Entrada de uma das lojas da
rede de livrarias Foyles, em Londres
A palavra "logoteca" não
está nos dicionários. É um neologismo que significa coleção de palavras e que
proponho aqui como tradução do inglês "philavery", também um vocábulo
inventado.
Acredito que "logoteca"
seja uma daquelas traduções que melhoram o original. "Philavery",
definido como "coleção idiossincrática de palavras raras e
divertidas", foi um termo cunhado sem rigor etimológico pela sogra do
inglês Christopher Foyle.
Um mérito ninguém tira do dono da
tradicional rede de livrarias Foyles: o de inventar um gênero, o glossário
assumidamente afetivo de curiosidades vocabulares. Desde 2007, quando lançou
"Foyle's Philavery", ele tomou conta de um pequeno mas bem-sucedido
nicho editorial que já lhe rendeu outros dois títulos.
Esbarrei em "Foyle's
Philavery" por acaso em Londres, anos atrás. Edição bonitinha, capa dura,
formato pequeno, é um daqueles livros feitos para dar de presente que as
livrarias, de olho em compras de impulso, costumam exibir ao lado do caixa.
Funcionou comigo.
Se a ideia é boa, acho que a
realização não ficou à sua altura. Está certo que, para um inglês, as palavras
de origem latina que nos soam familiares tendem a ser as mais difíceis, mas é
decepcionante encontrar num livro dedicado a vocábulos incomuns verbetes bobos
como "decrescent", "evanescent" e "ethereous".
Ficou de todo modo o desejo vago de
um dia brincar de logotecário também. A ideia de cultivar palavras raras como
plantas de estufa parece cada vez mais excêntrica. A luta pela linguagem clara,
pela universalização do direito de compreender, é um imperativo da democracia e
vem crescendo mundo afora. Tem o meu apoio entusiasmado.
Acontece que, por isso mesmo, quem
mantém com as riquezas vocabulares de qualquer época uma relação mais gulosa e
sensual pode acabar se sentindo de dieta. Confesso que, como diria Eça de
Queiroz, sou um desses monstros.
Desde que, nos prolegômenos
(introdução) da adolescência, aprendi com Erico Verissimo que é coruscante tudo
aquilo que reluz, dei para desenvolver um gosto talvez meio perverso pela
palavra conspícua (que salta à vista).
A aura hierática (sagrada) que eu
via em termos como "lábil" (escorregadio, instável) me transformou
num funâmbulo (equilibrista, embora eu adore o "sonâmbulo fumante"
sugerido pela minha filha) do léxico, pronto a arriscar uma queda no hermetismo
em busca da pulcritude (beleza, por incrível que pareça).
Convém esclarecer: nunca gostei da
logodedália (afetação da linguagem) e do estilo campanudo (pomposo) da nossa
tradição odorico-paraguaçuense, que o Hino Nacional consubstancia
(materializa).
Gostava –e gosto– é da palavra rara
mas vadia, solta, coruscante, com sua capacidade de furar e encher de ondas
concêntricas um texto, de resto, perfeitamente inconsútil (inteiriço).
Com o tempo fui ficando abispado
(precavido). Aprendi que nada deixa o leitor mais atrabiliário (furioso) do que
a prosápia (vaidade) de quem não descobriu as virtudes da morigeração
(regramento) vocabular.
Tenho minhas recaídas, como se vê.
Culpa de Christopher Foyle. Se –ainda?– não lhe dei o mole de escrever um livro
baseado em seu "Foyle's Philavery", não é outra a inspiração para a
modesta logoteca desta crônica.
Sérgio Rodrigues
(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/2017/06/1896874-uma-colecao-de-gulodices-para-quem-tem-fome-de-palavras.shtml.
Acesso em: 03 julho 2017.)
Sugestão de postagem do amigo Adauto Neto
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