segunda-feira, 31 de julho de 2017
Tolkien e Guimarães Rosa
Uma vez,
conversando com amigos estrangeiros, perguntaram-me quem era o maior
escritor brasileiro; respondi que era Guimarães Rosa. Ninguém tinha
ouvido falar nele; quiseram saber que tipo de escritor era. Eu disse:
“Imagine os romances de J. R. R. Tolkien escritos por James Joyce.”
Riram porque pensaram que era piada, mas não era, era um mero exagero. A crítica literária brasileira, especialmente a que sofreu influência do Concretismo paulistano, sempre compara Rosa com Joyce; nunca vi ninguém compará-lo com Tolkien. E no entanto a obra dos dois tem imensas semelhanças, que me voltam à mente ao assistir o terceiro episódio da magnífica trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson.
Tanto Rosa quanto Tolkien imaginaram uma região mítica, fundada em suas vivências pessoais e em suas fantasias metafísicas.
O Sertão de Rosa é, para usar uma linguagem meio pedante, semanticamente realista (porque tudo ali é observado, é anotado em caderneta, é pesquisado junto aos mais-velhos: usos, costumes, lugares, plantas, bichos) mas sintaticamente mágico, porque os acontecimentos e os destinos dos personagens parecem orquestrados por potestades invisíveis.
Esse sertão que na superfície é tão mineiro, tão geográfico, tem uma escala épica que o transforma no campo de batalha entre as forças de Deus e as do Diabo.
Quanto a Tolkien, criou a Terra Média (Middle Earth), supostamente uma era remota no passado do nosso planeta, povoada por reis, guerreiros, e raças fantásticas (elfos, anões, orcs, trolls, etc.), que foram varridas da Terra depois que o Homem tornou-se o seu dono.
À primeira vista, o mundo de Tolkien é totalmente fantástico, mas basta ler uma biografia sua (especialmente a de Humphrey Carpenter) para ver como seu processo criativo era realista.
Tolkien compunha para seus reis árvores genealógicas inteiras, que se estendiam por milênios. Os elfos têm uma linguagem completa, toda inventada por ele (e falada pelos atores em trechos dos filmes). Seu cuidado ao descrever as aventuras de Frodo o fazia calcular desde a fase da lua em determinada noite até quanto tempo alguém levaria para ir a pé ou a cavalo de um lugar para outro (aspecto em que autores de romances não-fantásticos, como Walter Scott, muitas vezes se fazem de doidos).
Apesar das evidentes diferenças entre Grande Sertão: Veredas e O Senhor dos Anéis, ambos têm um sopro épico semelhante, ambos são a epopéia de um grupo pequeno de guerreiros do Bem enfrentando um grupo impiedoso de guerreiros do Mal.
Os “orcs” da Terra Média e os “hermógenes” que Riobaldo enfrenta nas batalhas sertanejas são personificações do Mal que um herói hesitante e problemático precisa derrotar.
Há muitos paralelos de detalhes que podem ser traçados entre as duas obras, mas mais importante do que isto é o espírito de nobre maniqueísmo medieval que os dois autores compartilhavam. O Bem existe. O Mal também. E é preciso pegar em armas para combater o Mal.
Bráulio Tavares
Riram porque pensaram que era piada, mas não era, era um mero exagero. A crítica literária brasileira, especialmente a que sofreu influência do Concretismo paulistano, sempre compara Rosa com Joyce; nunca vi ninguém compará-lo com Tolkien. E no entanto a obra dos dois tem imensas semelhanças, que me voltam à mente ao assistir o terceiro episódio da magnífica trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson.
Tanto Rosa quanto Tolkien imaginaram uma região mítica, fundada em suas vivências pessoais e em suas fantasias metafísicas.
O Sertão de Rosa é, para usar uma linguagem meio pedante, semanticamente realista (porque tudo ali é observado, é anotado em caderneta, é pesquisado junto aos mais-velhos: usos, costumes, lugares, plantas, bichos) mas sintaticamente mágico, porque os acontecimentos e os destinos dos personagens parecem orquestrados por potestades invisíveis.
Esse sertão que na superfície é tão mineiro, tão geográfico, tem uma escala épica que o transforma no campo de batalha entre as forças de Deus e as do Diabo.
Quanto a Tolkien, criou a Terra Média (Middle Earth), supostamente uma era remota no passado do nosso planeta, povoada por reis, guerreiros, e raças fantásticas (elfos, anões, orcs, trolls, etc.), que foram varridas da Terra depois que o Homem tornou-se o seu dono.
À primeira vista, o mundo de Tolkien é totalmente fantástico, mas basta ler uma biografia sua (especialmente a de Humphrey Carpenter) para ver como seu processo criativo era realista.
Tolkien compunha para seus reis árvores genealógicas inteiras, que se estendiam por milênios. Os elfos têm uma linguagem completa, toda inventada por ele (e falada pelos atores em trechos dos filmes). Seu cuidado ao descrever as aventuras de Frodo o fazia calcular desde a fase da lua em determinada noite até quanto tempo alguém levaria para ir a pé ou a cavalo de um lugar para outro (aspecto em que autores de romances não-fantásticos, como Walter Scott, muitas vezes se fazem de doidos).
