quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

 


Foto de Guilherme Lunardelli

 


A vida nos reserva mudanças...

Certamente você admira a beleza de uma borboleta e também deve conhecer as mudanças de fase por quais ela passa até se transformar na beleza que conhecemos.

Um dos bichos que sofrem a metamorfose mais completa. Uma transformação que ocorre em quatro fases: a do ovo, da larva, da pupa e o estágio adulto. 

Se pararmos para pensar um pouco nas mudanças da borboleta, veremos que toda a mudança tem seu lado positivo e negativo, em algum aspecto. No início é difícil, depois um pouco confusa e ao final é linda. 

Estamos num momento em que mudanças significativas impactaram nossa maneira de viver e trabalhar. Mudanças que vieram para ficar e portanto, teremos que nos adaptar e aprender a conviver com elas.

Qual lado você prefere ver?

Eu prefiro o lado positivo. Assim fica mais fácil.

Prof. Menegatti

A arte de criar um mundo

 



(foto: Evgeny Kornienko)

Um dos conselhos mais úteis que já ouvi em oficinas de Como Escrever Prosa de Ficção foi: “Imagine tudo, de forma sólida e coerente, e conte apenas a parte que interessa à sua história”.
 
É o famoso “contar em 360 graus”. Isso não se refere à temperatura, mas ao raio de visão do autor, que descreve um círculo completo em volta da cena que está narrando, visualiza (=inventa) o que pode estar acontecendo em volta naquele instante, e, quando é o caso, inclui isso na descrição da cena.
 
Digamos que o autor quer contar uma discussão conjugal entre marido e esposa. Geralmente o autor coloca os dois a sós, na sala de casa. Melhor ainda: no quarto de dormir. Nada acontece em volta, e pronto, ele pode se concentrar somente no que o marido diz, a mulher rebate, o marido ironiza, a mulher reclama, o marido negaceia, a mulher acusa... Como dizia o outro: “e não se avista o fim”.
 
Cenas assim são excelentes para o teatro (peças para um casal de atores costumam dar lucro), que é A Arte Do Mundo Subentendido. No teatro, o ator pára no centro do palco vazio, faz um gesto largo e diz para a platéia: “Eis o centro de Babilônia, a maior metrópole do mundo!”  E a platéia aceita que tem uma babilônia qualquer ali.
 
Na literatura poderia ser a mesma coisa, mas não custa nada – por exemplo – botar o casal tendo a mesmíssima discussão numa praça onde crianças brincam. Ou na praça de alimentação de um shopping. Ou no escritório onde ambos trabalham. Ou na festa de aniversário da mãe/sogra. Ou num avião durante o voo.
 
Isso quer dizer que quando escolhemos um desses ambientes somos obrigados a imaginá-lo por inteiro. Aliás, não gostei desse “somos obrigados”, porque na literatura ninguém nos obriga a nada, escrevemos o que quisermos, e só quem nos obriga a fazer algo são nossas idéias preconcebidas, tipo “assim o livro não vai vender”, “isso aqui está profundo demais e os leitores são rasos”, etc.
 
Digamos então: quando escolhemos um desse ambientes temos a magnífica oportunidade de imaginá-lo por inteiro. De pensar quem são as pessoas que estão ali em volta. (Não é preciso criar uma biografia para cada uma; podem ser personagens de papelão, contando que suas intervenções pareçam ter naturalidade, que suas ações pareçam brotar de dentro delas e não de uma conveniência do autor para poupar-se maior trabalho.)
 
E assim a discussão do casal parece mais real, porque está tocando outros filamentos do “mundo real”, fazendo-os estremecer. Estão na praça? Aparece uma criancinha inocente: “Por que a senhora está chorando?”, etc. Estão no voo? Um sujeito bonitão se vira no banco da frente: “Ô companheiro, não quero me meter, mas não é assim que se fala com uma mulher.”  Estão no escritório? O patrão surge do nada, os dois dão pausa, zeram tudo, sorriem com servilismo, e voltam a se pegar quando ele dá as costas. Estão na festa de aniversário da sogra dela? Ela diz: “Olha, vamos maneirar, sua mãe não tira os olhos da gente”.


