(Norman Rockwell, Looking out to sea, 1919)
Numa entrevista
concedida a Edla Van Steen (incluída em Da Preguiça como Método de Trabalho,
1987) Mario Quintana dizia: “O que de melhor e de pior se publica atualmente
nos Estados Unidos são as novelas de ficção científica. Entre elas, descobri as
de um grande poeta, Ray Bradbury. É dessas obras que a gente gostaria de ter
escrito.”
Um elogio assim
talvez baste para justificar minha tentativa de aproximação entre os dois
escritores, que de fato têm muita coisa em comum. Bradbury é chamado por muitos
“o poeta da FC” pela sua prosa rica de metáforas, o olhar lúdico com que
descobre ângulos imprevistos em qualquer coisa, sua insistente fascinação com a
infância. Sua obra lembra (mais do que a de Garcia Márquez) a frase de Garcia
Márquez quando dizia: “Meu avô me contava histórias. Morreu quando eu tinha
oito anos. Nunca mais aconteceu nada interessante em minha vida”.
Quintana
(1906-1994) não tinha fôlego de ficcionista. Era bom prosador, como provam suas
numerosas crônicas, suas ótimas traduções (Proust, Balzac, Virginia Woolf,
Voltaire, Fredric Brown, etc), seus numerosos “fragmentos de almanaque”, uma
forma específica que ele cultivou intensamente ao longo da obra. Sua aparente
ingenuidade de menino tem muitos pontos em contato com Bradbury (1920-2012),
inclusive numa certa rejeição aos aspectos mais invasivos da tecnologia. Ambos
tinham fascínio por outros planetas, mas não por espaçonaves. Pelas perguntas
da ciência, não por suas respostas.
Quintana dedicou
ao norte-americano um poema (“Ray Bradbury”) em Esconderijos do Tempo (1980),
dizendo que foi ele “o primeiro que, depois da infância, conseguiu encantar-me
com suas histórias mágicas”. Fala (numa enumeração nostálgica que provavelmente
deixaria Bradbury coçando a cabeça meio perplexo) no Menino Jesus, nas
princesas, nos reis “heráldicos como cartas de jogar”, em São Jorge, em Dom
Quixote, e depois finaliza:
“Todo esse
encantamento de uma idade perdida / Ray Bradbury o transportou para a Idade
Estelar / e os nossos antigos balõezinhos de cor / agora são mundos girando no
ar. / Depois de tantos anos de cínico materialismo / Ray Bradbury é a nossa
segunda vovozinha velha / que nos vai desfiando suas histórias à beira do
abismo / -- e nos enche de susto, esperança e amor.”
Não sei até que
ponto o autor de O País de Outubro se agradaria em ser chamado de “Old
Grandma”, mas os dois partilham a mesma sentimentalidade, a recusa ao
materialismo, a lealdade para com o fraco e o pequeno, o humor negro sem
crueldade, o jeito misto de menino e ancião, algo que ambos tiveram
constantemente de uma ponta à outra da vida.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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