domingo, 4 de novembro de 2012

Viva a preguiça intensamente

O ócio não só faz bem. É um ato de heroísmo no mundo da supercompetição.
 
 
Já passei tantas ocasiões sem fazer coisa nenhuma. A ética cristã costuma ensinar que foram dias perdidos. Os provérbios da Bíblia afirmam que o preguiçoso se acha sábio, mas não passa de um tolo. A preguiça consta da famosa lista dos sete pecados capitais.
 
No entanto, apesar de tudo, jamais me senti tão recompensado quanto nessas ocasiões em que a mente e o corpo flutuaram pelo nada e meus atos significaram nada para o progresso da humanidade.
 
É o estado de ser que os italianos chamam de “dolce far niente”, o doce fazer nada. Mas, salvo esta expressão e a filosofia taoísta, que preconiza a extrema relevância ética e política do “wu-wei”, a perfeita inação, não conseguia encontrar apoio teórico à minha filosofia de existência.
 
Isso até encontrar o oblomovismo. Essa doutrina originária da literatura russa insuflou um novo entusiasmo em minha hiperinatividade. Ela pode ser explicada como a teoria da preguiça de alto desempenho, que, caso seja aplicada, poderia salvar a humanidade do abismo. Ela serve, pelo menos, para me salvar do excesso de obrigações.
 
Na verdade, adaptei o oblomovismo a minhas necessidades. Tropicalizei suas lições. Não é Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade, que vive a bocejar “ai, que preguiça”? Ele tinha razão.
 
Mas voltemos ao oblomovismo. O nome deriva de Oblómov, o incrível romance satírico de Ivan Gontcharóv (1812-1891), publicado em 1859, agora publicado no Brasil (CosacNaify, 736 páginas, R$119) em tradução de Rubens Figueiredo.
 
O herói epônimo do romance é um senhor de terras preguiçoso, que gasta seus dias na cama ou no sofá, sonhando em reformar sua propriedade e recebendo visitas de amigos. Personagens, ações e diálogos ocorrem em torno dele, como se ele fosse o centro de um universo.
 
Seu antagonista é seu amigo, o “alemão” Andrei Stoltz, um empreendedor entusiasmado com as conquistas da indústria. Oblómov não se emociona com o capitalismo que se instala na velha Rússia. Prefere ficar parado.
 
Quando Stoltz o convence a sair para uma festa, ele conhece uma amiga de Stoltz, Olga Ilinskaya. Apaixona-se por ela, pede-a em casamento, mas nada acontece.
 
Em seu pendor pela inação, Oblómov se muda para o subúrbio de São Petersburgo, onde amarga a decadência sem reclamar.
 
 
Luís Antônio Giron, ÉPOCA
Leia o texto na íntegra acessando aqui

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