quinta-feira, 31 de março de 2016

Flash Back

Um doutor no Calvário: as observações de um perito sobre a morte de Cristo

Autor do livro “A Paixão de Cristo segundo o Cirurgião”, o doutor Pierre Barbet, cirurgião do Hospital de São José, em Paris, é quem fez, até agora, o estudo médico mais completo da Paixão de Cristo, conforme se deduz do Santo Sudário. Na impossibilidade de abranger todos os aspectos, resumimos alguns de maior interesse.

a) Lesões sofridas na Via Crucis

Barbet descobre no Santo Sudário lesões provocadas pelas quedas de Jesus na Via Crucis. São chagas na face anterior do joelho, sobretudo na direita. Esta última apresenta escoriações de forma e tamanho diversos, de bordos recortados e situadas exatamente na região rotuliana. Para cima e para fora se observam duas chagas redondas de dois centímetros de diâmetro. As lesões são menos evidentes e numerosas no joelho esquerdo.

As marcas da cruz sobre as costas despontam com nitidez na imagem dorsal da silhueta da relíquia. Sobre o ombro direito, na parte externa da região supra escapular, é visível uma extensa zona escoriada para baixo e para dentro, que oferece a forma de um retângulo de 10 centímetros de comprimento por 9 de largura. Mais abaixo na região escapular, observa-se outra zona escoriada que apresenta as mesmas características (forma redonda com um diâmetro de 14 centímetros), exatamente situada na região subescapular, na ponta do omoplata esquerdo.

b) Topografia das chagas das mãos

Graças às observações do professor Barbet sobre o Santo Sudário, completadas depois com detidas experiências anatômicas, pôde-se localizar a topografia exata das chagas que produziram os pregos nas mãos de Jesus ao ser crucificado. Os pregos não atravessaram a palma, como vulgarmente se acredita, mas sim o carpo ou região do pulso, isto é, o pulso, precisamente pelo espaço livre, chamado de Destot, limitado pelos ossos semilunar, piramidal, grande e ganchoso. Com efeito, no Santo Sudário se descobre na mão esquerda, que é a mais visível, uma chaga redonda, muito nítida, na altura do carpo, da qual parte um filete de sangue que se irradia obliquamente para cima e para a direita até alcançar a margem cubital do antebraço.

c) O golpe da lança e a chaga do flanco

É crença muito comum situar o coração à esquerda do tórax, mas esta localização não é exata. O coração ocupa uma posição média e anterior e repousa sobre o diafragma, detrás dos pulmões e do peitilho ósseo esternocostal, no mediastino anterior. Somente sua ponta fica situada nitidamente à esquerda, enquanto sua base supera pela direita o esterno.

Certamente como consequência da opinião popular, que localiza o coração à esquerda do peito, existe uma tradição de opiniões que colocam o golpe de lança como desferido no flanco esquerdo de Jesus. Não todas, entretanto. Santo Agostinho, por exemplo, fala em “A Cidade de Deus” de latere dextro, flanco direito, tal como São Francisco de Assis. Segundo Barbet, o Santo Sudário veio elucidar com seu testemunho objetivo este problema, como tantos outros. A silhueta do tecido, com a manifestação clara da ferida, prova que o cadáver de Cristo sofreu o golpe da lança no costado direito e não no esquerdo. Observa-se assim na imagem anterior do lençol um enorme coágulo de sangue no lado direito, que se estende para cima uns seis centímetros e descende em uma dimensão de 15. Sua margem interna aparece mordiscada com recorte arredondado. Esta mancha de sangue ressalta no lençol, vista a pleno dia, por sua tonalidade carmim. A parte superior do coágulo, a mais próxima à chaga, é a mais espessa e a mais larga, e nela se distingue nitidamente um rastro oval, que é evidentemente a estampagem da chaga do flanco. Esta chaga mede 4,4 centímetros de comprimento por 1,5 de largura.    
 
Barbet deduz que a ferida foi aberta por uma lança usada por um soldado de infantaria do chão, a qual penetrou pelo quinto espaço intercostal direito, atravessou a pleura e o pericárdio e feriu a aurícula direita. O sangue que brotou da ferida provinha de tal aurícula, e a água, do pericárdio, em virtude da agonia extraordinariamente penosa do Salvador.
                         

A morte que está morta

Ela é aquela Princesa Adormecida
no seu claro jazigo de cristal.
Aquela a quem, um dia - enfim - despertarás... 


E o que esperavas ser teu suspiro final
é o teu primeiro beijo nupcial! 


- Mas como é que eu te receava tanto
(no teu encantamento lhe dirás)
e como podes ser assim - tão bela?!
Nas tantas buscas, em que me perdi,
vejo que cada amor tinha um pouco de ti... 


E ela, sorrindo, compassiva e calma: 

- E tu, por que é que me chamavas Morte?
Eu sou, apenas, tua Alma... 


Mário Quintana

Imagem

Autor desconhecido.

‘Impotentes e frustrados’ são os mais agressivos na internet, diz psicóloga

Autoria de Solon Maia
 
Impotência, frustração e uma necessidade de se impor sobre outras pessoas. Assim, a psicóloga americana Pamela Rutledge, diretora do Media Psychology Research Center (Centro de Pesquisas sobre Psicologia e Mídia), na Califórnia, avalia a agressividade de muitos “comentaristas” de redes sociais em tempos de polarização política no Brasil.

Referência em um ramo recente da psicologia dedicado a estudar as relações entre a mente e a tecnologia, Rutledge ressalta que as pessoas “são as mesmas”, tanto em ambientes físicos quanto virtuais. Mas faz uma ressalva sobre a impulsividade de quem dedica seu tempo a ofender ou ameaçar pessoas nas caixas de comentários de sites de notícias e páginas de política:

Já estamos acostumados com a ideia de que nosso comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não percebemos que o mesmo vale na internet“.

Além da polarização política ou ideológica, a especialista comenta a ascensão de temas como diversidade sexual, racismo e machismo ao debate público, graças às redes sociais.

“Tudo isso já acontecia, mas não tínhamos conhecimento.”

Leia os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Estamos mostrando o nosso ‘lado negativo’ nas redes sociais?

Pamela Rutledge – As pessoas são as mesmas, online ou offline. Mas a internet tem a ver com respostas rápidas. As pessoas falam sem pensar. É diferente da experiência social offline, em que você se policia por conta da proximidade física do interlocutor. Nós já estamos acostumados com a ideia de que nosso comportamento obedece a regras sociais, mas ainda não percebemos que o mesmo vale na internet.

BBC Brasil – No Brasil, a polarização política tem levado pessoas com visões distintas a se ofenderem e ameaçarem, tanto em comentários em sites de notícias quanto nas redes sociais. A internet estimularia o radicalismo?

Rutledge – As redes sociais encorajam pessoas com posições extremas a se sentirem mais confiantes para expressá-las. Pessoas que se sentem impotentes ou frustradas se comportam desta maneira para se apresentarem como se tivessem mais poder. E as pessoas costumam se sentir mais poderosas tentando diminuir ou ofender alguém.

BBC Brasil – Os comentários na internet são um índice confiável do que as pessoas realmente acreditam?

Rutledge – Depende do tópico. Mas as pessoas que tendem a responder de maneira agressiva não representam o sentimento geral.

