Há de tudo: até padres e coxos atacam nas livrarias portuguesas
A Renault Express não chegou. Foi preciso uma Ford Transit — com uma bagageira que consegue transportar quatro pessoas deitadas — para Antero Braga, ex-administrador da Bertrand, recuperar os livros que o professor disfarçado de cliente fiel lhe roubara durante vinte anos. Um mês depois de a livraria do Chiado ter instalado o sistema de alarmes, este disparou à passagem do insuspeito professor da Escola de Belas Artes,
com conta corrente na loja. Mal sabia Antero Braga que acabaria por
ganhar o dia: quando a caminhonete estacionou à porta, carregada com
mais de mil livros roubados, percebeu que tinha recuperado o dinheiro
investido nos alarmes.
Um milhar de livros roubados nem sequer
chega a ser recorde. Nos anos 70, o mais famoso ladrão entre os
livreiros do Chiado, conseguiu construir uma biblioteca ainda maior: 30 mil volumes. Só precisou de se disfarçar de padre e de uma batina com um forro falso.
As carreiras dos livreiros estão recheadas de flagrantes improváveis: um disfarçado de padre, um padre a sério, um disfarçado de coxo, munido de muletas.
Antero Braga, atual proprietário da
livraria Lello, adianta que por ano são roubados “uma centena de livros”
na livraria portuense. José Pinho, da Ler Devagar, aponta para 20 livros roubados por mês. A Bertrand do Chiado
só num fim-de-semana viu desaparecer 18 exemplares do mesmo livro. A
Almedina suspeita que a taxa de furtos seja semelhante à dos EUA — onde
os roubos representam “1,7% do volume de vendas”. Jaime Bulhosa (Pó dos Livros)
explica a quebra aos leigos dos números: “Por cada livro roubado, tem
de se vender três livros iguais só para cobrir o prejuízo.”
Há os ladrões
profissionais — que roubam para vender –, e os amadores — que roubam um
livrinho por ano — e até os VIP. “É muito comum apanhar figuras
públicas. E o mais vergonhoso ainda é o que roubam. Já vi de tudo, até
as anedotas do Herman”, conta Jaime Bulhosa.
O volume dos livros nem intimida os ladrões. Pelo contrário: os calhamaços até são os preferidos: 2666,
o mais roubado na Bertrand em 2009, tem mais de mil páginas. Na mesma
loja, já roubaram o dicionário Houaiss — três volumes que pesam 11
quilos. A Bíblia — pecado dos pecados — é um dos mais roubados de sempre. José Pinho (Ler Devagar) perseguiu “um ladrão pela baixa de Lisboa durante uma hora”, até dar com os cinco volumes das obras completas de Jorge Luís Borges no caixote do lixo.
Os bestsellers lideram a lista de
roubos. Os livros mais caros também são apetecíveis e os livreiros optam
por tê-los debaixo de olho — atrás ou à frente do balcão. Mas há quem
roube os títulos mais improváveis. Jaime Bulhosa diverte-se a contar no
blogue da Pó dos Livros a sua investigação não finalizada sobre um
misterioso ladrão culto. “Desconfiamos que seja a mesma pessoa, porque
só rouba poesia e música erudita.”
Por Sheila Bastos, no Lagoinha.com
Por Sheila Bastos, no Lagoinha.com
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