Apesar das evidentes diferenças entre Grande Sertão: Veredas e O Senhor dos Anéis, ambos têm um sopro épico semelhante, ambos são a epopéia de um grupo pequeno de guerreiros do Bem enfrentando um grupo impiedoso de guerreiros do Mal.
Os “orcs” da Terra Média e os “hermógenes” que Riobaldo enfrenta nas batalhas sertanejas são personificações do Mal que um herói hesitante e problemático precisa derrotar.
Há muitos paralelos de detalhes que podem ser traçados entre as duas obras, mas mais importante do que isto é o espírito de nobre maniqueísmo medieval que os dois autores compartilhavam. O Bem existe. O Mal também. E é preciso pegar em armas para combater o Mal.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
Não digas nada
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”
As mulheres secas
As mulheres secas
não se banham,
só lavam suas caras sujas nas águas dos olhos,
é pra isso que choram, se entristecem e choram.
E quando a noite desanoitece
e o sol vem queimar o mundo,
é hora de rezar as velhas preces
é hora de rezar em vão, de juntar mais mágoas
que é para se entristecer e dar mais águas
nos olhos que são cacimbas de beber.
As mulheres secas bebem lágrimas!
tentando fazer leite nas muchibas magras, ocas
e não vem leite que dê pra tantas bocas,
dos meninos magros, secos
que só sugam nesses peitos, suor e sal.
As mães secas vivem de encantar meninos,
são enganadoras e prometem o céu que não têm
o leite que não vem,a chuva, o mingau.
As mulheres secas, pra enganar, dão até de sorrir
e escondem deles as suas dores, seus cansaços
e chupando seus peitos secos, embalados em seus braços,
mais um menino morre, sem ela nem sentir.
(Texto Joilson Kariri e desenho de José Pádua)
não se banham,
só lavam suas caras sujas nas águas dos olhos,
é pra isso que choram, se entristecem e choram.
E quando a noite desanoitece
e o sol vem queimar o mundo,
é hora de rezar as velhas preces
é hora de rezar em vão, de juntar mais mágoas
que é para se entristecer e dar mais águas
nos olhos que são cacimbas de beber.
As mulheres secas bebem lágrimas!
tentando fazer leite nas muchibas magras, ocas
e não vem leite que dê pra tantas bocas,
dos meninos magros, secos
que só sugam nesses peitos, suor e sal.
As mães secas vivem de encantar meninos,
são enganadoras e prometem o céu que não têm
o leite que não vem,a chuva, o mingau.
As mulheres secas, pra enganar, dão até de sorrir
e escondem deles as suas dores, seus cansaços
e chupando seus peitos secos, embalados em seus braços,
mais um menino morre, sem ela nem sentir.
(Texto Joilson Kariri e desenho de José Pádua)
domingo, 30 de julho de 2017
Nacional de Pombal vence a Seleção de Malta em jogo treino.
A fraca equipe da cidade de Malta-PB foi goleada por 6 x 0 pelo Nacional de Pombal, na tarde de ontem.
O jogo, na verdade, se transformou num treino ante a fragilidade da Seleção do adversário.
O Camaleão do Sertão enfrentará no próximo dia 06 de agosto o Nacional de Patos-PB, jogo válido pelo Campeonato Paraibano da 2ª Divisão.
Uma mulher foi presa em Tóquio por ter invadido a oficina de seu ex-marido — um luthier
— e quebrado 54 violinos, no valor de mais de US$ 1 milhão. O processo
de divórcio do casal já dura 3 anos. Ela é Midori Kawamiya, 34. A
identidade do luthier foi preservada. Ele é descrito como um norueguês de 64 anos.
Não sei o que ele terá feito para ela
reagir assim, mas sinto pelos violinos. Auxiliei a Elena na compra de um
instrumento. Soube que tenho bom ouvido, ouvia de perto, de longe,
avaliava a sonoridade de acordo com os 50 anos de consumo música erudita
que tenho nas costas. Falava sobre o som mais moderno, mais barroco,
etc.
Ela diz que fui fundamental. Espero ter sido porque acabei desenvolvendo amor pelos instrumentos comprados e pela profissão de luthier.
É preciso enorme paciência para aguentar as manias de gente que ouve
zumbidinhos e desconfia de que o seu som não chega até a esquina. Além
de emitirem opiniões incríveis sobre graves e agudos.
Então, considerando que o cara é um luthier,
sei que ele deve ter colado com cuidado milhares de peças, arrumado a
posição de 50 mil almas, trocado 100 mil cordas e crinas, e suportado as
manias de muitos violinistas.
E aí vem a mulher e quebra tudo.
A notícia é incompleta. O que teria feito o luthier para ela reagir assim? Dependendo, até viro de lado.
A melodia poética
(soneto de Rainer Maria Rilke)
A
poesia tem uma dimensão melódica que a aproxima da fala humana. Não da fala solta e desatenta dos instantes
banais, mas de uma fala transfigurada. Uma
fala que nasce também dos ritmos de nossa voz, mas da voz que usamos nos
momentos mais carregados de urgência, de emotividade, de concentração.
