"As perdas e a morte fazem parte do
desenvolvimento humano desde o nascimento até o fim da vida. A criança
pequena pode viver experiências de morte, mas ainda não sabe que da
morte ninguém volta, e que essa acontece com pessoas queridas (pais,
avós, amiguinhos, animais de estimação). Por isso são importantes
esclarecimentos e a acolhida dos sentimentos. Os adultos familiares
(pais, tios, avós, professores) são modelos para criança, um porto
seguro. Essas primeiras experiências deixarão marcas profundas na vida
de cada um de nós.
No estágio pré-operacional, segundo Piaget, a
criança percebe a morte como um acontecimento temporário, que pode ser
revertido, que é possível morrer 'só um pouquinho'. Filmes, revistas e
desenhos reforçam esse conceito."
"Crianças apresentam
pensamentos mágicos, acreditando que o que pensam ou desejam pode
ocorrer. Se ocorrer uma morte, podem ter a idéia de que esse fato está
relacionado com seu desejo ou pensamento. Se pais ou irmãos morrem, a
criança pode se culpar. Elas ainda não sabem que da morte não há volta.
Fazem perguntas sobre onde está a pessoa morta, se podem encontrá-la e
também se vão morrer. Para os pais, que vivem seus processos de luto,
ouvir e responder a essas perguntas pode ser uma tarefa difícil. Tentam
evitá-la, afirmando que a criança vai sofrer ou não entender. A maneira
de lidar com o sofrimento de forma construtiva não é evitá-lo, e sim
favorecer a conversa, compartilhando os sentimentos.
A criança
percebe quando ocorreu uma morte, e não falar sobre ela pode provocar
medo, insegurança. O uso de metáforas para explicar a morte deve ser
evitado. Exemplificando: falar da morte como 'sono eterno' pode causar
incompreensão, porque se confunde com o sono diário, o mesmo ocorre
quando se fala da morte como 'viagem eterna', comparada com as viagens
de fim de semana, com ida e volta. O que tem como objetivo diminuir a
dor pode causar dificuldades de compreensão.
Crianças mais velhas já compreendem que a morte é irreversível e universal principalmente se já viveram experiências pessoais.
Luto é definido com processo de elaboração de perdas vividas e faz
parte da existência humana desde o seu início. A mãe é a principal
figura de apego do bebê, e a criança a procura quando está com fome,
cansada, com medo ou quando se sente insegura. Existem relações mãe-bebê
em que há confiança e carinho, e a criança explora o ambiente, tendo a
mãe como base segura. Há relações em que a mãe tem dificuldades de
atender às necessidades do seu bebê, sem contato carinhoso e sem
expressar suas emoções. Os bebês choram, ficam irritados nessa condição.
Essas experiências se tornarão presentes quando ocorrerem as primeiras
perdas do desenvolvimento.
Crianças vivem processos de luto como
os adultos, necessitam de acolhimento e cuidado. Podem apresentar
distúrbios de alimentação, sono e alterações de comportamentos na
escola. É um erro considerar que crianças não percebem quando ocorrem
mortes e que por isso se deve agir como se nada tivesse acontecido.
Outra falsa crença é a de que as crianças superam facilmente as perdas,
distraindo-se com brincadeiras. Assim, a criança aprende que deve
ocultar seus sentimentos. Falar, explicar, esclarecer não retira a dor,
mas permite que a criança possa recorrer àquelas pessoas com as quais se
sente mais segura. Crianças podem participar de velórios e enterros
como membro integrante da família.
O que dizer quando a criança
pergunta se vai morrer, o que dizer quando está doente e observa que
companheiros de quarto ou enfermaria desaparecem e não voltam? É
importante clareza e sensibilidade para perceber as necessidades de
acolhimento e cuidados e o que a criança está pedindo nesse momento.
O corpo mostra sinais, e as mudanças no comportamento trazem indícios
do que está ocorrendo. A criança preocupada com o que percebe, busca nas
pessoas à sua volta a confirmação de suas impressões. Fingir que está
tudo bem fazendo com que as palavras comuniquem uma coisa, e o corpo
expresse outra, pode instalar um sentimento de incerteza, dúvida e
isolamento. Tampouco o silêncio permite que se compartilhem os
sentimentos, as dúvidas e as questões de quando a morte se aproxima.
