terça-feira, 7 de abril de 2015

Matadouro

Barrabás, por outro lado, ficou para contar a história, provando que o sistema jurídico tem problemas desde que o mundo é mundo
Parte I – O boi
Cobra-se 50 reais por boi.
Em Caruaru o preço é melhor, dizem, chega a 75 por cabeça.
O dono entrega o boi vivo e mugindo, recebe morto e dividido em duas partes. Junto das partes vai o saco com tudo que vinha dentro do boi: bucho, fígado, miolo, mocotó, vísceras. Se aproveita tudo. Dizem que, se na hora ele berrar, colocam o berro numa garrafa pra fazer buzina.
O boi entra, leva uma marretada na cabeça. Se der sorte, morre na primeira, se não, tenta-se de novo.
Mata-se cerca de 100 bois por dia, mas nas sexta, são mais de 200. Pois é juntamente nos sábados que terraços, varandas gourmets e lajes inundam-se com o cheiro da picanha na brasa.
Tristeza para uns, água na boca para outros.
Desde o princípio dos tempos.
Parte II – O homem
Cobra-se 788,00 por mês.
Nos Estados Unidos o preço, dizem, é melhor, pagam até 1.200,00 pelo trabalho braçal.
A favela entrega o homem vivo, e recebe, no fim do dia, morto. Não de morte morrida, mas a morte da dignidade e, quase sempre, da esperança na humanidade. O homem varreu o chão ou limpou a varanda gourmet (que vai receber o churrasco) ou vigiou a casa ou levantou paredes dos prédios que ele nunca vai morar.
Mata-se cerca de 60% de brasileiros, por dia, com um salário que não sobra para comprar nem uma maminha no final de semana.
Uns comem os churrasco, outros preparam a churrasqueira, carregam o carvão e limpam os eventuais vômitos das meninas que nunca sabem combinar farofa, molho vinagrete e vodka.
Picanha para uns (poucos), pano de chão para outros.
Desde o princípio dos tempos.
Parte III – O filho de Deus
Pagaram 30 dinheiros pelo judeu da Galileia.
Em Nazaré, dizem, pagariam melhor, mas em Jerusalém já tinha crise.
Deus, se existe, entregou seu filho único vivo, mas o recebeu morto e crucificado.
Barrabás, por outro lado, ficou para contar a história, provando que o sistema jurídico tem problemas desde que o mundo é mundo.
Os homens de hoje que acreditam ter sido Jesus o Messias, rezam, com muita fé e pouca prova científica, para que os homens que comem o churrasco nos decks das piscinas ou em varandas gourmets  tenham mais compaixão e menos ganância. Os homens nos terraços, lajes e varandas gourmets, no entanto, se preocupam, em sua maioria, apenas com que pedaço do boi que, abatido pela marretada na cabeça, vão comer em seguida.
E tem sido assim, desde o começo dos tempos.
Teta BarbosaDo Blog do Noblat

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