Comentando
a amizade literária entre o poeta norte-americano Robert Frost e o crítico
britânico Edward Thomas, Matthew Hollis observou:
Para esses dois homens [Frost e Thomas], a máquina que
move a poesia não é a rima nem sequer a forma, mas o ritmo, e o órgão pelo qual
ela se comunica é o ouvido que escuta, mais do que o olho que lê. Para Thomas e Frost isso acarretava uma
fidelidade mais à frase do que à contagem métrica, aos ritmos da fala mais do
que às convenções poéticas; uma fidelidade àquilo que Frost chamava de
“cadência”. Se você já ouviu pessoas
conversando por trás de portas fechadas, raciocinava Frost, você já deve ter
reparado que é possível entender o sentido geral de uma conversação mesmo
quando as palavras propriamente ditas são indistintas. Isto é porque as
entonações e as sentenças com que falamos estão carregadas de sentido, formando
um “significado sonoro”. É sobre esse
significado, desencadeado pelo ritmo da voz que fala, que a poesia se comunica
de maneira mais profunda. Thomas
escreveu certa vez: “Um homem não pode escrever melhor do que ele fala quando
alguma coisa o emocionou profundamente”.
Acho
que tudo isto deve ser considerado a sério quando falamos que a poesia tem
influência oral, da fala, etc. Muita
gente pensa que isto indica apenas que a poesia deve ser sempre coloquial,
informal, descontraída, parecida com o modo desconexo e descuidado como
falamos. Não é bem isso, ou melhor, não
é somente isso. A poesia deve se
aproximar da fala em todos os registros
da fala; em todas as maneiras com que somos capazes inclusive de imprimir à
fala (entre outras coisas) gravidade, tensão, emotividade, arrebatamento.
Como
se tivéssemos um telefonema de quinze segundos para comunicar algo muito
importante a alguém, mas em compensação pudéssemos preparar e ensaiar o que
dizer nesses 15 segundos durante o tempo que fosse necessário.
A
fala tem seu encantamento próprio; a mera vibração da voz humana é carregada de
sentido, e nos permite entender o que é dito mesmo quando, por trás de portas
fechadas, não percebemos as palavras, mas entendemos a urgência indicada por
aquela tensão.
Num
país estrangeiro, somos muitas vezes envolvidos em situações em que pessoas
estranhas se exprimem num idioma que desconhecemos. E conseguimos perceber
muito do que está sendo dito, porque existem naquelas vozes as correntes
subterrâneas de emoção que independem de idioma. E não me refiro a recursos
como mímica ou expressão facial; basta um telefonema. Basta ouvir rádio numa
língua desconhecida.
Basta
ouvir um recital de poesia em japonês, como já me aconteceu. Entendemos aquilo?
Não. Mas respondemos emocionalmente àqueles sons. O isomorfismo emocional entre
voz e ouvido faz com que aquela vibração sonora desperte em nós estados de
espírito próximos do que a produziu. A melancolia desperta a melancolia, a
raiva desperta a raiva, o medo o medo.
Ouvindo
pessoas que falam numa língua desconhecida, não é o sentido dicionarizado de
suas palavras que percebemos, é a urgência tonal e rítmica da voz, suas ênfases,
suas pausas, a dinâmica que a faz subir e baixar de volume. Tudo isto produz a
emoção melódica com que a voz humana nunca deixa de nos atingir.
T.
S. Eliot dizia:
A poesia não deve derivar para muito longe da nossa
linguagem ordinária, cotidiana, a que usamos e que ouvimos. Que seja ela acentual ou silábica, rimada ou
sem rimas, formal ou livre, ela não pode se dar o luxo de perder o contato com
as formas mutáveis do discurso coloquial. (...)
Cada revolução na poesia acaba resultando, e muitas vezes assim se proclama,
num retorno à fala comum.
Existe
uma espécie de cordão umbilical ligando a poesia discursiva à fala. Isto talvez
explique a tensão em duas fronteiras conflagradas que a poesia mantém com
outras formas de expressão.
A
primeira é a fronteira entre a poesia discursiva e a poesia visual. É um
cabo-de-guerra entre o ouvido e o olho. Principalmente depois da invenção da
imprensa brotaram movimentos explorando o lado gráfico da poesia, muitas vezes
em detrimento de seu lado discursivo. São
os caligramas da poesia barroca ou dos vanguardistas do século 19 como
Apollinaire; são os poemas concretos e o poema processo do século 20, todas as
experiências em que a forma visível das letras e das palavras e das frases se
sobrepõe a sua carga original de significado.
Quando isto acontece, o leitor de poesia formado pela poesia discursiva
sente-se pouco à vontade, porque enxerga naquilo uma perda da melodia poética,
um afastamento da voz e do ouvido. São
poemas que é praticamente impossível (ou inútil) ler em voz alta para alguém
que não os vê. Quando a poesia começa a ser feita para a página e para o olho,
afasta-se desse murmúrio de vozes humanas que lhe deu origem.
