quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A emboscada de Água Branca

O tampo da cabeça do feiticeiro voou longe como se fosse uma rolha de garrafa atirada pela pressão, levando com ele um monte de miolos e sangue. O corpo do desgraçado caiu batendo na lama, endoidecido, derramando o resto de cérebro na água barrenta da chuva. Marcolino nunca errara um tiro de rifle daquela distância e acertou na mosca, derrubando o fechador de corpos diante do olhar espantado dos soldados sob sua proteção.

Olhar de espanto que de logo foi transformado em medo, terror e desespero com a chuva de chumbo quente derramada sobre eles dos dois lados da estrada. Parecia que o inferno tinha subido das profundas e chegado a Água Branca com todos os seus diabos e assessores. Soldado caía morto feito manga madura caindo do pé. O tenente Agripino não teve nem tempo para dar ordens aos comandados, porque morreu abraçado ao feiticeiro. E também morreram sargentos, cabos e soldados. No meio do tiroteio, uma explosão ensurdecedora estremeceu o chão e fez subir para o céu um tutano de fumaça de mil chaminés. Era o caminhão de balas e bombas que acabava de ser destruído pelos cabras de Marcolino, levando para o espaço as esperanças de vitória da tropa do Governo. 

A mortandade foi grande. O caminhão que explodiu transportava nove soldados, sendo todos eles encontrados despedaçados mais tarde, quando se fez a contagem dos estragos da luta.  O segundo caminhão, carregado de charque, farinha, feijão e gasolina, ficou parado numa ribanceira porque o chofer, um sargento que o comandava e três soldados morreram nos primeiros tiros. Esse caminhão foi de logo incendiado pelos homens de Zé Pereira.

Dos 12 caminhões que compunham a expedição, cinco foram incendiados, quatro saíram em disparada para a fronteira de Pernambuco e os três últimos, que formavam a rabeira da expedição, recuaram rumo a Teixeira, conseguindo escapar.

Cessado o tiroteio, os homens de José Pereira deram batidas no mato e encontraram inúmeros soldados mortos e feridos, que foram abandonados, entre eles o médico da coluna que estava todo rasgado e tremendo que só vara verde. Marcolino encorajou-o, tratou dele e quando viu que estava em condições de andar, mandou-o de volta aos seus companheiros em Teixeira.

Nessa emboscada morreram 70 soldados e 60 ficaram feridos. Do lado de Zé Pereira, um saiu ferido e dois desapareceram. A emboscada ainda rendeu a apreensão de 72 fuzis e 20 mil balas.

Marcolino voltava com a vitória e os despojos de guerra para Princesa, mas deparou-se com uma força policial que vinha em socorro dos emboscados. O encontro se deu próximo a Fazenda Glória e houve tiroteio, onde morreram quatro cabras do coronel e 13 da polícia. Dali Marcolino finalmente regressou a Princesa, levando na bagagem nove prisioneiros, entre eles um cabo.(do meu livro “A Guerra de Princesa.”

Tião Lucena
Do blog do Tião 

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