A cena dos dois se relaciona com aquela faixazinha do mundo em volta. Isto serve inclusive para quando você não sabe mais o que fazer com a cena: você faz com que alguém venha de fora e os interrompa, trazendo um mote novo. É o velho conselho de Raymond Chandler: “Quando não souber mais pra onde levar a cena, faça alguém entrar pela janela de revólver em punho”. Ele falava metaforicamente, claro. Queria dizer: “Faça a cena ser interrompida por algo que tenha a ver com a história”.
 
Chandler tinha outra maneira de descrever isso. No ensaio “The Simple Art of Murder” (1944), ele elogia o romance policial inglês, comparando-o com o norte-americano, por ser mais bem escrito, no sentido de imaginar com mais solidez o ambiente onde ocorre. Ele fala:
 
“Há uma sensação mais forte de ambiente, como se a mansão de Cheesecake Manor existisse de fato, e não apenas a parte mostrada pela câmara.” 
 
Por que essa comparação? Porque nas cenografias do cinema costuma-se construir apenas a parte que vai ser mostrada pela câmera (ficaria caro demais construir tudo).
 
John Jeremy Sullivan conta um episódio curioso sobre isso (“Peyton’s Place”, Pulphead, 2011). Durante algum tempo ele cedeu o casarão “de época” onde morava para uma equipe de TV gravar cenas de uma série. De vez em quando, no dia combinado, ele subia com a família para o andar de cima, a equipe ocupava o vestíbulo e a sala de visitas, gravavam as cenas o dia inteiro, depois desarmavam tudo e iam embora. (E pagavam principescamente.)


Sullivan observa que em certa época percebeu que eles tinha coberto com um papel de parede diferente toda a parede do vestíbulo bem como da escada que levava ao 1º. andar, e apenas uma parte da parede do corredor de cima. O papel de parede se interrompia bruscamente a certa altura.
 
Ele foi perguntar por quê, uma vez que ficava estranho, metade da parede com papel, a outra com a pintura. E o cara explicou que eles só precisavam botar papel até o ponto que a câmera mostrava. Mas (reconhece ele) “quando mostramos a anomalia eles a corrigiram instantaneamente”.
 
Não se trata de incompetência nem de excesso de competência. É que quem está filmando pensa apenas no resultado que vai ser apresentado na tela. O resto não existe. (Isso pode ser bom, e pode ser ruim.)
 
Sullivan conta no mesmo artigo outro episódio. A casa dele servia (na série) como residência de uma moça, Peyton; a série contava a vida dela. Houve um dia em que vieram filmar e toda a filmagem consistia numa cena da moça com o pai dela, uma breve discussão e ela dizendo: “Não era isso que eu queria!”.
 
Fizeram infinitos takes, com infinitas ênfases. “Não era ISSO que eu queria!”. “Não era isso que EU QUERIA!” E por aí vai. Sullivan descreve a chegada da equipe de filmagem como a chegada de uma pequena cidade que ocupa sua sala de visitas. E comenta: “Não teve outra cena. Quando acabaram, foram embora. Por volta da meia-noite, as barreiras que interditavam o trânsito na rua foram desmanchadas. A cidade foi embora. Existiu apenas para garantir aqueles vinte segundos de cena.”
 
Quando escrevemos, estamos nos concentrando tanto nos vinte segundos de cena, ou vinte minutos (=a discussão do casal) que é mais fácil fingir que não existe mundo em volta deles. Mas não custa nada parar de escrever por vinte minutos, fechar os olhos, imaginar aquele ambiente (o avião lotado, a praça-de-alimentação quase vazia mas os balcões com garçonetes espreitando à distância, etc.) e, sem tirar o foco de cena, enriquecê-la com alguns contatos com o mundo de fora.
 
Exemplos? A cena memorável de Harry e Sally: Feitos um Para o Outro em que Billy Crystal e Meg Ryan estão num restaurante, ela finge um orgasmo em voz alta e uma mulher numa mesa próxima chama o garçom e diz: “Eu quero o que ela está comendo”. Sem essa fala, não haveria cena.   
 



Bráulio Tavares

Mundo fantasmo

 


terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Versículos do dia

 Bendito o varão que confia no Senhor,
e cuja esperança é o Senhor.
Porque ele será como a árvore plantada junto às águas,
que estende as suas raízes para o ribeiro
e não receia quando vem o calor,
mas a sua folha fica verde;
e, no ano de sequidão,
não se afadiga nem deixa de dar fruto.
 