A
outra fronteira belicosa é a que a poesia mantém com a canção, com a letra de
música. No caso da canção, o leitor volta a pressentir uma perda da melodia
original da fala, só que desta vez pela interferência de uma melodia externa,
invasiva, uma melodia autoritária que quer se afirmar como única leitura
melódica possível.
Por
mais que a melodia de uma canção se aproxime das melodias espontâneas de nossa
fala, ela será sempre uma melodia formalizada e especificamente musical, e
dessa forma é como se obrigasse a fala a uma sujeição pouco confortável. Como se a melodia da fala, tão livre e
não-planejada, tivesse que ceder lugar a uma melodia mais deliberada, mais
poderosa, uma melodia de natureza estrangeira à fala.
Percebemos
isso quando lembramos de verbos tão próximos quando cantar e cantarolar.
Cantar pressupõe uma intenção clara, um esforço, uma técnica, mesmo uma técnica
amadorística. A pessoa que canta está fazendo um esforço consciente para se
aproximar daquela melodia formalizada que a canção traz em si. Já a pessoa que
cantarola está mais perto da fala. Cantarolar é repetir a canção de um maneira
mais leve, descontraidamente imperfeita, sem compromisso, meio que fugindo a
essa melodia pronta que a canção traz consigo. Cantarolar é tentar ir de volta
para a melodia da fala, a melodia de quem está dizendo alguma coisa com uma
certa musicalidade, mas sem se preocupar em obedecer demais à música extra-fala
que vem colada à canção.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
(um versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada
na revista Língua Portuguesa (ed. Segmento, São Paulo, # 73, novembro de
2011)
Nas mulheres jovens, a beleza supre o espírito. Nas velhas, o espírito supre a beleza.
Tão Linda e Serena e Bela
Tão lenta e serena e bela e majestosa
vai passando a vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosas a coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção
A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
Ou, quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros truques mecânicos!
Mário Quintana
Fonte: aqui
vai passando a vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosas a coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção
A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
Ou, quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros truques mecânicos!
Mário Quintana
Fonte: aqui
Os deslimites da palavra
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.
Manoel de Barros
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.
Manoel de Barros
Versículos do dia
Com o silêncio fiquei mudo; calava-me mesmo acerca do bem, e a minha dor se agravou. Salmos 39:2
De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim. Tiago 3:10
sábado, 29 de julho de 2017
Perguntem ao zelador
José Afonso Pinheiro, 47 anos, zelador, foi demitido de sua
função no edifício Solaris, porque prestou depoimento ao Ministério
Público relatando ser do conhecimento geral que o triplex 164-A era de
propriedade de Lula.
É apenas um pequeno drama de um desempregado a mais, num total de 14% de brasileiros desempregados. Ninguém se preocupa com ele. A
diferença é que José Afonso não foi demitido pela crise econômica e sim
porque procurou colaborar com uma investigação criminal, cumprindo um
dever cívico a que muitos se esquivariam.
Enquanto isso, a esquerda artística do país, doente de uma cegueira patológica, como é o caso de Chico Buarque de Holanda ou Caetano Veloso, ou então, órfã
dos empréstimos a fundo perdido da Lei Rouanet, tão facilmente
distribuídos pelo governo lulista, já se agita contra a condenação de
Lula e os ideólogos profissionais do partido, bem remunerados, manipulam
seu público.
A verdade é que a sentença de Sergio Moro é um primor de objetividade e clareza. É preciso lê-la. A conclusão está amparada com solidez em todos os argumentos que foram considerados. Não
se pode lutar contra os fatos, mas para a visão distorcida dos
lulistas, apenas a confissão dele serviria como prova, e mesmo assim,
exigiriam o perdão judicial pelo bem que fez ao Brasil… Os fatos, esses são irrelevantes.
Essa gritaria só mostra o grau de nossa incivilidade. Mais de 13 anos de aparelhamento do Estado produziram um grande estrago. Toda
uma geração foi afetada pela retórica que recobria esse assalto às
instituições. O resultado foi esse fascismo de esquerda, a hostilização
da Justiça que pune corruptos, a Justiça passa a ser o inimigo. Sempre há um inimigo no populismo. Não haverá tréguas à Justiça, embora todo lulista assaltado na rua queira a cabeça do ladrão.
O advogado de Lula, agora, perdeu completamente o pudor. Ofende
publicamente o juiz, sente-se coberto ele próprio pela impunidade que o
prestígio político de seu cliente lhe dá. É um sobrevivente da
advocacia sem ética. Quer buscar justiça na ONU, mas a opinião pública
internacional sabe muito bem do que trata a Operação Lava-Jato e sabe a
posição de Lula nesse contexto. Pode falar em lawfare à vontade, porque
os investidores americanos sentiram na pele os efeitos do Petrolão e
sabem quem governava o país na época. Essa retórica não engana mais ninguém.
Lula faz parte da história do Brasil. Depois de morto e à
medida que a História se afastar das paixões, será lembrado como um
corrupto populista, como alguém que elevou a corrupção ao modelo
político de gestão de Estado, em proporções nunca vistas na história da
humanidade.
