quarta-feira, 29 de abril de 2015

A carência retórica

Uma coisa que me inquieta nas discussões das redes sociais e nos comentários de websaites é a imensa truculência, grosseria e estupidez com que as pessoas se exprimem quando estão discutindo algo que as incomoda. A Internet levantou o tapete do Brasil e nos mostrou o que estava oculto há muitas gerações. A liberdade de “dizer o que bem entender” tem sido usada por essas pessoas para insultar e agredir verbalmente qualquer bode expiatório que passar pela sua frente. E não venham me dizer que é a “Direita hidrófoba” que faz essas coisas. É todo mundo, de um extremo ao outro, e principalmente nos dois extremos.

Vou deixar de lado os que são meio psicopatas, os que aceleram o carro pra cima de uma passeata, os que se desentendem numa fila e daí a pouco matam um desconhecido com seis tiros, os que se juntam para linchar uma pessoa que foi confundida com outra. São pessoas em ebulição permanente, a ponto de explodir, e para elas tudo é pretexto. Casos perdidos, e não é neles que penso. Penso nas pessoas que não são assim (entre as quais amigos, conhecidos meus) e que “do nada” produzem frases de uma violência e um teor ofensivo que... não vou dizer que me assustam, porque não me assusto com nada, e em matéria de violência verbal sou capaz de entestar com qualquer um. Mas não creio que a “indignação cívica” baste para justificar não apenas as coisas que são ditas, mas o vocabulário rasteiro, brutal com que são ditas.

Por que o fazem? Chamo isso de carência retórica. Pessoas que precisam exteriorizar um sentimento muito intenso que brota numa região primitiva, pré-verbal. Tive um amigo que era o entusiasmo em pessoa, era um tipo como Maiakóvski (“sou coração dos pés à cabeça”). Chegava com um livro e dizia: “Esse livro é a coisa mais absolutamente genial e sensacionalmente maravilhosa que eu já vi em toda minha vida”. Dizia variantes disso, dez vezes por dia, com dez coisas diferentes. Eu dizia: “Rapaz, por que tu não inventa um elogio que prescinda de hipérboles?” (eu falava assim aos 18 anos).

Somente entusiasmos desse tipo, só que de repulsa, justificam expressões como as que a gente vê nas redes sociais, escritas por gente que sabemos educadas, por gente que sabemos terem bons sentimentos e bom caráter (coisas que têm apenas um pouco a ver com opções políticas), mas que parecem estar sempre de palavrão em riste para desferi-lo na direção de um político, um artista, uma pessoa que saiu no jornal devido a um acontecimento qualquer. Essa carência retórica mostra acima de tudo que o que o indivíduo diz passou por longe de sua consciência. Brota direto do lugar onde alguém lhe cravou os implantes mentais.

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

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