“Ao ler livros como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, eu reconheci que havia mentes muito privilegiadas sobre as quais eu poderia pensar, discorrer e me aprofundar, mas eu não faria a mesma coisa. Então tive que achar um nicho na humanidade, que foi ser professor: cabe ao grande intelectual, ou seja, alguém do mesmo porte de Clarice Lispector, criar ideias, e cabe a um professor ensiná-las. E por intelectual estou me referindo a pessoas que um dia olham para o espaço sideral e têm aquela intuição que, entre 1906 e 1907, Pablo Picasso teve ao pintar Les Demoiselles d’Avignon, criando então o cubismo como linguagem, que olham para algumas gravuras japonesas e criam uma explosão de pinturas, como Vincent Van Gogh fez entre 1889 e 1890.
Para me consolar em relação ao meu estágio intermediário de inteligência eu pensei: ‘Van Gogh se matou. Clarice Lispector era uma pessoa atormentadíssima, segundo sua biografia feita por Benjamin Moser, pois, dotada de sua capacidade de visão, ela tinha uma dificuldade extrema de convívio com as pessoas, já que, para conviver bem com as pessoas, é necessário estar mais ou menos no mesmo plano civilizacional que elas.’ Por isso as pessoas simples são muito sociáveis; estas pessoas ficam muito felizes com experiências singelas de conversas.
Não é um conselho, mas uma advertência: à medida que vocês forem lendo mais e mais vocês vão ficando mais exigentes com as pessoas. Orações absolutas como ‘Tá quente hoje, né? O tempo tá maluco! E na política só tem ladrão!’ enunciam o mundo como ele é. Mas à medida que eu leio Coração das Trevas, de Joseph Conrad, eu acabo me lembrando do filme, inspirado nesse livro, Apocalypse Now, e minha cabeça dá dez voltas enquanto alguém me diz: ‘Nossa! Que calor!’ Isso me torna mais feliz? Provavelmente não.
Intelectuais e pessoas muito versadas raramente são muito felizes. A universidade não é um local de felicidade intensa – uma reunião de departamento não é uma reunião de pessoas que flutuam no espaço das ideias, iluminadas pela luz da razão. Uma reunião de qualquer departamento é quase sempre idêntica a uma reunião de pessoas não formadas, só variando o vocabulário. O ressentimento, a inveja, a fofoca e a detração são iguais entre pessoas que vendem balas no mercado de Porto Alegre e entre pessoas que estão nos departamentos, especialmente nos da área de humanas”.
As pessoas simples são mais sociáveis, enquanto as que se aprofundam na cultura e conhecimento acabam por se distanciar dos demais e acabam vivendo sozinhos, pois constroem uma visão de mundo muitas vezes pouco compartilhada com os outros.
Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.
Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo, Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.
Redação Provocações Filosóficas
Nenhum comentário:
Postar um comentário