É com isso que ele deveria estar preocupado, com o seu julgamento póstumo e não com essa atitude farsesca de inocência. Por causa dele, um brasileiro simples e pai de família, perdeu o emprego.
Todo o meu respeito a José Afonso Pinheiro.
Hélio David Vieira Figueira, Juiz de Direito
Outro dia me pus a pensar que sou semelhante
às mulheres da literatura de Érico Veríssimo,
as mesmas que enquanto os homens ocupavam da guerra,
elas se ocupavam do tempo e do vento.
Eu não tenho muitas definições a meu respeito;
apenas respeito a dor de cada hora,
a esperança de cada momento.
E se isso me define, então sou a dor que sabe esperar.
(...) Enquanto houver vida, as possibilidades existirão.
Cada um se ocupa do que pode.
Eu ainda me ocupo das mesmas esperanças que
as Mulheres de Atenas(...)
às mulheres da literatura de Érico Veríssimo,
as mesmas que enquanto os homens ocupavam da guerra,
elas se ocupavam do tempo e do vento.
Eu não tenho muitas definições a meu respeito;
apenas respeito a dor de cada hora,
a esperança de cada momento.
E se isso me define, então sou a dor que sabe esperar.
(...) Enquanto houver vida, as possibilidades existirão.
Cada um se ocupa do que pode.
Eu ainda me ocupo das mesmas esperanças que
as Mulheres de Atenas(...)
O culpado é sempre o carbono ou o mordomo
Nas histórias policiais é o mordomo sempre o culpado. Uma leitora
assídua escreveu me sobre a crônica: "Papel carbono", dias atrás,
contando que um marido escrevia cartas de amor para a amante, com cópias
em papel carbono. Certo dia a esposa descobriu as cópias escondidas.
Mais uma vez o carbono foi o culpado. Amante descuidado. "... esse foi o
princípio da decadência de um homem acima de qualquer suspeita".
Eduardo P. Lunardelli
A vida é sonho
É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
Calderón de la Barca
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
Calderón de la Barca
As novas notas de dez libras no Reino Unido: sai Charles Darwin e entra Jane Austen
As atuais notas de 10 pounds são assim:
As futuras terão Jane Austen no verso. Nada contra o enorme Charles Darwin, claro.
Abaixo da imagem dela, uma pequena frase sobre o ato da leitura.
Milton Ribeiro
As futuras terão Jane Austen no verso. Nada contra o enorme Charles Darwin, claro.
Abaixo da imagem dela, uma pequena frase sobre o ato da leitura.
Milton Ribeiro
Como descobri que não sou fã de nada
Não foi propriamente assim
que aconteceu. Estou apenas traçando uma versão mais aerodinâmica, para
simplificar o relato.
Eu estava num evento
ligado a Bob Dylan, abertura de uma exposição em São Paulo dedicada ao bardo de
Minnesotta. Teve DJ, teve som ao vivo, teve um coquetel. Eu conversava numa
roda de conhecidos, e de repente me vi diante de uma moça simpática, jovem, que
falava de um jeito que eu achei bem interessante. O diálogo era a respeito de
alguma outra coisa, mas a certa altura ela perguntou:
– E você, é fã de Dylan?
– Claro – eu respondi.
– Diga sua música
preferida. Não!... Ninguém tem uma só, todo mundo tem muitas. – Eu já achei
inteligente essa ressalva, e me animei todo. – Diga uma que você gosta.
Puxei de uma cartola
qualquer um coelho aleatório.
– “Desolation Row”.
Os olhos dela se
iluminaram.
– Que maravilha! Eu
também. Deixe ver... você gosta mais das versões antigas tipo Royal Albert Hall
e Dublin, ou das mais recentes, tipo Locarno, Oslo...?
Comigo não tem tempo ruim,
de modo que eu dei um gole da bebida e respondi, na cara de pau:
– Eu acho que eu gosto da
versão original, do disco.
Ela me olhou com um misto
de dó, magnanimidade e irrisão. E disse:
– Ah. Então você não é um
fã. Você é um ouvinte casual.
O país das artes é vizinho
do país das religiões, e o trânsito através de suas fronteiras, em ambas as
direções, é intenso. Às vezes a gente pensa que está num deles, e quando vê,
todo mundo em volta está falando o idioma do outro.
O fã não é alguém que se
limita a gostar, é alguém que desenvolve um culto voraz. Camões dizia, erradamente
ao meu ver, que “transforma-se o amador na coisa amada”. Eu acho que o amador,
e o fã nada mais é que isto, transforma o mundo na coisa amada. Pra onde ele se
vira, só enxerga aquilo.
O fã transforma a coisa
amada num labirinto fractal onde cada detalhe se subdivide e se supermultiplica
em um milhão de outros. Não basta ser fã de (vá lá) Camões. É preciso rastrear
todas as versões que o soneto de Jacó e Labão já teve, é preciso saber na ponta
da língua todos os endereços onde o poeta pendurou seu casaco, é preciso
colecionar memorabilia, é preciso ter uma coleção de perguntas de algibeira
para dinamitar as pretensões dos incautos.