Jeremias 17:7-8

Existiu um lugar ainda pior do que os gulags e Auschwitz: a Ilha de Nazino


Prisioneiros num gulag: tecnicamente, Nazino não fazia parte do sistema oficial.

Hoje em dia – ou pelo menos até a pandemia parar o mundo – barcos cheios de passageiros cruzam corriqueiramente um trecho do rio Ob, no meio da Sibéria, sem que a maioria dos seus passageiros se deem conta de por onde estão passando. Talvez uns poucos tenham ouvido seus pais e avôs comentarem o que aconteceu ali. Mas, se nem eles se lembram, imagine o resto do mundo.

Já no fim da década de 20 o regime soviético tinha começado a se revoltar contra inimigos, imaginários ou não, inaugurando com os kulaks a mania de mandar todo mundo de que não gostassem para a Sibéria. Mas com as dissidências internas do regime e a própria insânia inerente ao socialismo, a paranoia se instalou no regime e pessoas consideradas “desclassificadas e socialmente prejudiciais”, como comerciantes, camponeses que fugiam da fome, “ladrões de galinha”, ou qualquer um que simplesmente não se encaixasse no esquema de classes idealizado pelo Partidão ou tivesse deixado seu passaporte em casa, começaram a ser presas em Moscou e Leningrado, classificados como “parasitas da sociedade” e deportados para algum “campo de trabalho”.

Para o idealizador do plano, Genrikh Yagoda, chefe da política secreta da época e alguém que poderia apresentar um programa policial na TV soviética da época, tudo isso serviria para “purificar” as cidades”. Mendigos e criminosos seriam mandados para colonizar e subjugar a Sibéria, enquanto a população local tinha que se virar com a falta de remédios, empregos, moradia e viver à base de tubérculos e caça. Em 1931, um primeiro experimento foi feito pelo governo soviético: 800 pessoas consideradas “socialmente perigosas” foram despachadas para um lugar às margens do Ob, onde, sem comida e emprego, acabaram se revoltando e aterrorizaram a população local até serem exterminadas pelos nativos.

O responsável pelo transporte dos “prisioneiros”, conhecido apenas como Comandante Tsepkov, depois de receber um telegrama de seus superiores ordenando acomodar “pelo menos 25.000 elementos” na região no início de maio, respondeu dizendo que conhecia os nativos da taiga e sabia que eles “eram excelentes caçadores”. Tsepkov esperava, no entanto, receber fazendeiros, gente especializada com a vida agrária. Quando foi informado pelos seus superiores que receberia milhares de “criminosos e desclassificados”, pouco pôde fazer.

Quatro barcas carregadas com cerca de 5000 “dissidentes”, presos pelos mais variados e irrelevantes motivos, foram levados rumo ao Oceano Ártico em balsas usadas para carregar madeira. Depois de quatro dias de viagem e 900 quilômetros Sibéria adentro, em 18 de maio de 1933 os chamados “desclassificados” desembarcaram na ilha de Nazino. Uma ilha entre aspas. Um pedaço de lama e terra, em plena taiga siberiana. Um terreno pantanoso e infértil, cujas redondezas eram habitadas por tribos nativas hostis.

Canibalismo

Os registros de embarque estavam tão ilegíveis que era quase impossível conferir a presença dos passageiros. Mas, ao que se conta, 332 mulheres e 4556 homens conseguiram desembarcar, e 27 não resistiram à viagem. Os que sobreviveram desembarcaram com as parcas forças que tinham, sem qualquer roupa ou bagagem, e se depararam não só com a paisagem desolada da ilha, mas também com a falta de qualquer estrutura. Ao ver os prisioneiros, a frase de Tsepkov ficou para a história: “eles que pastem”. Muitos tentaram fugir, construindo jangadas improvisadas com o que encontravam pela frente, mas morreram depois de naufragar nas águas geladas ou fuzilados pelos guardas que o governo soviético tinha diligentemente designado para cuidar de dissidentes tão perigosos.

A única comida distribuída aos prisioneiros era uma pilha de farinha podre. À medida que o frio e a neve aumentaram, o Comandante Tsepkov tentou organizar duas equipes para construir fornos para assarem pães. Quando questionado por Moscou, ele foi obrigado a responder que “os indivíduos desclassificados que alegavam conhecer todo tipo de trabalho, quando foram forçados a trabalhar, não sabiam fazer nada, e especialmente como construir fornos!”

