu o status de refugiada para permanecer em
São Paulo.
"Meu pai foi
da geração que fez a revolução, esteve na Sierra Maestra, foi
combatente na clandestinidade, militar toda a vida. Mas ele era um
elemento crítico dentro da revolução, até porque para ele isso era ser
revolucionário.
Nas
críticas, ele poupava sempre Fidel Castro, mas era crítico com a
corrupção. Ele nunca se corrompeu, e, por isso, pagou caro. Foi essa a
educação que eu recebi.
Ele não
subiu no regime e foi forçado a se aposentar muito novo, com 49 anos.
Seu salário foi reduzido a um terço. Então eu sempre tive uma voz
crítica, pois cresci percebendo isso como normal, como fazer a
revolução.
Só que,
claro, você vai percebendo como vai sendo posta cada vez mais no canto.
Isso começou a ser muito visível na faculdade de história, onde tive
problemas como uma voz contestadora. Quando terminei a faculdade, nunca
tive serviço no governo, em uma época em que absolutamente tudo era
estatizado e você não tinha outra possibilidade.
Até para os
meios jornalísticos internacionais para os quais trabalhei --a
[italiana] Ansa, a [francesa] AFP, a Rádio Monitor, do México, a Rádio
Única, rádio hispânica dos EUA -- eu nunca consegui ser cadastrada pelo
governo.
Trabalhei
com jornalismo desde a faculdade até deixar Cuba. Em 2005, comecei a
lecionar história na Universidade de Havana e sempre me dediquei às
relações inter-raciais, sexo e saúde, gênero.
Fui diretamente assediada pela polícia política a ponto de estragar meu casamento, de ter que sair da minha casa.
Meu
ex-marido ficou com muito medo quando a polícia fechou o cerco sobre
mim. Ele teve a consciência, antes de mim, de que qualquer coisa poderia
me acontecer. Em Cuba, tem mortes muito esquisitas. Até de cubanos
críticos do governo no exterior.
Então ele começou a tentar me frear, e eu achei absurdas as colocações dele. Estávamos juntos havia mais de 20 anos.
Fui então
morar com minha mãe, que vive num prédio antigo de três andares, sem
elevador. A polícia política se aproximou um dia para me dizer que eu
não seria morta, mas que eles iam me deixar paraplégica para ver se meus
amigos, negros, com quem eu estava colaborando contra o racismo em
Cuba, iam me carregar até em cima.
Às vezes
minha mãe falava: você não vai sair hoje, tem um pessoal muito esquisito
na porta. Às vezes eu saia e alguém me seguia, sempre um homem, com
roupa normal, com telefone celular, dizendo: 'sim, é ela, sim, está com
essa roupa, eu vou com ela'.
Muitas
vezes, quando ia a palestras, a polícia política não me deixava entrar.
Sempre me chamavam de 'doutora' e falavam que eu tinha que voltar para
casa.
Percebi que tinha que sair de Cuba quando voltei de uma viagem aos EUA, em 2012, porque as coisas foram piorando.
Meu
ex-marido e minha mãe consideravam que eu não devia estar em Cuba. Eles
tinham medo de que alguma coisa acontecesse comigo: eu ser levada à
prisão e não sobreviver, ou me forçarem a me suicidar, ou ser morta na
rua.
Eu cheguei
ao Brasil com um visto de turista por um mês que podia ser prorrogado
por mais cinco. Pensei: vou ficar esses seis meses para me recuperar
psicologicamente, tentar estudar e trabalhar, para tentar ajudar a
família.
Na Polícia
Federal me disseram que não iam prorrogar meu visto sem dar explicação.
Então eu entrei com um pedido de refúgio, porque eu tinha um motivo
político forte para estar fora do meu país.
Estou hoje
como professora de espanhol, mas se recebe muito pouco, não se consegue
viver com isso. Às vezes faço tradução. Agora comecei a trabalhar neste
escritório, no departamento de vendas de uma empresa que comercializa
temperos e especiarias.
Só
voltaria para Cuba se pudesse realmente ter participação social, se
conseguisse ter uma estrutura de sobrevivência para mim e para minha
família. E isso hoje não vai acontecer.
Miguel
Díaz-Canel é um homem que não se desvia nem um milímetro da atitude
ideológica de Raúl Castro. Até a linguagem dele é de Guerra Fria.
O que vai mudar com ele? Tenho 54 anos, ele é mais velho [58], e ainda o vendem como jovem, novo revolucionário. Todo mundo quer ver democracia onde não há, pois assim teríamos, internacionalmente, um problema a menos."
Isabel Fleck, Folha de São Paulo
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