sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A sogra de Martha

Freud observou que não há sentimento mais intenso que o da mãe pelo filho. Nem precisava de alguém com a autoridade dele para dizer isso – embora eu mesma, na juventude, imaginando que tinha a obrigação cristã de amar a todos igualmente, morresse de vergonha de admitir o status totalmente diferenciado de meu amor por meu filho. Hoje, na maturidade, confirmei com um segundo filho que eles são, sim, especiais, e nada nem ninguém é páreo para eles na disputa pelo meu amor.

O amor maternal é imenso, e às vezes o ciúme também. Daí é fácil entender o estereótipo da sogra, aquela megera que inferniza a vida da nora, interferindo no relacionamento entre o puro e ingênuo filho e a “lambisgóia” que conseguiu ludibriá-lo, seduzindo-o para o casamento. Talvez as sogras realmente sejam piores, mas vejo como alguns pais também podem ser possessivos em relação a suas filhas.

Não conheço registros sobre o tema, mas provavelmente uma nora que pode ter sentido isso na pele foi a própria mulher de Freud, Martha Bernays. Consta que a mãe de Freud, Amalie, era uma matrona dominadora e autoritária, uma verdadeira mala sem alça, em torno da qual girava a família, incluindo os oito filhos. Era cheia de vontades e manias, e sua preferência escancarada era pelo filho mais velho, que viria a se tornar uma das maiores referências do conhecimento humano. Aliás, como também concluiu o próprio Freud, o filho que tem a preferência de sua mãe, pode tudo. Claro que ele pagou caro por ser o predileto, tornando-se prisioneiro da dependência da mãe, e mantinha preocupação obsessiva por não morrer antes dela, para não lhe causar sofrimento – e olhe que ela se foi com 96 anos! Nada sabemos sobre a relação de Amalie com a nora, mas o quadro teria tudo para ser belicoso, a menos que Martha tivesse grandes talentos diplomáticos. Parece que os tinha mesmo, a crer nas más línguas (dos biógrafos de Carl Jung), que insinuaram uma convivência bastante estreita entre Freud e a irmã de Martha, Minna, em tese, com a aprovação da “oficial” (Martha).

Pois foi essa predileção de mãe que mudou completamente – para melhor - a imagem que eu tinha de minha avó paterna. Sempre tive admiração por ela ser uma mulher trabalhadora e um exemplo de correção e generosidade, mas confundia seu recato e discrição extrema, características das modestas mulheres do campo de antigamente, com falta de afetividade. Só recentemente soube, por relatos, de sua paixão por meu pai, seu filho mais velho. É difícil, para mim, imaginar a cena em família que, embora de uma cordialidade ímpar no trato, era tão pouco afeita a demonstrações emotivas: dizem que ela chorou pelos quatro cantos da casa, em inédito volume, quando meu pai se mudou, por causa de seu casamento com minha mãe. Da parte dele, também houve a preocupação de prepará-la para a separação. O que eu achava ser uma montanha, majestosa mas distante, era de fato um vulcão, adormecido, mas contendo lava incandescente. Só mesmo um filho especial para provocar tal erupção.

O papel dos “intrusos”, noras e genros, não é fácil. Talvez a melhor atitude nestas dinâmicas seja mesmo a suposta diplomacia de Martha Bernays, de forma a evitar o jogo do triângulo passional, para driblar a disputa pelo objeto comum do desejo. Assim, quando o marido insinuar que comida boa é a da mãe dele, quem sabe a melhor reação seja mesmo concordar – aproveitando para dormir até tarde no domingo e filar a bóia na casa da “sogra perfeita”.

Judith Brito

Fonte: bol.com.br

Um comentário:

Unknown disse...

EU SOU UM HOMEM DE SORTE; MINHA SOGRA É MARAVILHOSA AO PONTO DE EU CONSIDERÁ-LA UMA SEGUNDA MÃE :)