Depois dois dias, todo tipo de doença contagiosa já tinha se espalhado pela ilha. A sociedade local rapidamente se transformou numa espécie de “vale-tudo”, com grupos oriundos das cidades formando máfias para extorquir a população e, com o tempo, todos os outros habitantes das redondezas. Com o tempo, até o canibalismo foi “institucionalizado” e corpos passaram a ser encontrados mutilados, sem órgãos, pessoas foram pegas com restos de fígados ou órgãos alheios.

Os soldados e policiais responsáveis por “cuidar” do lugar acabaram se rendendo ao absurdo da situação, alguns extorquindo os habitantes para manter a coisa em segredo, mas muitos apelando aos superiores para narrar o desespero e detalhar a que ponto os locais tinham chegado. Tropas foram enviadas para a ilha, mas, em vez de trazer provisões ou transferir quem estava lá, a intenção dos militares era apenas reprimir os condenados, dizendo que o “sistema soviético tinha fracassado com eles”.

Enquanto isso tudo acontecia, Tsepkov, seus superiores e auxiliares se recusavam a informar os chefões. Talvez por medo de serem eles mesmos canibalizados por sua ideologia. A dificuldade de se encontrar guardas dispostos a patrulhar o lugar era tamanha que foi necessário o uso de informantes entre a população de aldeias locais. Uma pessoa a cada doze famílias era incumbida de delatar casos de fuga e qualquer distúrbio da ordem pública, já que não eram poucos os casos de moradores da ilha que assaltavam as populações vizinhas e tentavam matar seus animais e roubar seus barcos para fugir.

Enquanto os documentos da época mostravam uma obsessão em implementar um sistema utópico de colônias administradas sob um sistema quase militar, o que se via na realidade era praticamente uma terra de ninguém. Um emissário do Departamento de Assentamentos Especiais enviado para inspecionar as condições do lugar ouviu de um dos locais: “Vocês estão fazendo as pessoas passarem fome. Bem, estamos comendo uns aos outros!” O sujeito obviamente foi preso por “propaganda contrarrevolucionária”, por “espalhar alegações envolvendo canibalismo e uma suposta fome causada pelo Estado soviético”. Para as autoridades, os rumores estavam sendo difundidos por dissidentes infiltrados em Nazino para contatar os “elementos desclassificados” que tinham sido enviados para lá, “numa clara demonstração de manipulação política conduzida por elementos externos”.

A chegada de uma nova remessa de "dejetos humanos" à ilha agravou de tal maneira a situação em Nazino que, depois de alguns meses, autoridades do Partido Comunista ordenaram a transferência da população para locais vizinhos, obrigando a população destes locais a fornecer pão, roupas e construir acomodações para os “elementos desclassificados”. O Comandante Tsepkov caiu em desgraça, acusado de “incompetência” e de “violar as resoluções do Partido com respeito à recepção dada aos assentados especiais”.

Nas semanas seguintes, a ilha começou a ser gradualmente esvaziada. Durante o processo de transporte dos prisioneiros, muitos estavam num estado de tamanha fragilidade que não resistiram à viagem. Outros tantos simplesmente “desapareceram” após desembarcarem. 157 estavam tão fracos que foram obrigados a continuar lá. A situação nos novos assentamentos, no entanto, não era muito diferente da que eles viviam na ilha de Nazino. Muitos que tentavam fugir eram simplesmente abatidos a tiro pelos guardas.

Enquanto isso, um comitê de inspeção enviado pelo governo para ilha determinou que o número de mortos em Nazino tinha sido “escancaradamente exagerado por motivos políticos”. O episódio foi mantido em segredo por décadas, até que, durante a glasnost, na década de 1980, um grupo ativista de direitos humanos chamado Memorial trouxe o assunto à tona, entrevistando sobreviventes e membros da população local. O relato de um desses últimos foi simplesmente estarrecedor: “Eles estavam tentando fugir [da ilha]. Perguntaram para nós: “Onde está a ferrovia? Nunca tínhamos visto uma ferrovia. Perguntaram: “Para que direção é Moscou? Leningrado? Estavam perguntando para as pessoas erradas. Nunca tínhamos sequer ouvido falar desses lugares. Somos ostiaques. As pessoas estavam fugindo, famintas. Tinham lhes dado um punhado de farinha, que eles misturaram com água para comer e imediatamente tiveram diarreia. As coisas que vimos! Pessoas morrendo por toda a parte, matando uns aos outros... na ilha havia um guarda chamado Kostia Venikov, um rapaz jovem. Ele se apaixonou por uma garota enviada para lá e estava tentando conquistá-la, procurava protegê-la. Um dia ele teve que se ausentar e pediu a um de seus colegas que “cuidasse dela”, mas não havia nada que aquele sujeito pudesse fazer diante daquela quantidade de pessoas... Agarraram-na e a amarraram numa árvore, cortaram seus seios, seus músculos, tudo que puderam comer, tudo, tudo... estavam famintos, precisavam comer. Quando Kostia voltou, ela ainda estava viva. Tentou salvá-la, mas já era tarde. Ela tinha perdido muito sangue”.

