Terminei aquela ensolarada manhã com a alma leve e a impressão de que, além de praticar uma boa ação, ainda encontrara assunto para esta crônica bizarra
Ela estava sentada no degrau de uma loja fechada de Ipanema, com um
menino no colo. Não tinha o estereótipo de uma pedinte, mas não sei por
que, talvez pelo olhar, achei que estava precisando de alguma coisa,
tanto que, ao sair da farmácia, resolvi oferecer-lhe o troco de minha
compra.
Mas, temendo ofender seu amor próprio com o que poderia parecer esmola,
disfarcei, já que era o Dia da Criança: “É pra comprar um brinquedinho
pra ele”, disse, iniciando conversa. Ela morava em Jacarepaguá, tinha 36
anos e o filho, Rafael, 3. Perguntei se precisava de alguma coisa: “Só
de fralda descartável pra ele”.
Voltei à farmácia e, quando expliquei o que se passava à balconista que
me atendera, ela acabou me aconselhando a não fazer aquilo; a cena era
comum ali: “Eles vendem pra comprar droga. Menino de 3 anos não usa mais
fralda”. Decepcionado com a revelação, fugi pelo lado contrário em que
se encontrava a mulher, não queria saber mais dela.
No caminho, porém, fui perseguido por uma estranha sensação de
mesquinhez e covardia. Me perguntava: e se aquela jovem infeliz, que
parecia tão sincera comigo e com um rosto tão sofrido, quisesse mesmo as
fraldas não para alimentar um suposto vício e, sim para o Rafa (já
estava íntimo do menino)?
Em casa, contei pra minha mulher como estava me sentindo culpado. O que
me custava ter comprado as fraldas? A vontade era voltar. Mas desisti
quando ela lembrou que já tinha ouvido falar nesse golpe de falsos
mendigos agindo no bairro. Nesse momento, tirei da sacola o remédio que
fora comprar e descobrimos o engano: em vez de arnica em pomada contra a
dor muscular, eu comprara em spray, que não servia para massagem.
Tinha que trocar. Não seria um “sinal” para me livrar da culpa? Não
acredito, mas de qualquer maneira voltei à farmácia pela terceira vez em
menos de uma hora. A atendente já não aguentava mais aquele freguês
recorrente. Pedi desculpas e expliquei que, apesar de sua advertência,
eu resolvera levar as fraldas. “Tudo bem, apenas fiz a minha parte”,
conformou-se.
Peguei então o pacote com as 18 peças descartáveis tamanho 3G e fui
entregar a quem delas precisava, fazendo questão de lhe contar tudo o
que ouvira. “É verdade”, ela me surpreendeu, “muita gente faz isso por
aqui, mas eu nem posso usar droga, tenho pressão baixa”. E quanto às
fraldas, ela abaixou o calção do menino e mostrou que ele usava uma.
Era exceção naquele mundo cão. Acreditar nisso me fez bem. Terminei
aquela ensolarada manhã com a alma leve e a impressão de que, além de
praticar uma boa ação, ainda encontrara assunto para esta crônica
bizarra.
Zuenir Ventura é jornalista
Do blog do Noblat
O Globo
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