sábado, 18 de fevereiro de 2012

Juiz é Deus?

Ele pensa que é Deus. A maioria dos juízes não pensa assim, é claro. Ainda bem. A propósito, um engenheiro pernambucano me contou o seguinte episódio que se deu com ele, no Recife. Ao frear no sinal fechado sentiu forte pancada na traseira do seu carro. Preocupado, desceu e já se deparou com um senhor bem vestido que, ao constatar o pequeno estrago no veículo do seu interlocutor, foi logo dizendo, o dedo apontado para o relógio:

- Olhe, não posso demorar nem tenho tempo a perder, sou juiz, e está em cima da hora da audiência.

Ajeitou a gravata e imediatamente voltou à direção da caminhonete de cabine dupla, deu partida e arrancou, como se nada tivesse acontecido. E você, fez o quê, eu perguntei ao meu amigo.

- Fiquei olhando ele ir em frente no seu carrão... Parecia um Deus.

E complementou com uma indagação: como é que eu ia me meter a procurar meus direitos contra um juiz desses? Ia só complicar minha vida e ainda correria o risco de terminar sendo o responsável pela batida e até punido por ter causado atraso na audiência dele... Você duvida?

Esse episódio me veio à mente, justo quando ouvia parte do debate entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação, proposta em novembro passado, pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que tentava barrar a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça na investigação de juízes suspeitos de “desvio de conduta”. Desvio de conduta? Prática de atos irregulares, venda de sentença, engavetamento de processos, desleixo no cumprimento de funções judicantes, essas coisas. Estava em jogo, no dia 2 deste mês, o direito do CNJ permanecer com a prerrogativa de começar a investigar, independentemente do trabalho da Corregedoria do órgão ao qual se vincula o suspeito. Em sua fala, o ministro Gilmar Mendes pôs o dedo na ferida: “Até as pedras sabem que as Corregedorias não funcionam para investigar os próprios pares”.

A decisão do STF, por maioria apertada de seis votos a cinco, foi bem recebida pela população, desejosa de ter o Poder Judiciário como pilar do combate à corrupção. No mesmo dia, o STF deliberou, também, que os processos contra juízes perdem o caráter de secreto, como acontece com os mortais. Agora, sim, a ministra Eliana Calmon pode levar adiante sua cruzada e, quem sabe, começar a revelar nomes de “bandidos escondidos atrás da toga”, referindo-se aos poucos colegas que abusam das prerrogativas do cargo para delinqüir. Essas duas decisões da Suprema Corte são armas poderosas para reduzir a impunidade. E processar quem tem o dever constitucional de zelar pela boa aplicação das leis, inibindo desvios prejudiciais à democracia. Desvios que contaminam outros poderes, inclusive prefeitos corruptos que querem voltar ao poder, infelizmente, com a nossa cumplicidade. Aquelas decisões são um freio, também, à arrogância de juízes que se sentem Deus, como o do episódio aqui narrado.

OBS - No mais, desejo a todos repousante retiro espiritual. Ou animado carnaval, sem encrenca. Muito menos com juiz...


Francisco Frassales Cartaxo
Fonte: setecandeeiroscaja


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