sábado, 5 de novembro de 2016

De juizecos a senadorzecos, muitas vezes diminutivo não indica tamanho

O grande craque Zico nasceu Arthur Antunes Coimbra. Franzino, logo virou "Arthurzinho" e, em seguida, "Arthurzico", talvez por influência do pai, português (em alguns casos, as terminações "-zico" e "-zito" são mais comuns em Portugal do que no Brasil). De "Arthurzico" para "Zico" foi um passo, um passico.

Que valor têm aí os diminutivos? Afetivo, obviamente, o que ocorre nesses e em muitos outros casos. No desconcertante poema "Para Sempre", Drummond emprega o diminutivo com forte valor afetivo nesta passagem: "E ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho". Já em "Cidadezinha Qualquer", título de outro dos seus antológicos poemas, Drummond certamente não empregou o diminutivo com valor afetivo em "cidadezinha".

Quem diz "paizinho" ou "mãezinha" decerto não pensa no "tamanho" do pai ou da mãe. Já quem diz "prefeitinho" não parece disposto a grandes elogios ao intendente...

Embora a escola nem sempre trabalhe os diversos valores do diminutivo (o que mais se faz é entupir a garotada de listas e listas de diminutivos), é mais do que sabido que muitas vezes essa flexão não indica propriamente o tamanho.

Vinicius de Moraes tinha o doce hábito de chamar os amigos pelo diminutivo: Tom Jobim era Tonzinho, Carlos Lyra era Carlinhos. E Toquinho, que já era Toquinho, muitas vezes virava "Toco" na voz do nosso mais do que querido "Poetinha"...





Já citado, o caso de "prefeitinho" é evidentemente depreciativo, o que não é "privilégio" das terminações "-inho" e "-zinho". Em "namorico" e "padreco", por exemplo, o diminutivo também é depreciativo, mas o tom de cada um dos exemplos tem a sua particularidade: nos dois casos, o diminutivo indica a noção de algo sem muita importância, mas, salvo engano, em "padreco" esse matiz parece um tanto mais forte.

Há também os diminutivos dos quais se perdeu a noção dessa flexão. Quem é que hoje em dia diz "fascículo" pensando ou sabendo que isso é o diminutivo erudito de "feixe"? Talvez essa noção se reavivasse se soubéssemos que "feixe" vem de "fascis", do latim, o mesmo elemento que dá origem a "fascismo", nome de uma amaldiçoada ideologia nascida na Itália e ainda incensada e praticada por muita gente mundo afora, a começar pelo Brasil.

O fascismo foi assim batizado porque o oficial (chamado "lictor", palavra oxítona) que seguia ou precedia os magistrados romanos empunhava um feixe de varas. Esse feixe simbolizava a força do Estado, que, como se sabe, é absoluto em TODOS os regimes totalitários.

Pois é, caro leitor. O diminutivo tem inúmeras e variadas cores, muitos matizes, aspectos, etc., etc., etc. Às vezes, com um só diminutivo consegue-se atingir não só um cidadão, mas todos os cidadãos de determinada classe. Quando se diz, por exemplo, "um juizeco de primeira instância", não se deprecia só o juiz em questão; deprecia-se toda a classe, ou seja, todos os juízes de primeira instância. Isso seria diferente, por exemplo, de dizer "um senadorzeco", que não necessariamente faria referência (pejorativa) a todos os senadores da República...

Coisas da língua, caro leitor. E, também, coisas de um paiseco... Epa! Eu disse "paiseco"? Foi sem querer querendo, como iria o impagável Chaves. Não é paiseco, não. Como se diz há muuuuito tempo, ninguém segura este país. É isso. 

Pasquale Cipro Neto


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