BBC Brasil – As pessoas com opiniões menos radicais têm menos disposição para comentar do que as demais?

Rutledge – Sim. Porque os comentários agressivos têm mais a ver com a raiva das pessoas do que com uma argumentação para mudar a mente das outras. Quem parte para a agressividade, não está dando informações para trazer alguém para seu lado, estas pessoas querem apenas agredir.

BBC Brasil – A “trollagem”, gíria de internet para piadas ou comentários maldosos sobre anônimos e famosos, muitas vezes feitos repetidamente, é vista por muita gente como diversão. Há perigos por trás das piadas?

Rutledge – No caso das celebridades que são alvo da ”trollagem”, os fãs vêm defendê-las, então, elas não costumam precisar tomar qualquer iniciativa. No caso dos anônimos, a recomendação é usar ferramentas para solução de conflitos, como encorajar seus amigos e conhecidos a não serem espectadores, mas a tomarem atitudes em defesa do ofendido. Isso não significa discutir com os autores das ofensas, porque isso alimenta os ”trolls” e é isso que eles querem.

BBC Brasil – Os procedimentos de segurança do Facebook e do Twitter são suficientes para proteger os alvos de bullying?

Rutledge – Seria ingênuo esperar que qualquer companhia, mesmo do tamanho do Facebook e do Twitter, seja capaz de monitorar e ajudar neste tipo de situação. E não dá para deixar só para as empresas aquilo que devemos ser responsáveis, nós mesmos. É importante que as pessoas entendam como funcionam as ferramentas e seus mecanismos para privacidade. Se a conclusão for que o Facebook não oferece o suficiente, que as pessoas se posicionem e reclamem: ”Não é suficiente”.

BBC Brasil – Que tipo de doenças são ligadas ao uso da internet ou das redes sociais?

Rutledge – A resposta simples é não, não há doenças causadas pela internet. Há preocupações recorrentes com o vício em internet ou em redes socais. Mas vícios são doenças bastante sérias e a internet não cria personalidades com vícios. As pessoas usam as redes da mesma forma que usam álcool, jogos, chocolate, ou qualquer outra coisa que mascare problemas maiores.

BBC Brasil – Problemas como…?

Rutledge – Falta de autoestima, depressão. É importante chegar à real causa do vício, apenas cortar a internet não muda nada.

BBC Brasil – Temas como diversidade sexual, racismo e machismo, vistos como tabus até recentemente, são hoje bastante populares online. Como vê estes tópicos ganhando atenção?

Rutledge – É sempre positivo que as pessoas debatam e desenvolvam seu conhecimento sobre temas. Mesmo que a conversa termine de forma negativa, isso ainda vale para que se perceba o que está acontecendo a seu redor. Afinal, tudo isso já acontecia, mas não tínhamos conhecimento – e isso significa que estamos nos aproximando da possibilidade de transformá-las.

BBC Brasil – Quais são os conselhos para os pais ajudarem seus filhos a não embarcarem nas ondas de ódio das redes sociais?

Rutledge – A primeira coisa é conversar com as crianças desde muito cedo sobre tecnologia. Muitos evitam porque não entendem bem a tecnologia. Mas a tecnologia é apenas o “lugar” onde as coisas estão acontecendo; o principal ainda são os valores. Então, se algo está acontecendo em qualquer plataforma que os pais não conheçam bem, a sugestão é que chamem as crianças e peçam que elas deem seu ponto de vista. Aí sim eles poderão entender como as crianças estão lidando com a questão e, a partir daí, decidir quais devem ser as preocupações. A responsabilidade pode ser compartilhada. É importante ensinar os filhos a pensarem criticamente.

BBC Brasil – Muitos acham que ler históricos de conversas dos filhos ou usar apps para controlá-los é a melhor forma de ajudar as crianças. O controle é uma boa saída?

Rutledge – Os pais precisam entender que devem escutar seus filhos. Claro que cada situação tem suas características, mas geralmente controlar significa que você não conversou com eles e não lhes deu oportunidades para tomar decisões.

O problema é que, em algum momento, eles vão precisar tomar decisões por si mesmos e você não vai estar ali, nem o seu “app de controle”. Então, é muito melhor dialogar, e isso costuma ser muito difícil para os pais, que tendem dizer o que os filhos devem fazer, sem conversa.

Da BBC Brasil 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Imagens exclusivas do desembarque do PMDB


Começou a debandada


A Falta de Cultura Ética da Nossa Civilização

Creio que o exagero da atitude puramente intelectual, orientando, muitas vezes, a nossa educação, em ordem exclusiva ao real e à prática, contribuiu para pôr em perigo os valores éticos. Não penso propriamente nos perigos que o progresso técnico trouxe diretamente aos homens, mas antes no excesso e confusão de considerações humanas recíprocas, assentes num pensamento essencialmente orientado pelos interesses práticos que vem embotando as relações humanas. 

O aperfeiçoamento moral e estético é um objetivo a que a arte, mais do que a ciência, deve dedicar os seus esforços. É certo que a compreensão do próximo é de grande importância. Essa compreensão, porém, só pode ser fecunda quando acompanhada do sentimento de que é preciso saber compartilhar a alegria e a dor. Cultivar estes importantes motores de ação é o que compete à religião, depois de libertada da superstição. Nesse sentido, a religião toma um papel importante na educação, papel este que só em casos raros e pouco sistematicamente se tem tomado em consideração. 

O terrível problema magno da situação política mundial é devido em grande parte àquela falta da nossa civilização. Sem «cultura ética» , não há salvação para os homens.


Albert Einstein, in 'Como Vejo o Mundo'

O Amor não Tem nada que Ver com a Idade

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como fator de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.


José Saramago, in "Revista Máxima, Outubro 1990"

Fotografia

 
Fotografia de Oli Scarff / Getty Images, 31.03.2014

 Fotografia de Ben Stansall / AFP, 31.03.2014

Fotografia de Ben Stansall / AFP, 31.03.2014 

Governos de alguns estados restituem IPVA de carros roubados ou furtados

Só o estado de São Paulo vai devolver mais de R$ 20 milhões. Veja lista dos estados que devolvem valor do IPVA para os motoristas.

Este ano, os governos começam a devolver o dinheiro do IPVA, do ano passado, de carros roubados e furtados. Só o estado de São Paulo vai devolver mais de R$ 20 milhões.

Num período de seis meses, a administradora Ana Lúcia Ratti teve duas surpresas. “Eu deixei o carro perto do trabalho, fui numa reunião, quando voltei não estava mais lá”, conta.

A segunda surpresa? Os ladrões também roubaram o carro do marido. “Esse o prejuízo foi maior porque era um carro antigo, carro de colecionador, e não tinha seguir”, diz Ana.

Quem é vítima desse tipo de crime tem direito a receber o valor do IPVA que foi pago no ano. Em São Paulo essa lei é de 2008, mas ela existe também em outros estados como Minas Gerais, Goiás e Ceará, por exemplo.

Em São Paulo, a Secretaria da Fazenda faz o depósito numa agência do Banco do Brasil e o dinheiro fica lá por dois anos. Depois o valor vai para um posto da Secretaria da Fazenda e fica depositado por outros três anos. Se o contribuinte não correr atrás, depois desses cinco anos, perde o dinheiro.