O fracasso de Nazino pôs um fim ao sistema de “colonização” dos territórios de fronteira planejado pelo regime soviético usando elementos tidos como perigosos e “desclassificados”. Muitos membros do Partido ficaram chocado ao descobrir que amigos e colegas deles tinham sido enviados para lá, além de pessoas que não tinham cometido absolutamente nada de condenável.

Mas Stalin e seus capangas ainda continuariam mandando por mais algumas décadas todos aqueles que julgavam indesejáveis para os gulags, onde, segundo algumas estimativas, cerca de três milhões de pessoas morreram.
 
Por Rafael Azevedo, especial para a Gazeta do Povo

Presidente do STF julga incabível instrumento processual utilizado para suspender festa de Ano Novo na praia de Pipa, autorizada por desembargador do TJRN

 


O presidente do STF, ministro Luiz Fux, negou seguimento a um pedido do Ministério Público do Rio Grande do Norte para suspender uma festa de Ano Novo, na praia de Pipa.

A festa foi proibida por decisão de um juiz no estado, mas no recurso um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte autorizou o evento.

O MPRN recorreu ao STF o que não foi conhecido devido o instrumento processual utilizado. Veja publicação no site do STF :

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, negou seguimento (julgou incabível) a um pedido do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MP-RN) para suspender uma decisão singular de desembargador do Tribunal de Justiça local (TJ-RN) que permitia a realização de uma festa particular de ano-novo na praia de Pipa (RN). A decisão foi tomada na Suspensão de Tutela Provisória (STP) 710.

O MP-RN ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela provisória de urgência, contra o município de Tibau do Sul e a empresa Let’s Pipa Entretenimento Ltda., com objetivo de impedir a realização de eventos de grande porte por ocasião das festividades de fim de ano. A liminar foi concedida em primeira instância para suspender o réveillon, mas o relator de recurso no TJ-RN cassou a decisão.

Dano em cadeia

No pedido ao STF, o MP-RN argumentava que a decisão permitiria aglomerações na praia de Pipa que facilitariam a transmissão da Covid-19, representando, por essa razão, “inequívoca violação à ordem e à saúde públicas”. Apontava, ainda, que tem ocorrido aumento de casos da doença no estado e, como Tibau do Sul não tem leitos de UTI, a situação não deve ser observada de modo isolado, pois um aumento de casos irá causar impacto nos municípios vizinhos, “gerando um dano em cadeia”.

Impossibilidade

Ao negar seguimento à STP 710, o ministro Fux destacou a impossibilidade de que os pedidos de contracautela sejam utilizados como substitutivos dos recursos ordinários. Ele explicou que não é possível a manifestação do STF sobre o mérito da controvérsia discutida no processo originário, tarefa que cabe ao Tribunal competente na via recursal própria.

No caso dos autos, o presidente assinalou que o MP-RN pede a suspensão de uma decisão monocrática do relator do caso no TJ-RN, que, por sua vez, suspendeu os efeitos de uma liminar proferida em ação civil pública promovida pelo próprio Ministério Público. Fux salientou que a admissão da contracautela em ações promovidas por ente público ou pelo Ministério Público para obter tutela provisória não concedida nas instâncias ordinárias equivale à utilização do instituto da suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado pela jurisprudência pacificada do Supremo.
 
Marcelo José 

 


Uns nasceram para cantar, outros para dançar,outros nasceram simplesmente para serem outros.

Mia Couto


A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isso fica sendo a minha última e mais elevada descoberta.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 


Fernanda Montenegro - Guardar (poema de Antonio Cícero)

 



Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas.

Pablo Neruda

Inundação


Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem, é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito, sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança.