Essa situação é conhecida como conspiração do silêncio.
Trata-se
de 'teatro de má qualidade', no qual o conteúdo expresso em palavras não
é consistente com o que o corpo e os olhos manifestam, já que esses são
mais dificilmente controlados.
Crianças à morte querem ser
asseguradas de que não serão esquecidas, que permaneçam na lembrança de
quem amam, principalmente quando não estiverem entre eles. Mais do que a
morte, existe o medo da separação e do abandono, nessas situações
buscam a presença constante da mãe ou pessoas familiares. Crianças
enfermas necessitam de explicações claras sobre o que está sendo feito
no hospital, já que a internação é uma situação difícil com afastamento
da família e de amigos.
Quando pensamos em cuidado, devemos
considerar a comunicação, escutar as necessidades da criança enlutada de
forma atenta, facilitar a expressão de sentimentos sem censura e
julgamentos prévios, incluindo os irmãos saudáveis na comunicação, nos
cuidados com as crianças doentes. Elas precisam ser ouvidas nos seus
medos, possibilidades de identificação, culpa, sentimentos ambivalentes
em relação ao irmão enfermo, entre os desejos de recuperação e de morte,
já que frequentemente o irmão enfermo rouba a atenção dos pais.
Gostaríamos de destacar a importância da escola no cuidado dispensado
às crianças que sofreram perdas de pessoas próximas. Cada vez mais a
morte é assunto também na escola, já que a morte faz parte do cotidiano
das crianças, ela está presente na comunidade, em casos de homicídios,
acidentes e suicídios, casos de morte 'escancarada' que não podem passar
despercebidos no diálogo do ambiente escolar. Esse tipo de morte ocupa
espaços, penetra na vida das pessoas a qualquer hora, dificultando a
proteção e controle das consequências, as pessoas ficam expostas e sem
defesas, além de ser brusca, inesperada e invasiva.
Outra forma
de morte escancarada ocorre em programas de auditório, novelas,
noticiários, invadindo lares a qualquer hora, inclusive durante as
refeições em família. São cenas chocantes, repetidas com textos
superficiais e depoimentos emocionados, acompanhados de notícias amenas
ou de propaganda. Filmes, desenhos animados trazem imagens fantásticas
de violência, de morte como se essa fosse espetáculo.
A psicoterapia para crianças, também conhecida como ludoterapia, utiliza desenhos e atividades lúdicas, já que a fala ainda é difícil para que elas expressem seus sentimentos. Os livros também são importantes para ajudar a elaborar o luto. Em muitas histórias, a criança pode se identificar com os processos vividos pelos personagens. A indicação deve ser feita com cuidado e não substitui o contato com pessoas, mas podem ser excelentes complementos, principalmente quando as histórias são lidas e compartilhadas com outras crianças e adultos como aponta Rubem Alves na introdução de vários dos livros que escreveu para crianças. Filmes que abordam o tema da morte e do adoecimento podem ser utilizados nas escolas e pelas famílias. Há clássicos como Bambi, Rei Leão e Rochedo Gibraltar.
A psicoterapia para crianças, também conhecida como ludoterapia, utiliza desenhos e atividades lúdicas, já que a fala ainda é difícil para que elas expressem seus sentimentos. Os livros também são importantes para ajudar a elaborar o luto. Em muitas histórias, a criança pode se identificar com os processos vividos pelos personagens. A indicação deve ser feita com cuidado e não substitui o contato com pessoas, mas podem ser excelentes complementos, principalmente quando as histórias são lidas e compartilhadas com outras crianças e adultos como aponta Rubem Alves na introdução de vários dos livros que escreveu para crianças. Filmes que abordam o tema da morte e do adoecimento podem ser utilizados nas escolas e pelas famílias. Há clássicos como Bambi, Rei Leão e Rochedo Gibraltar.
Estas são algumas das propostas que permitem
que a morte, numa sociedade que a nega, possa ser mais bem compreendida
por crianças vivendo situações de perda e morte."
Por Maria Júlia Kovács
Fonte: KOVÁCS,
Maria J. Falando de morte com crianças. psico.usp: a revista sobre
pesquisas do Instituto de Psicologia da USP/ IPUSP, São Paulo, n.2/3,
p.170-173, 2016.
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