“Isso é levantado pela Secretaria da Fazenda a partir dos BO. O valor da restituição é calculado a razão de 1/12 avos por mês da perda de propriedade do veículo”, explica o supervisor fiscal da Secretaria da Fazenda de SP, Gabriel Luís Osés Lassa.

O motorista que pagou o valor integral do IPVA em janeiro: R$1200, por exemplo, e o carro dele foi roubado ou furtado nesse mesmo mês, têm direito a receber tudo o que pagou. Já, se o roubo ou furto acontecer em abril, o motorista terá direito a receber R$ 900, o que equivale aos meses restantes do ano.
Apesar de no ano passado, mais de 189 mil veículos terem sido roubados ou furtados, e como muito motorista está com o IPVA atrasado, só uma parte vai receber o imposto de volta, que começa a cair na conta este ano. “A partir do momento que o veículo é recuperado, volta a incidir o imposto”, explica Gabriel.

Ana soube pela reportagem que tinha direito à restituição do imposto, e claro, comemorou a notícia. “Pelo menos, restitui um pouquinho do prejuízo, né?”, fala Ana.

Para receber a restituição do IPVA, o dono do veículo precisa levar no Banco do Brasil a identidade e o documento do carro. Se o ladrão roubou também o documento, essa informação deve constar no Boletim de Ocorrência.

Veja abaixo a lista de alguns estados que restituem o IPVA:

SÃO PAULO
A Secretaria de Fazenda do estado já começou a devolver o IPVA para proprietários de veículos roubados. O reembolso é referente à restituição proporcional do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e beneficia os proprietários que haviam pago o imposto quando ocorreu o crime.  Clique aqui e veja como restituir o valor do IPVA de veículos roubados.

MINAS GERAIS
A devolução é proporcional ao período que a pessoa ficou sem o veículo, desde que ele foi roubado até o dia 31/12 de cada ano. O prazo é de cinco anos para fazer o requerimento. O pedido pode ser feito a qualquer momento na Secretaria da Fazenda.

CEARÁ
No Ceará, o motorista que tiver o carro roubado só pode pedir isenção do IPVA caso o roubo tenha ocorrido até o último dia do ano anterior, ou seja, para não pagar o IPVA de 2016,  o veículo precisa ter sido roubado até o dia 31 de dezembro de 2015. Neste caso, o motorista precisa se dirigir à um posto da Secretaria da Fazenda do Ceará com um Boletim de Ocorrência, dá-se início a contagem de 30 dias para o processo de isenção iniciar.

GOIÁS
O Detran/Go isenta do pagamento do IPVA, o motorista que tem o carro roubado, desde que ele comprove que foi vítima de roubo. Se o veículo for encontrado, a isenção é proporcional ao tempo em que o dono ficou sem ele. A Secretaria da Fazenda de Goiás esclarece que o motorista que tiver o veículo roubado ou furtado no Estado pode pedir a restituição do IPVA "não utilizado" à Sefaz. O pedido é feito em requerimento padronizado, disponível no site www.sefaz.go.gov.br, e deve ser entregue nas delegacias fiscais, nas unidades Vapt Vupt da Secretaria e no protocolo geral, no complexo fazendário.

TOCANTINS
No Tocantins existe uma lei de 2001 que determina a devolução do IPVA de veículos roubados e furtados. Diferente de alguns estados, existe um calendário para o pagamento do imposto, que varia de acordo com o final da placa. O dinheiro devolvido irá corresponder ao proporcional do IPVA.

PARÁ
Para obter a devolução de imposto já pago é necessário protocolar processo junto a Secretaria da Fazenda. Chamado de restituição de indébito, os detalhes do pedido estão em
http://www.sefa.pa.gov.br/index.php/orientacoes/manual-de-atendimento/1209-restituicao-indébito. O pedido é feito junto as Coordenações regionais da Secretaria da Fazenda em todo o estado.

SERGIPE
Para pedir a restituição, a pessoa precisa dar entrada no pedido diretamente na Secretaria da Fazenda, mas tem que levar uma documentação que inclui o boletim de ocorrência da polícia e também a comprovação de que informou o roubo do veículo no DETRAN. Além disso, o pagamento só ocorre no exercício seguinte ao do IPVA que já foi pago.

PERNAMBUCO
A Secretaria da Fazenda de Pernambuco (Sefaz-PE) informa que realiza a devolução do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de carros roubados. O valor é restituído com base no período em que o proprietário permaneceu sem o carro, sendo computado mensalmente. Ou seja, o contribuinte pode ter uma devolução de 1/12 avos até 12/12 avos do valor pago de imposto.

BAHIA
Para pedir a restituição, o motorista deve registrar o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos e, com isso, essa ocorrência já passa a constar no sistema do Detran. No exercício posterior, o contribuinte deve solicitar através de processo a devolução do IPVA em uma unidade da Sefaz no SAC, e receberá em conta corrente o valor  proporcional referente aos meses que ele ficou sem a posse do veículo.

PARAÍBA
Na Paraíba, segundo a Receita Estadual, todo contribuinte que pague IPVA tem direito a receber a devolução do valor pago. Para ter direito é preciso ir até a Receita Estadual com o boletim de ocorrência policial e os comprovantes de compra do veículo.

RIO GRANDE DO SUL
Para receber a restituição, o dono do carro tem que registrar a ocorrência e encaminhar requerimento à Receita Estadual. Quando o dinheiro é liberado após o requerimento à Receita Estadual, o dono do carro não é avisado. Mas pode acompanhar o processo pelo site da secretaria (www.sefaz.rs.gov.br).

RIO DE JANEIRO
Para restutuir o valor do IPVA, o motorista não é avisado e tem que abrir um processo nas inspetorias para obter a restituição. O registro do Boletim de Ocorrência é basta para obter o direito à restituição, nos termos do art. 13-A da Lei 2877/97, pois há comunicação entre os sistemas do DETRAN_RJ e da SEFAZ_RJ, que permitem que seja visualizado o cadastro do roubo nos sistemas.  O formulário de restituição está no site da Secretaria da Fazenda. 
          
DISTRITO FEDERAL
O contribuinte tem de comunicar à Secretaria de Fazenda, pessoalmente em uma das agências da Receita do DF, o roubo e apresentar o BO. A partir da reclamação é aberto processo administrativo que irá gerar a cobrança proporcional do valor do imposto.

Se o contribuinte já tiver pago o valor total, fazemos a restituição. Caso não tenha pago, ele ganha um prazo para pagamento e calculamos o valor proporcional ao tempo de uso do veículo até a ocorrência.

RECIFE
A Secretaria da Fazenda de Pernambuco (Sefaz-PE) informa que realiza a devolução do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de carros roubados. O valor é restituído com base no período em que o proprietário permaneceu sem o carro, sendo computado mensalmente. Ou seja, o contribuinte pode ter uma devolução de 1/12 avos até 12/12 avos do valor pago de imposto.

MARANHÃO  
A Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) informa que o estado do Maranhão não adota a medida de restituição de valor pago do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), nos casos de veículos roubados.
No entanto, o Maranhão não realiza a cobrança de IPVA's futuros, sendo que, para que isso aconteça é necessário que o proprietário do veículo furtado dê entrada a um processo de comunicação de roubo (com requerimento, CPF do requerente, Boletim de Ocorrência policial ou Quaisquer outros documentos relativos à justificativa) junto à Secretaria de Estado da Fazenda e junto ao DETRAN-MA, para cancelamento de cobrança do imposto ao proprietário do veículo roubado.