A casa, aquela casa nossa, era morada mais da noite que do dia. Estranho, dirão. Noite e dia não são metades, folha e verso? Como podiam o claro e o escuro repartir-se em desigual? Explico. Bastava que a voz de minha mãe em canto se escutasse para que, no mais lúcido meio-dia, se fechasse a noite. Lá fora, a chuva sonhava, tamborileira. E nós éramos meninos para sempre.

Certa vez, porém, de nossa mãe escutamos o pranto. Era um choro delgadinho, um fio de água, um chilrear de morcego. Mão em mão, ficamos à porta do quarto dela.
Nossos olhos boquiabertos. Ela só suspirou:

– Vosso pai já não é meu.

Apontou o armário e pediu que o abríssemos. A nossos olhos, bem para além do espanto, se revelaram os vestidos envelhecidos que meu pai há muito lhe ofertara. Bastou, porém, a brisa da porta se abrindo para que os vestidos se desfizessem em pó e, como cinzas, se enevoassem pelo chão. Apenas os cabides balançavam, esqueletos sem corpo.

– E agora – disse a mãe -, olhem para estas cartas.

Eram apaixonados bilhetes, antigos, que minha mãe conservava numa caixa. Mas agora os papéis estavam brancos, toda a tinta se desbotara.

– Ele foi. Tudo foi.

Desde então, a mãe se recusou a deitar no leito. Dormia no chão. A ver se o rio do tempo a levava, numa dessas invisíveis enxurradas. Assim dizia, queixosa. Em poucos dias, se aparentou às sombras, desleixando todo seu volume.

– Quero perder todas as forças. Assim não tenho mais esperas.

– Durma na cama, mãe.

– Não quero. Que a cama é engolidora de saudade.

E ela queria guardar aquela saudade. Como se aquela ausência fosse o único troféu de sua vida.

Não tinham passado nem semanas desde que meu pai se volatilizara quando, numa certa noite, não me desceu o sono. Eu estava pressentimental, incapaz de me guardar no leito. Fui ao quarto dos meus pais. Minha mãe lá estava, envolta no lençol até à cabeça. Acordei-a. O seu rosto assomou à penumbra doce que pairava. Estava sorridente.

– Não faça barulho, meu filho. Não acorde seu pai.

– Meu pai?

– Seu pai esta aqui, muito comigo.

Levantou-se com cuidado de não desalinhar o lençol. Como se ocultasse algo debaixo do pano. Foi à cozinha e serviu-se de água. Sentei-me com ela, na mesa onde se acumulavam as panelas do jantar.

– Como eu o chamei, quer saber?

Tinha sido o seu cantar. Que eu não tinha notado, porque o fizera em surdina. Mas ela cantara, sem parar, desde que ele saíra. E agora, olhando o chão da cozinha, ela dizia:

– Talvez uma minha voz seja um pano; sim, um pano que limpa o tempo.

No dia seguinte, a mãe cumpria a vontade de domingo, comparecida na igreja, seu magro joelho cumprimentando a terra. Sabendo que ela iria demorar eu voltei ao seu quarto e ali me deixei por um instante. A porta do armário escancarada deixava entrever as entranhas da sombra. Me aproximei. A surpresa me abalou: de novo se enfunavam os vestidos, cheios de formas e cores. De imediato, me virei a espreitar a caixa onde se guardavam as lembranças de namoro de meus pais. A tinta regressara ao papel, as cartas de meu velho pai se haviam recomposto? Mas não abri. Tive medo. Porque eu, secretamente, sabia a resposta.

Saí no bico do pé, quando senti minha mãe entrando. E me esgueirei pelo quintal, deitando passo na estrada de areia. Ali me retive a contemplar a casa como que irrealizada em pintura. Entendi que por muita que fosse a estrada eu nunca ficaria longe daquele lugar. Nesse instante, escutei o canto doce de minha mãe. Foi quando eu vi a casa esmorecer, engolida por um rio que tudo inundava.

Mia Couto, conto ‘Inundação’, do livro “O fio das missangas”. Lisboa: Editora Caminho, 2003.