Lembro do saudoso crítico
de cinema André Setaro, de Salvador, meu parceiro etílico e meu contemporâneo,
que assinava críticas na Tribuna da Bahia
quando eu fazia o mesmo, com mais rapidez e menos perspicácia, no Correio da Bahia.
Um dia entro eu num
daqueles velhos cinemas nos arredores do Pelourinho para assistir, se não me
engano, Trama Macabra, o derradeiro
filme de Hitchcock, quando esbarro com Setaro. Cruzei a cortina e encontrei-o
de pé, junto àquele tradicional balcão de metro e meio de altura que protegia a
fila mais afastada da tela. Conversamos ali enquanto iam sendo exibidos o Canal
100 e os trailers. Quando surgiu a ponteira indicativa do filme, falei:
– É o filme agora. Bora
sentar?
Ele me olhou com cara de
fã ofendido e disse apenas:
– Filme de Hitchcock
assiste-se de pé, em sinal de respeito.
E fê-lo. Talvez só o tenha
feito porque sentei poucas filas à frente e o fiquei vigiando com o rabo do
olho, e ele então não teve outro jeito senão manter a pose; mas fê-lo, ora que
diabo.
O fã se confunde muitas
vezes com o colecionador, porque uma coisa conduz à outra com a mesma fluidez com que ser noivo conduz a ser
marido. O colecionador é um cara que casou com uma missão, e muitas vezes essa
missão nem é um ser específico, com cara na foto e nome no cartório; é um mero
conceito abstrato.
Meu pai tinha um amigo que
colecionava qualquer exemplar de qualquer periódico, desde que fosse o “ano 1,
número 1”. De tudo que saía em Campina, Seu Nilo comprava um exemplar e remetia
para esse cidadão, cujo nome minha incúria não guardou para a posteridade. E se
considerarmos o índice de mortalidade infantil das publicações brasileiras, as
literárias em especial, penso nas raridades valiosíssimas que ele terá
amealhado no correr das décadas.
Porque existe um mercado
subterrâneo para alimentar o fã-colecionador. Algum tempo atrás eu estava
bebendo no Amarelinho da Cinelândia, numa mesa grande onde havia um ou dois
amigos e outros caras que conheci na hora. Passou uma garota lindinha, meio
hippie, distribuindo filipetas de shows de rock que ia haver no Teatro Odisséia
e no Circo Voador. Um cara ao meu lado chamou a garota e pediu uma filipeta de
cada e pôs na mesa, junto do pacotinho de amendoim. Estranhei um pouco porque o
cara tinha jeitão de quem gosta de ver shows de Dona Ivone Lara, não do Macaco
Bong.
– Você vai ver esses
shows? – perguntei.
Ele deu um gole do chope,
leu com atenção todas as filipetas, e guardou no bolso da jaqueta, enquanto
respondia:
– Eu não vejo os shows, eu
coleciono isso.
– Você é fã de rock?
– Eu mesmo não – disse. –
Mas conheço fã de rock. No ano passado eu vendi uma filipeta dessa, do primeiro
show dos Paralamas do Sucesso, por cinco mil reais.
Como disse um economista
amador, demanda gera oferta e oferta gera demanda. Um rabisco a carvão feito
por Van Gogh, cujo valor estético roça o zero, é vendido por milhões de dólares
para um fã que vai... expô-lo no Metropolitan? Não, trancá-lo num cofre, junto
com a certeza de possuí-lo.
Diante disso, nós,
“ouvintes casuais” (não, não esqueci, moça, continua encravado, e doendo) temos
apenas que nos recolher à carapaça da nossa ignorância e prosseguir rastejando
no chão desse oceano de possibilidades. Por mais que a gente pense que ama Luís
Buñuel ou The Incredible String Band ou Ellery Queen sempre vai aparecer à
nossa frente um indivíduo blasé perguntando se a gente sabe a marca de talharim
que o ídolo preferia.
Um rapaz estava numa festa
na mansão da família de um amigo de faculdade. Lá pelas tantas, começou a
conversar com a avó do amigo, uma senhora setentona, simpática, boa de papo. Depois
de alguns minutos, a senhora suspirou e disse:
– Mas o que é isso, o
senhor tão jovem, a festa cheia de gente jovem, e eu aqui lhe incomodando... Vá
circular, se divertir.
– Qual nada – acudiu ele
de imediato. – Estou gostando muito de conversar com a senhora.
– Ninguém da família
conversa comigo – confidenciou ela. – Eles dizem que eu sou doida.
– Não é possível. A
senhora, tão lúcida, tão inteligente. Por que eles dizem isso?
– Porque eu gosto muito de
pão-de-ló.
O moço se surpreendeu:
– Pão-de-ló? Mas isso não
tem nada de mais. Eu também adoro pão-de-ló.
Os olhos da madame chamejaram
e ela cravou no braço dele cinco dedos de ferro:
– Então vamos lá em cima
no meu quarto. Eu tenho vinte e cinco malas cheias de pão-de-ló.