AMAZONAS
O Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas (Sefaz) informou que não devolve as quantias pagas, apenas interrompe a cobrança a partir do momento em que é apresentado o Boletim de Ocorrência.

MATO GROSSO
A partir do registro do Boletim de Ocorrência, a polícia informa ao Detran a data do roubo e a partir deste informe o IPVA é suspenso. Se o imposto já estiver pago, no vencimento do imposto no ano seguinte ao sinistro, o contribuinte precisa entrar com processo na Sefaz solicitando a restituição. O valor restituído é proporcional aos meses do ano em que o motorista ficou sem o carro (se o roubo ocorreu em março, é recolhido o proporcional a janeiro, fevereiro e março e devolvido o restante.) A restituição é feita por depósito na conta do contribuinte.

Elaine Bast - São Paulo, SP
G1

terça-feira, 29 de março de 2016

As Chamadas Verdades Essenciais do Homem

As chamadas verdades essenciais do homem lembram-me às vezes números de um grande programa que os tambores anunciam pelas ruas fora que vai ser deslumbrante e cumprido à risca, e que os pobres atores, à noite, realizam sabe Deus como, a passar em claro cenas inteiras. A afirmar e a prometer, nenhum bicho leva a palma ao colega antropóide. Mas é vê-lo em plena representação, ou depois dela, no camarim, nu e lavado. Que miséria! A justiça imanente que pregou e demonstrou, acrescenta-lhe, por segurança, o ergástulo e o carrasco; ao pecado, junta-lhe a confissão; à predestinação, o livre arbítrio; à morte, a ressurreição. Lembra-me sempre a velha história dos castelos de heroísmo e fidelidade, com a portinha da traição disfarçada nas muralhas...

Miguel Torga, in "Diário (1943)"


Katherine Jenkins

A Ignorância e a Burrice

"As constelações servem para esclarecer a noite". Bela frase, não? A mim, soa como Guimarães Rosa, o uso ambíguo do verbo esclarecer sugerindo algo de arcaico e místico. Um astrólogo certamente enxergaria nela vestígios simbólicos, as constelações servindo para aclarar a obscuridade de nossos destinos. Um marinheiro, por outro lado, veria na frase a expressão de uma verdade empírica: à noite, navegamos orientados pelas estrelas — conhecimento indispensável quando nos faltam instrumentos. Eu fico com a ressonância lírica — me basta.
 
Juro: se pudesse, roubava a frase para dizê-la como um comentário displicente depois de observar longamente o céu salpicado de estrelas numa noite de lua nova, lá no alto da serra. Sim, depois de um longo silêncio eu sussurraria ao teu ouvido num tom grave e sorrateiro: "As constelações servem para esclarecer a noite", e certamente mais duas estrelas se acenderiam no teu rosto, cheias de admiração pela sabedoria que eu teria se a frase fosse minha...


E nem seria difícil me apropriar da frase, visto que ela talvez hoje envergonhe seu autor anônimo, depois de ter sido enjeitada pelos bedéis do senso comum que julgaram as redações da galera que prestou vestibular para UFRJ este ano. Eles não só não gostaram da frase como a incluíram em uma mensagem eletrônica que fizeram circular pela Internet (eu só recebi agora) reunindo o que consideraram ironicamente como "pérolas": frases que continham erros mais ou menos crassos — fosse de informação, sintaxe ou grafia.


Há outras frases igualmente geniais. Por exemplo: "O Brasil é um país abastardo com um futuro promissório". Engraçadíssima síntese histórica, sociológica e econômica! E se há erro no uso do "abastardo", salva-se o "promissório" — que, basta consultar o Aurélio, serve de sinônimo de "promissor", sim — além de criar uma ambigüidade semântica digna dos melhores humoristas.

Outra na mesma linha: "É preciso melhorar as indiferenças sociais e promover o saneamento de muitas pessoas". Esta é irretocável! Nossa indiferença social é mais do que visível, é chocante, e certamente o saneamento de algumas pessoas poderia ser a solução — isto é, se crermos que certas pessoas são mesmo saneáveis... Um jovem sustentar essa esperança me enche de genuína alegria.


Outras duas me surpreenderam positivamente por seu evidente surrealismo: "A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos". Ora, não sei se existe mesmo uma geografia humana, mas certamente não faltariam acadêmicos que defenderiam a idéia de que o homem é um produto da cultura e que, portanto, o homem antecede o homem — isto é, vivemos "em" um homem que nos é dado ou imposto sob a forma de uma língua, costumes, preconceitos e gostos que seria mesmo importante estudar, até para podermos saneá-lo.


A segunda diz assim: "A História se divide em 4: Antiga, Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias)". O.K., era pra se dizer "contemporânea", mas na velocidade em que anda a história o rapaz ou a moça foi talvez premonitório — ou deveria eu dizer promontório?


Finalmente, três frases que foram rejeitadas certamente apenas por seu tom coloquial, pois a verdade delas é tão cristalina que dispensa qualquer defesa: "Com a morte de Jesus Cristo os apóstolos continuaram a sua carreira." (E com enorme sucesso, ressalte-se). "Os pagãos não gostavam quando Deus pregava sua dotrina e tinham a idéia de eliminá-lo." (Está certo, faltou o u de doutrina, mas a ênclise chiquérrima compensa-a com sobras). "Entre os povos orientais os casamentos eram feitos "no escuro" e os noivos só se conheciam na hora h."


Pois é, eis aí exposta a diferença entre a ignorância e a burrice. Ignorância é falta de conhecimento. Burrice é preconceito travestido de conhecimento. O ignorante pode ou não ter consciência do que não sabe. O burro tem certeza de que sabe o que, na verdade, não sabe. O burro, enfim, privilegia o mediano, o medíocre, o conhecido e reiterado. Está condenado a repetir, cego para a "milionária contribuição de todos os erros" de que falava Mário de Andrade — ou seria Oswald?


Bom, ficam desde já convidados os autores das frases citadas a comparecer a este jornal para receber a Comenda Mário de Andrade (ou será Oswald?) em reconhecimento a sua modesta, mas decisiva, contribuição ao nosso milionário acervo de erros. Pois, vítimas de um ensino dominado pelos burros, conseguiram dar um brilho de genialidade à própria ignorância. Parabéns e obrigado — minhas melhores esperanças repousam sobre vós.


Antônio H. Caetano

Desqualificar o inimigo

Quando a "guerra" esta perdida, resta fuga em massa, e campanha para desqualificar o inimigo. O PMDB já desembarcou do governo, onde a bem da verdade, ocupava mais cargos do que dava apoio. Como sempre. E, proximamente, o veremos no poder de novo, e desta vez, com o presidente do seu partido,  no comando da nação. Dizem seus aliados que o Brasil não tem nada a Temer. Veremos.  Quanto a desqualificar o inimigo, tática usada na Itália pelos réus do processo "Mãos limpas" que inspirou a Lava-Jato, foi exatamente desqualificar a justiça, como o Lula, e a Organização Criminosa que lidera,  tentam contra o juiz Sérgio Moro. O ridículo da ação pode ser medido na proporção do capital moral do Lula e do PT, contra os seis milhões de manifestantes do ultimo dia 13 de Março. Lula não é mais nada no quadro político brasileiro. Não cuida de outra coisa a não ser fugir da polícia e da justiça. É evitado pelos políticos até no telefone. Ao contrário o juiz Sérgio Moro aparece entre os 50 mais influentes do mundo. É o cara. 

Eduardo P. Lunardelli

segunda-feira, 28 de março de 2016

Tu És uma Mulher Rara

Minha Anuska, onde foste buscar a ideia de que és uma mulher como outra qualquer? Tu és uma mulher rara, e, além do mais, a melhor de todas as mulheres. Tu própria não sonhas as qualidades que tens. Não só diriges a casa e as minhas coisas, como a nós todos, caprichosos e enervantes, a começar por mim e a acabar no Aléxis. Nos meus trabalhos desces ao mais pequeno pormenor, não dormes o suficiente, ocupada com a venda dos meus livros e com a administração do jornal. Contudo, conseguimos apenas economizar alguns copeques - quanto aos rublos, onde estão eles?
Mas a teu lado nada disso tem importância. Devias ser coroada rainha, e teres um reino para governar: juro-te que o farias melhor que ninguém. Não te falta inteligência, bom senso, sentido da ordem e, até... coração. Perguntas como posso eu amar uma mulher tão velha e feia como tu Aí, sim, mentes. Para mim és um encanto, não tens igual, e qualquer homem de sentimentos e bom gosto to dirá, se atentar em ti. Por isso é que às vezes sinto ciúmes. Tu própria nem sabes a maravilha que são os teus olhos, o sorriso e a animação que pões na conversa. O mal é saíres poucas vezes, se não ficarias admirada com o teu êxito. Para mim é melhor assim - no entanto, Anuska, minha rainha, sacrificaria tudo, até os meus ataques de ciúmes, se quisesses sair e distraíres-te. Sim, muito gostaria que te divertisses. E se tivesse ciúmes, vingava-me querendo-te ainda mais.

(...) Enfim, não deves admirar-te que te queira tanto, como marido e como homem. Sim, quem, se não tu, me estraga com mimos? Quem, se não tu, se fundiu comigo em corpo e alma? Todos os segredos, nesse ponto nos são comuns! E não havia eu de adorar cada átomo da tua pessoa e beijar-te como te beijo? Tu não podes compreender a mulher-anjo que és. 

Mas eu provo-to, quando voltar. Que eu sou de temperamento apaixonado, mas pensas que outro temperamento apaixonado possa amar a tal ponto uma mulher como eu to provei milhares de vezes? É verdade que essas provas antigas não contam, e agora, quando voltar, parece-me que te devorarei com beijos. (Ninguém lerá esta carta, nem tu a mostrarás a ninguém).

(...) Escreves-me a frase do costume: que somos umas pessoas muito estranhas - decorreram dez anos e amamo-nos cada vez mais. Se vivermos ainda mais dez anos, dirás então: somos umas pessoas muito estranhas - vivemos juntos vinte anos e amamo-nos cada vez mais. Por mim, respondo eu. Mas viverei ainda dez anos?

(...) Anuska, estou a teus pés. Beijo-te e adoro-te. Rezo por ti e para ti. Beijo-te toda, toda. Beijo os pequenos. Diz-lhes que o paizinho não tarda. Ah, meus queridos, que Deus vos guarde.


Fiodor Dostoievski, in 'Carta a Anna Grigórievna Snítkina (1876)'

Giacometti

 
O escultor suíço Alberto Giacometti em seu estúdio em Paris

Soneto - Mulher Abstrata

Sou quem sou, simplesmente mulher, não fujo, nem nego,
Corro risco, atropelo perigo, avanço sinal, ignoro avisos.
Procuro viver, sem medo, sem dor, com calor, aconchego,
Supro carências, rego desejos, desabrocho em risos...

Matéria cobiçada... na tez macia, no calor ardente.
Alma pura, envolta em completa fissura. Sem frescuras!
Encontro prazer na forma completa, repleta, latente.
Meretriz sem pudor,mulher no ponto, uva madura!

Sou quadro abstrato, me entrego no ato à paixão que aflora.
Sou enigma permanente, sem ponto final, sem continências,
Sou mulher tão somente, vivendo o momento, sorvendo as horas.

Sou pétala recolhida, sem forma, sem cor, completa em essência.
Exalo a esperança, transpiro vontades. Não me tenhas senhora.
Sou mulher insolúvel, nada volúvel. Vivo a vida em reticências...

Ângela Bretas

Despedida

Se a razão não permite
este convite que te faço
apelo ao coração,
e digo,
movido pelo descompasso
que não existe melhor abrigo
que o aconchego do teu abraço
um laço que me acorrenta
e meu peito não aguenta
quando chega a despedida,
e chora,
porque sabe que nesta vida
às vezes a melhor saída é,
mesmo chorando,
ir embora
e agora
ando eu a pé sem rumo
procurando no sumo
dos amores vazios
teu gosto
em vão,
porque ainda que diga não
só sinto firme meu chão
quando imagino teu rosto,
sorrindo,
lindo como a névoa fria
que cobre os jardins de agosto
mas,
se tudo tem um adeus
sigo então meu caminho
levando com muito carinho
além de um perene espinho
o brilho dos olhos teus.

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Vinícius Cruz

Fábula

 O piquenique das tartarugas...

Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique. As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram sete anos para se prepararem para seu passeio. Somente no segundo ano da viagem encontraram um lugar ideal!

Ao desembalarem a cesta de piquenique, descobriram que tinham esquecido o sal. Um piquenique sem sal seria um desastre, todas concordaram. Após uma longa discussão, a tartaruga mais nova foi escolhida para voltar em casa e pegar o sal. A pequena tartaruga concordou, mas com uma condição: que ninguém comeria até que ela retornasse.

Três, cinco, sete anos se passaram e a pequena tartaruga não tinha retornado. A tartaruga mais velha não aguentava mais e disse que ia comer um sanduíche.

Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou, Viu! Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.

Descontando os exageros da estória, na nossa vida as coisas acontecem mais ou menos da mesma forma. Nós desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas.

Prof. Menegatti

domingo, 27 de março de 2016

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar…

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar…
– Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? – Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada…
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum deus!…

Florbela Espanca

Mudança de idade

Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.
No livro “Tradutor de chuvas”

Mia Couto

A Fábula do Imperador Chinês

Há anos estou a escrever um romance só para me divertir. Aproveitando esse clima de fim de carnaval, de começo de semestre, em que já estamos de baixo do mau tempo político, resolvi publicar seu primeiro capítulo aqui. Chama-se A Fábula do Imperador Chinês. O livro não tem nada a ver com nada, muita gente vai ficar pensando “o que deu na Marcia para publicar tal absurdo”, não é um texto político em sentido estrito, nem trata de questões urgentes, nem que sirvam à nada, é uma pura fantasia que conta com a maldade do leitor nesse momento. Mas talvez haja alguém que possa se divertir com ele. E, como a falta de imaginação está nos fazendo muito mal, ao pensar numa política da ficção, quem sabe a gente possa começar  aceitando um inicial convite ao sonho.