Ela era uma fã.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
"No
dia que for possível à mulher amar em sua força e não em sua fraqueza,
não para fugir de si mesma, mas para se encontrar, não para se
renunciar, mas para se afirmar, nesse dia o amor tornar-se-á para ela,
como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal".
Simone de Beauvoir
BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo Vol 2: A Experiência Vivida, Difusão Europeia do Livro, 1967.
Carta aberta dos Pediatras para o Ministro da Saúde, Ricardo Barros
Exmo. Senhor Ministro Ricardo Barros,
A
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), entidade que representa 35 mil
pediatras que atuam no País, cerca de 70% no atendimento de crianças e
adolescentes na rede pública, tem ciência dos meandros políticos de sua
indicação para ocupar o cargo do mais alto escalão na gestão do Sistema
Único de Saúde (SUS) e, continuamente, tem colocado especialistas à
disposição do Governo Federal na tentativa de encontrar respostas para
os históricos problemas que afetam o SUS, em todos os níveis de
complexidade.
Esse
é o compromisso que guia a SBP, independentemente de questões políticas
ou ideológicas: contribuir para a melhoria da oferta do atendimento em
saúde para a população. Contudo, é impossível para nós, pediatras,
ficarmos calados diante de afrontas propositais, resultado de
comentários e insinuações que nem de longe refletem a realidade da
assistência no País.
A
pediatria brasileira expressa, assim, sua profunda indignação com essa
estratégia clara de promover polêmicas e lançar sobre os ombros dos
médicos a responsabilidade pelas falhas da gestão do SUS, nas esferas
federal, estadual e municipal. Contudo, ao contrário de frases de cunho
pejorativo, os dados do próprio Ministério da Saúde comprovam a
impertinência da generalização infundada.
Senhor
Ministro, os médicos brasileiros, em particular os pediatras, “não
fingem trabalhar”, conforme sua declaração pública. Eles trabalham, sim,
e muito. Em 2016, foram realizadas mais de 43 milhões de consultas
pediátricas, ou seja, cada pediatra que atua na rede pública respondeu,
em média, por 1,8 mil atendimentos no período. No ano passado, o SUS
também contabilizou quase 1,9 milhão de partos (normais e cesáreos),
sendo a grande maioria deles acompanhados diretamente por pediatras.
A
pediatria – e todas as suas áreas de atuação – está presente nas
diferentes fases do atendimento de crianças e adolescentes, com ênfase
na atenção básica. Historicamente, tem participado dos grandes programas
nacionais, tais como campanhas de imunização, de nutrição, entre
outros. Tal comprometimento é responsável pela significativa melhora dos
indicadores de saúde.
Senhor
Ministro, não se pode responsabilizar os médicos pela falta de
infraestrutura nos postos de saúde e nos hospitais; pelo
desabastecimento de insumos e medicamentos; pela dificuldade de acesso a
exames, de forma particular aos de média e alta complexidade; pelo
déficit de 10 mil leitos de internação pediátrica, fechados entre 2010 e
2016.
O
SUS está doente e queremos sua recuperação. Lutamos para mantê-lo vivo e
ativo todos os dias e não aceitamos que transformem essa agonia numa
pauta de interesse político. Continuaremos a fazer nossa parte. Nós,
pediatras e demais médicos, manteremos nosso trabalho porque os
pacientes precisam de nós.
Contudo,
Senhor Ministro, basta de provocações. Exigimos valorização e respeito
pelo nosso compromisso permanente com a saúde, o qual não se pauta por
interesses outros que não a vida e o bem-estar de milhões de
brasileiros.
Rio de Janeiro, 17 de julho de 2017.
Há 83 anos morria o patriarca do Juazeiro
Cícero fez sua viagem derradeira. Foi inicialmente publicado no jornal
"O Semeador" e depois tomou outros órgãos de imprensa e também a
literatura, como um dos melhores livros sobre o religioso, "Padre
Cícero" de Lira Neto. Diz o texto:
O texto a seguir, uma carta do caixeiro viajante LOURIVAL MARQUES, que estava da "Meca Sertaneja" no dia em que Padre
Acordei pelo tropel de gente que corria pela rua. Fiquei sem saber a
que atribuir aquelas carreiras insólitas. Quando cheguei à janela tive a
impressão de que alguma coisa monstruosa sucedia na cidade. Que
espetáculo horroroso, esse de milhares de pessoas alucinadas, correndo
pelas ruas afora, chorando, gritando, arrepelando-se... Foi então que se
soube... O Padre Cícero falecera... Eu, sem ser fanático, senti uma
vontade louca de chorar, de sair aos gritos, como toda aquela gente, em
direção à casa desse homem, que não teve igual em bondade e nem teve
igual em ser caluniado.