O Imperador Chinês

Ao acordar Lady N percebeu o imperador chinês, herdeiro do trono do grande Hui-Cheng, colado à parede como display de papel. Correu para perto com um grito. Durante anos ele esteve sentado ao seu lado, meio de costas impedindo-lhe de ver seu rosto. Tentava esboçar duas palavras finalmente ditas na noite passada. As palavras surgiram como papelão que começa a se rasgar, ou como o pássaro de asa cortada estranhamente pousado à janela, cujos movimentos observei no fim da tarde nublada enquanto Lady N dedicava-se a pentear os próprios cabelos.
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Isso foi há muitos anos. Lady N preserva, contudo, depois de tanto tempo, os mesmos longos cabelos pelos quais daria a própria vida.

As palavras ditas pelo homem de olhos puxados eram mágicas, e eram tenebrosas. Palavras que não deveriam ter sido ditas por ninguém, muito menos naquelas circunstâncias a uma pessoa naquele estado. A palavra no lugar da pálpebra, segundo a expressão poético-licenciosa de Lady N que, embora soubesse se expressar com mais objetividade, sempre preferia dar um ar de mistério a tudo o que dizia. A que não se ouve por dentro, disse em sussurro ao delegado que, fazendo as vezes de carcereiro na delegacia da pequena cidade, a conduziu aos fundos da construção improvisada onde ela esperaria o camburão que a levaria ao presídio. Faca bem afiada das usadas para matar porcos, afirmou com a certeza dos especialistas enquanto o gentil homem chaveava a porta da cela com um olho amedrontado e o outro condoído. O imperador cortou-lhe a cabeça com um golpe veloz, ela contava, seu corpo pendeu soltando-se com leveza, pois estava magra como tecido de algodão. Era assim que descrevia a si mesma deixando o delegado preocupado como um filho que se condói de uma mãe alucinada. Ali, pura cabeça, ela procurava o corpo, implorando a qualquer um que lhe desse a chance de recuperar suas partes como se alguém pudesse fazer algo por ela.

Sua magreza era um escândalo a olhos vistos, todos percebiam que algo não ia bem com ela há muito tempo. Mas nesses casos, ninguém tem coragem de dizer nada. O fato de que não comesse há dias piorava ainda mais a situação de nossa heroína. O delegado, sabendo que na delegacia nada havia para comer, perguntou-lhe se aceitava uma maçã, mas ela respondeu que se alimentava há muito tempo apenas de carne seca. Sabendo que há alguma verdade em toda a mentira, o delegado, que viu em Lady N algo de muito familiar, prometeu que estaria com ela, que não a deixaria só, que viria ouvi-la em breve e traria algo de comer que fosse de seu agrado como empadas de carne seca.

Lady N, podia estar louca, era a desconfiança geral, mas de uma coisa ela sabia, e não podemos contestá-la, ela não sentiu dor alguma no momento do golpe, apenas o choque no atravessamento certeiro da faca.

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Apesar do pescoço cortado, Lady N pode se mover e olhar de perto a fotografia, como ela nos relatou no momento em que fomos visitá-la. No lugar do corpo usava o soldado igualmente chinês que servia café da manhã nos aposentos que ela ocupava com o imperador. Na ponta da lança, a cabeça com os cachos dos cabelos soltos e os olhos bem abertos, como dos que morrem assustados.

Aqui a imagem do soldado com a cabeça na ponta da lança. Na falta, usamos esse, por enquanto:
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Durante anos vitrificados atrás de cortinas de seda o imperador amou-a desenhando três linhas sobre papel de arroz cujas folhas ela comprava todos os meses na loja Ching perto do cais do porto. Os vendedores de lá, remanescentes da pequena família Chun, informaram-lhe há semanas que não haveria mais fornecimento de tão afilado artefato. Restou a seguinte etiqueta.

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Lady N, temendo desagradar seu homem, procurou este papel por meses em todos os mercados da cidade sem jamais reencontrar o finíssimo produto.

Imóvel sobre seu trono, o imperador parecia não se importar.

No silêncio infinito que ambientava a solidão do homem, enlaçando-os em uma espécie de união mística, Lady N acreditou que estaria protegida para sempre de todo frio com os traços inapagáveis do caligrama a tinta negra que o imperador vagarosamente desenhava para provar-lhe seu amor. Nem uma lágrima de dúvida mancharia o cenário de névoa em que viveram por tantos e tão comoventes anos cujos dias transcorriam um por um, cada um na sua vez, como elefantes indianos em fila, certos de encontrar o melhor modo de seguir.

Lady N era uma pessoa nada fácil de convencer, mas não resistia a uma fila bem organizada, sobretudo quando lembrava de seus tempos no circo com sua elefanta Janaína. Ela que já estivera tão próxima de um elefante agora teria que contentar-se em ser só uma cabeça cortada por um imperador chinês.

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Essas lembranças faziam pensar ainda mais em seu corpo. Quando se é uma cabeça pensa-se mais ainda. O corpo que falta torna-se um objeto de desejo insuportável. O corpo, ela teve tempo de dizer antes que o delegado sumisse no corredor escuro, o corpo é algo que pesa. Sabendo que tudo não passa de alucinação, ao mesmo tempo que, tendo em vista que há alguma verdade em toda loucura, é que aprendemos a levar a sério o que ela tentou nos dizer.

Em um primeiro momento, sei, sabemos, que ela pensou, que neste momento tenso em que se perde a cabeça, ou melhor, em que ela perdeu o corpo, e assim parte considerável de sua vida, que fora a falta do papel o motivo da decapitação. Somente agora, quando tudo se encaminha para o fim, é que a resposta aparece com a força aterradora da verdade que não se mede nas formas triviais.

Antes desencorpada do que acéfala, pouco antes de ir parar na delegacia onde a encontramos dentro de uma cela, Lady N olhava para o display tencionando as pálpebras. Um filete de sangue mancha a imagem dividindo-a em duas. Do lado de cá, na pequena antessala do quarto, o soldado tenta levá-la para longe. Ela tem na língua a força descomunal do seu grito. Lança-se na direção do seu desejo, e se trata de um desejo muito forte. Percebendo-se cansada, ela ordena ao soldado que descanse. Não é fácil imaginar Lady N nessa situação, corpo e cabeça, distanciados, verdadeiramente separados por um golpe mortal e dando ordens a um soldado que a conduz para longe de si mesma. O soldado obedece por alguns minutos até que, com a renovação dos esforços sonoros de Lady N, três ou quatro frases depois, está novamente a postos. Espantada que sua mera voz ecoe em sua cabeça e seja capaz de dobrar um homem tão grande, é assim que ela está.

Mas a história de Lady N apenas começou.

Mesmo tendo sobre o soldado todo o poder, Lady N teme o soldado como temia o imperador chinês quando apareceu à sua porta.

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 Márcia Tiburi

"Pracas"




O amor, quando se revela...


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...



Fernando Pessoa

Garcia Márquez na URSS

Winston Churchill disse certa vez que a URSS era “uma adivinhação embrulhada num mistério e guardada dentro de um enigma”. A URSS e a China foram as duas maiores megaexperiências sociais do século 20, numa escala ciclópica de autoritarismo, de frenesi industrializante, de exploração do trabalho, de condicionamento ideológico. Nós aqui do Ocidente podemos apenas imaginar pelos relatos (a favor e contra) que chegaram até nós. Vi neste saite (http://tinyurl.com/zkn78na) algumas impressões de Gabriel Garcia Márquez quando visitou o país dos sovietes, em 1957, e que retratam tanto o país quanto o olho humanista e esperto do jornalista e escritor.
Diz Gabo: “Parece que estamos viajando rumo a um horizonte inatingível num mundo bem peculiar, onde o tamanho de tudo excede as proporções humanas, e precisamos mudar toda a nossa percepção da normalidade para tentar entender este país. (...) O alfabeto russo tem um aspecto tal que as letras das placas parecem estar se desmanchando em pedaços, o que nos dá uma impressão de ruína. (...) Este é um povo que parece precisar desesperadamente de fazer amigos. (...)  Dá para entender a velha piada americana de que os soviéticos acham que inventaram tudo, desde o garfo até o telefone. Enquanto o mundo ocidental acelerava rumo ao progresso tecnológico, eles estavam aqui tendo que criar o básico. Se um turista em Moscou encontrar um sujeito nervoso que diz ter inventado o refrigerador, não pense que ele é maluco. É bem possível que ele tenha precisado inventar algo que já existia no Ocidente. (...) O povo russo não toma café, e encerra as refeições com chá. Eles tomam chá a qualquer hora. Os melhores hotéis de Moscou nos servem um chá chinês de tal qualidade poética, de um aroma tão sutil que a vontade que a gente tem é de derramá-lo na cabeça.
“Os soviéticos exprimem seus sentimentos da maneira mais exaltada. Demonstram sua felicidade como se estivessem dançando uma dança cossaca. Estão prontos a dar a alguém a única camisa que possuem, e quando se despedem de um amigo choram lágrimas verdadeiras. Mas tornam-se discretos e furtivos quando a conversa descamba para a política. (...)  Quem vê fotos das vitrines das lojas, todas vazias, tem dificuldade em crer que os soviéticos tenham armas nucleares. Mas a vitrine vazia confirma a veracidade desse fato. As armas nucleares, os foguetes espaciais, a agricultura mecanizada, as usinas elétricas e os esforços titânicos para transformar um deserto em terra cultivável têm como resultado o fato de que para isto o povo soviético tem usado sapatos ruins e roupas mal cosidas, e tem passado por grandes necessidades nos últimos 50 anos.”

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo


sábado, 26 de março de 2016


Luz depois do mergulho


Depois de te amar saio refrescada
transparente nascida água
matéria de cisterna
de fosso fundo eterna
na tua profundidade

depois de me encharcar volto cristalina
do escuro à tona respiro
busco a luz que te defina:
água, talvez
água fugaz corpo piscina



Claudia Roquette-Pinto

A donzela Arabela (O amanuense Belmiro)

Aconteceu-me ontem uma coisa realmente extraordinária. Não tendo conseguido conter-me em casa, desci para a Avenida, segundo habito antigo. Já ela estava repleta de carnavalescos, que aproveitavam, como podiam, sua terceira noite.

Pus-me a examinar colombinas fáceis, do lado da Praça Sete, quando inesperadamente me vi envolvido no fluxo de um cordão. Procurei desvencilhar-me, como pude, mas a onda humana vinha imensa, crescendo em torno de mim, por trás, pela frente e pelos flancos. Entreguei-me, então, aquela humanidade que me pareceu mais cansada que alegre. Os sambas eram tristes e homens pingavam suor. Um máscara-de-macaco deu-me o braço e mandou-me cantar. Respondi-lhe que, em rapaz, consumi a garganta em serenatas e que esta, já agora, não ajudava. Imagino a figura que fiz, de colarinho alto e pince-nez, no meio daquela roda alegre, pois os foliões e engraçaram comigo, e fui, por momentos, o atrativo do cordão. Tanto fizeram que, sem perceber o disparate, me pus a entoar velha canção de Vila Caraíbas.

Uma gargalhada espantosa explodiu em torno de mim. Deram-me uma corrida e, depois de me terem atirado confete à boca, abandonaram-me ao meio da rua embriagado de éter. Novo cordão levou-me, porém, para outro lado, e, nesse vaivém, fui arrastado pelos acontecimentos. Um jato de perfume me atingia às vezes. Procurava, com os olhos gratos, a origem dessa caricia, mas percebia, desanimado, que aquele jato resvalara de outro rosto a que o destinara uma boneca holandesa. Contudo, aquelas migalhas me consolaram e comoviam. Dêem-me um jato de éter perdido no espaço e construirei um reino. Mas a boneca holandesa foi arrastada por um príncipe russo, que a livrou dos braços de um marinheiro.

Bebendo aqui, bebendo ali, acabei presa de grande excitação, correndo atrás de choros, de blocos e cordões. Não sei como, envolvido em que grupo, entrei no salão de um clube, acompanhando a massa na sua liturgia pagã.

Lembra-me que homens e mulheres, a um de fundo, mãos postas nos quadris do que ia à frente, dançavam, encadeados, e entoavam os coros que descem do Morro.

Toadas tristes, que vêm da carne.

A certo momento, alguém enlaçou o braço, cantando: “Segura, meu bem, segura na mão, não deixes partir o cordão...” O braço que se lembrou do meu braço tinha uma branca e fina mão. Jamais esquecerei: uma branca e fina mão. Olhei ao lado: a dona da mão era uma branca e doce donzela. Foi uma visão extraordinária. Pareceu-me que descera até a mim a branca Arabela, a donzela do castelo que tem uma torre escura onde as andorinhas vão pousar. Pobre mito infantil! Nas noites longas da fazenda, contava-se história da casta Arabela, que morreu de amor e que na torre do castelo entoava doridas melodias.

Efeito da excitação de espírito me que me achava, ou de qualquer outra perturbação, senti-me fora do tempo e do espaço, e meus olhos só percebiam a doce visão. Era ela, Arabela. Como estava bela! A música lasciva se tornou distante, e as vozes dos homens chegavam a mim, lentas e desconexas. Em meio dos corpos exaustos, a incorpórea e casta Arabela. Parecia que eu me comunicava com Deus e que um anjo descera sobre mim. Meu corpo se desfazia em harmonias, e alegre música de pássaros se produzira no ar. Não me lembra quanto tempo durou o encantamento e só vagamente me recordo de que, em um momento impossível de localizar, no tempo e no espaço, a mão me fugiu. Também tenho uma vaga idéia de que alguém me apanhou do chão, pisado e machucado, e me pôs num canapé onde, já sol alto, fui dar acordo de mim.

O mito donzela Arabela tem enchido minha vida. Esse absurdo romantismo de Vila Caraíbas tem uma força que supera as zombarias do Belmiro sofisticado e faz crescer, desmesuradamente, em mim, um Belmiro patético e obscuro. Mas viviam os mitos, que são o pão dos homens.

Nesta noite de quarta-feira de cinzas, chuvosa e reflexiva, bem noto que vou entrando numa fase da vida em que o espírito abre mão de suas conquistas, e o homem procura a infância, numa comovente pesquisa das remotas origens do ser.

Há muito que ando em estado de entrega. Entregar-se a gente as puras e melhores emoções, renunciar aos rumos da inteligência e viver simplesmente pela sensibilidade — descendo de novo cautelosamente, a margem do caminho, o véu que cobre a face real das coisas e que foi, aqui e ali, descerrado por mão imprudente — parece-me a única estrada possível. Onde houver claridade, converta-se em fraca luz de crepúsculo, para que as coisas se tornem indefinidas e possamos gerar nossos fantasmas. Seria uma fórmula para nos conciliarmos com o mundo.