Um caudal de mais de 40 mil pessoas atropelava-se, esmagava-se na ânsia de chegar à casa do reverendo. O telégrafo transbordava de pessoas com telegramas para expedição, destinados a todas as cidades do Brasil. Para fazer idéia, é bastante dizer que só em telegramas, calcula-se ter gasto alguns contos de réis. Logo que os telegramas mais próximos chegaram ao destino, uma verdadeira romaria de dezenas de caminhões superlotados, milhares e milhares de pessoas a pé, marcharam para aqui. “Joaseiro” viveu e está vivendo horas que nem Londres, nem Nova Iorque viverão jamais... O povo, uma onda enorme, invadiu tudo, derrubando quem se interpôs de permeio, quebrando portas, passando por cima de tudo. Pediu-se reforço à polícia, mas o delegado recusou, alegando que o Padre era do povo e continuava a ser do povo.
Arranjaram, no entanto, um meio de colocar o cadáver exposto na janela, a uma altura que ninguém pudesse alcançar e, durante todo o dia, várias pessoas encarregaram-se de tocar com galhos de mato, rosários, medalhas e outros objetos religiosos, no corpo, a fim de serem guardados como relíquias. Milhares de pessoas continuavam a chegar de todos os pontos, a pé, a cavalo, de automóvel, caminhão, de todas as formas possíveis.
Quatro horas da tarde... Surge no céu o primeiro avião do exército. Depois outro. Lançam-se de ponta para baixo, em voos arriscadíssimos, passando a dois metros do telhado da casa do Padre Velho. Duram muito tempo os voos. É a homenagem sentida que os aviadores prestam ao grande vulto brasileiro que cai... Desceram depois no nosso campo, vindo pessoalmente trazer uma riquíssima coroa, em nome da aviação militar.
A cidade é uma colméia imensa; colméia de 60 mil almas, aumentada por mais de 20 mil, que chegaram de fora. Nenhuma casa de comércio, de gênero algum, barbearias, cafés, bares, nada abriu. A Prefeitura decretou luto oficial por três dias. O mesmo imitaram as cidades do Crato, Barbalha e outras. Todas as sociedades e sindicatos têm o pavilhão nacional hasteado a meio-pau com uma faixa negra, em funeral.
Foi mantida a grafia original do texto
Um caudal de mais de 40 mil pessoas atropelava-se, esmagava-se na ânsia de chegar à casa do reverendo. O telégrafo transbordava de pessoas com telegramas para expedição, destinados a todas as cidades do Brasil. Para fazer idéia, é bastante dizer que só em telegramas, calcula-se ter gasto alguns contos de réis. Logo que os telegramas mais próximos chegaram ao destino, uma verdadeira romaria de dezenas de caminhões superlotados, milhares e milhares de pessoas a pé, marcharam para aqui. “Joaseiro” viveu e está vivendo horas que nem Londres, nem Nova Iorque viverão jamais... O povo, uma onda enorme, invadiu tudo, derrubando quem se interpôs de permeio, quebrando portas, passando por cima de tudo. Pediu-se reforço à polícia, mas o delegado recusou, alegando que o Padre era do povo e continuava a ser do povo.
Arranjaram, no entanto, um meio de colocar o cadáver exposto na janela, a uma altura que ninguém pudesse alcançar e, durante todo o dia, várias pessoas encarregaram-se de tocar com galhos de mato, rosários, medalhas e outros objetos religiosos, no corpo, a fim de serem guardados como relíquias. Milhares de pessoas continuavam a chegar de todos os pontos, a pé, a cavalo, de automóvel, caminhão, de todas as formas possíveis.
Quatro horas da tarde... Surge no céu o primeiro avião do exército. Depois outro. Lançam-se de ponta para baixo, em voos arriscadíssimos, passando a dois metros do telhado da casa do Padre Velho. Duram muito tempo os voos. É a homenagem sentida que os aviadores prestam ao grande vulto brasileiro que cai... Desceram depois no nosso campo, vindo pessoalmente trazer uma riquíssima coroa, em nome da aviação militar.
A cidade é uma colméia imensa; colméia de 60 mil almas, aumentada por mais de 20 mil, que chegaram de fora. Nenhuma casa de comércio, de gênero algum, barbearias, cafés, bares, nada abriu. A Prefeitura decretou luto oficial por três dias. O mesmo imitaram as cidades do Crato, Barbalha e outras. Todas as sociedades e sindicatos têm o pavilhão nacional hasteado a meio-pau com uma faixa negra, em funeral.
Foi mantida a grafia original do texto
Que são os homens mais que aparências
de teatro? A vaidade e a fortuna governam a farsa desta vida. Ninguém escolhe o
seu papel, cada um recebe o que lhe dão, aquele que sai sem fausto nem cortejo
e que logo no rosto indica que é sujeito a dor, a aflição, a miséria, este é o
que representa o papel de homem. A
morte, que estar de sentinela, numa das mãos segura o relógio do tempo, na
outra, a foice fatal, e com esta, de um só golpe, certeiro e inevitável, dar
fim a tragédia, fecha a cortina e desaparece.”
*Matias Aires, maior filósofo da língua portuguesa do Séc. XVIII
Matias Aires Ramos da Silva de Eça (em grafia antiga, Mathias
Ayres Ramos da Silva d'Eça) (São Paulo, 27 de março de 1705 — Lisboa 10
de dezembro de 1763) foi um filósofo e escritor de nacionalidade
portuguesa nascido no Brasil colônia.
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