Cyro Versiani dos Anjos

Texto extraído do livro “O amanuense Belmiro”, Editora José Olympio – Rio de Janeiro, 1971, pág. 19.

As mentes inchadas





Algumas ideias aderem a nosso espírito e não desgrudam



Estou, mais uma vez, a reler os Pensamentos do francês Joseph Joubert. Algumas ideias aderem a nosso espírito e não desgrudam. Assim é meu caso pessoal com Joubert: sou seu prisioneiro. Mas quem foi ele afinal? Nascido no coração do século 18, Joseph Joubert foi amigo de Diderot, e também de Chateaubriand, de quem chegou a se tornar secretário. Faleceu em 1824, em Paris, aos setenta anos. Moralista e ensaísta, é quase completamente desconhecido no Brasil. Leio e releio seus pensamentos na edição espanhola da Edhasa, de 1995, livro organizado por Carlos Pujol.

Não é preciso uma ordem, já que Joubert pensa e escreve por aforismos — isto é, por raciocínios compactos e dispersos, expressos em poucas palavras. Verdadeiras flechadas. Desde logo, seu poder de síntese me fascina. Abro ao acaso o livro organizado por Pujol. Esbarro em uma primeira frase: “Há muitíssimas coisas que só se fazem bem quando se fazem por necessidade”. O filósofo fala de mim — ou pelo menos é o que sinto. É o que sentimos quando lemos escritores que nos desafiam. Uma necessidade secreta me leva a voltar a seus pensamentos.

Algumas linhas à frente, outra ideia completa a primeira: “A idade. O espírito não se apaga, mas há que alimentar esse fogo com outra lenha”. Chego, esse mês, aos 65 anos de idade. Preciso de novos alimentos. Estranho: cada vez que releio Joubert, tenho o sentimento de que o leio pela primeira vez. Na verdade, leio sim. O que li ontem não é mais o que leio agora. Sua escrita me provoca muitos sustos. Ela me desloca e esbofeteia.

Diz Joubert: “A filosofia dos antigos. Prefiro suas nuvens a nossos seixos”. O pensamento contemporâneo parece, de fato, atulhado de cascalhos. Frequentar a internet, por exemplo, é muito atraente e divertido, mas é também dispersivo. Seixos são fragmentos de rocha, pedras toscas que, em vez de nos reforçar, nos ferem. Restam cicatrizes, que lemos com dificuldade. Na grande rede, a fragmentação, em vez de nos elevar, nos arranha, sem chegar, no entanto, a rasgar nosso sangue. Melhor a elevação dos antigos, que nos leva a tomar distância de nós mesmos. E a nos olhar com vigor, mas também com piedade. Mas é preciso ter cuidado com as conclusões. Alerta Joubert: “O orgulho é o cúmulo da ignorância”. Não acreditar demais em si.

Em Joseph Joubert, a dispersão é um antídoto contra a arrogância do desfecho. Ele escreve por impulsos, assim como pensamos por impulsos também. O pensamento odeia as conclusões últimas, porque as percebe como uma amputação. Devemos nos dispersar para nos salvar. Alerta: “Toda loucura se deve a um excesso de rigor, de tensão e de atenção exclusiva”. O melhor pensamento, o mais fértil, é aquele que surge da divagação. E, assim, se liberta da loucura da precisão. “Os poetas, buscando a beleza, encontram mais verdades que os filósofos que buscam a verdade”, diz. Mas a dispersão é diferente da fragmentação — aquela que fere e afasta. No mundo virtual, pisamos em cacos de vidros. Lendo Joubert, em um tapete de plumas.

Joubert pensa e escreve por aforismos — isto é, por raciocínios compactos e dispersos, expressos em poucas palavras. Verdadeiras flechadas. Desde logo, seu poder de síntese me fascina.

É preciso, contudo, não ser arrogante e reconhecer que mesmo a imaginação tem sua origem em nossas limitações. “O medo nutre a imaginação”, ele escreve. É de algumas de nossas piores coisas, de nossos mais brutais defeitos que, enfim, arrancamos a beleza. A arrogância — que crê que o bom só procede do bom — é, na verdade, um obstáculo. Precisamos aceitar o que temos de pior para chegar a um pouco do que temos de melhor. Lembro aqui de um pensamento de Fernando Pessoa, que capturo em O eu profundo. Diz assim: “A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito”, Pessoa escreve. Também Clarice não se cansou de nos dizer que a verdade é sempre implícita e, na maior parte das vezes, inalcançável. Resta-nos evocá-la. Roçar de leve em sua face áspera. E ficar com isso.

É por isso também que Joubert faz a defesa do silêncio — o que é muito útil em nossos tempos de zoeira e dispersão. Escreve: “O silêncio. Delícias do silêncio. Os pensamentos hão de nascer da alma, e as palavras do silêncio. Um silêncio atento”. Os meninos que esbofeteiam imagens nas lan houses navegam em um turbilhão. Não conseguem ficar quietos, não podem silenciar. A máquina devora seus corações. Quantos deles podem, de fato, permanecer quietos? O silêncio — a solidão — lhes é insuportável. Contudo, e ainda que pareça um paradoxo, é do silêncio que as palavras, enfim, surgem. Imperfeitas. Insuficientes. Cheias de defeitos, mas também de emoção. Sempre me surpreendo com esses meninos que hoje, além da fast food das cadeias internacionais, se empanturram de imagens coloridas. Encontro um comentário de Joubert que talvez lhes caiba: “Mentes esfregadas pelo fósforo e que parecem luminosas. E, no entanto, brilham, mas não iluminam”.

A dispersão no pensamento de Joubert, em vez de levar a um cenário estilhaçado, promove uma espécie de flutuação. Um recolhimento — como o do menino que, armado só com uma lanterna, se esconde sob os lençóis para ler o Robinson Crusoe. Eu mesmo fiz isso aos onze anos de idade, e a experiência da caverna marcou minha vida. Já tentei escrever um livro sobre ela, mas as palavras não expressam o que vivi, e desisti. Talvez meu problema tenha sido exatamente este: ter me deixado guiar pelo ideal da precisão. As palavras, por melhor que as definam os dicionários, desconhecem o rigor absoluto. São ambíguas, vivem de metáforas e de alusões. São insuficientes.

Não é fácil, sequer, escutar a nós mesmos. Volto a Joubert: “A alma fala consigo mesmo em parábolas”. Fala de modo indireto, evoca mais do que fala. Trata-se de uma fala que nem sempre podemos traduzir, podemos talvez apenas sentir. Infelizmente, vivemos o século do estilo oficial, da linguagem padronizada, do culto ao correto. Nesse sistema de rigidez, as alusões nos escapam, e com elas o espírito individual também. Anota Joubert: “Maneira, de mania. Se é involuntária, é um tic. Se é natural, nós a chamamos de originalidade. Se é deliberada, estudada, é jargão, charlatanismo”. Só a volta ao pessoal e ao que é natural abre caminho para uma chegada a si. No ano de 1805, em pleno alvorecer do século 19, Joubert escreve ainda: “Muita inchação nas mentes e muita magreza no estilo: uma das características desse século”. De que século ele realmente fala?

JOSÉ CASTELLO

É escritor e jornalista. Autor do romance Ribamar, entre outros livros. Vive em Curitiba (PR).