Por
Revista Prosa Verso e Arte

 

domingo, 27 de dezembro de 2020

Ensinando a tristeza’, um fabuloso conto de Rubem Alves

Meus amigos, com a melhor das intenções, têm se queixado, dizendo que há muita tristeza no intervalo das coisas que escrevo. Essa observação mexeu comigo. Fez-me lembrar uma crônica que escrevi faz muito tempo. Era sobre a poeta Helena Kolody, que eu acabara de descobrir. Seus poemas não são alegres. São alegres-tristes.

Dentre os escritos da Helena Kolody encontrei este mínimo poema: “Buscas ouro nativo entre a ganga da vida. Que esperança infinita no ilusório trabalho… Para cada pepita, quanto cascalho”.

Gosto de ler as Escrituras Sagradas. Mas leio como quem garimpa ouro. Para se encontrar uma pequena pepita, quanto cascalho há de se jogar fora! Acho até que foi arte de Deus… Foi ele mesmo que misturou cascalho e pepitas, alegria e tristeza, pra separar os maus dos bons leitores. Os maus leitores não sabem separar as pepitas do cascalho…

Nas minhas garimpagens pelas Escrituras Sagradas encontrei esta pepita: “Melhor é a tristeza que o riso. Porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.

Esse texto me apareceu na memória quando eu pensava sobre uma pergunta estranha que me perseguia: “Pode-se ensinar compaixão?”. Essa pergunta surgiu quando minha neta, sem razão alguma, deixou a mesa no meio do almoço e foi para a sala da televisão chorar. Fui atrás dela para entender a razão do seu choro. Ela me disse: “Vô, quando eu vejo uma pessoa chorando, o meu coração fica triste junto ao coração dela…”.

Sem o saber, a menina havia definido o que é a compaixão. Eu não disse. Quem disse foi a Adélia, que “a poesia é pura compaixão”. A poesia é triste. E acrescentou, pra ninguém entender, “por prazer da tristeza eu vivo alegre”.

Haverá uma pedagogia da tristeza? Estranho pensar que um professor, ao iniciar o seu dia, possa dizer para si mesmo: “Vou ensinar tristeza aos meus alunos…”. Eu mesmo nunca havia pensado nisso. E todos os terapeutas, não importando a sua seita, em última instância estão envolvidos numa batalha contra a tristeza. E agora eu digo esse absurdo, que tristeza é pra ser ensinada, pra fazer melhor o coração.

A poesia nasce da tristeza. Alberto Caeiro era amigo da sua tristeza: “Mas eu fico triste como um pôr de sol quando esfria no fundo da planície e se sente a noite entrada como uma borboleta pela janela”. E concluiu: “Mas minha tristeza é sossego porque é natural e justa e é o que deve estar na alma…”. Num outro lugar, Fernando Pessoa escreveu algo mais ou menos assim: “Ah! A imensa felicidade de não precisar de estar alegre…”.

Existe uma perturbação psicológica ainda não identificada como doença. Ela aparece num tipo a que dei o nome de “o alegrinho”. O alegrinho é aquela pessoa que está o tempo todo esbanjando alegria, dizendo coisas engraçadas, e querendo que os outros riam. Ele é um flagelo. Perto dele ninguém tem a liberdade de estar triste. Perto dele todo mundo precisa estar alegre… Porque ele não consegue estar triste, o alegrinho não consegue ouvir a beleza dos noturnos de Chopin, nem sentir as sutilezas da poesia da Cecília Meireles, nem gozar o silêncio triste da beleza do crepúsculo. Sempre alegrinho, na sua alma não há espaço para sentir a compaixão. Para haver compaixão, é preciso saber estar triste. Porque compaixão é sentir a tristeza de um outro.

Houve um menino que chorou ao ler a estória O patinho que não aprendeu a voar. Aconteceu assim: o seu pai comprou o livro esperando que eu, o autor, fosse um alegrinho e que o livro iria fazer seu filho dar muitas risadas. Voltou no dia seguinte muito bravo. Trazia o livro na mão, para devolvê-lo. Ao invés de dar risadas, no fim da estória o seu filho pôs-se a chorar. A estória é, de fato, triste. Eu a escrevi para o meu filho que estava passando por uma crise de vagabundagem. O seu prazer nas vagabundagens era tanto que ele não queria saber de aprender. O patinho também não queria saber de aprender. Não pôde voar com seus irmãos quando chegou a estação das migrações.

O menininho tinha razões para chorar? Não. As razões do seu choro não eram dele. Eram do patinho. Ele sofria o sofrimento do patinho. O seu coração batia junto ao coração do patinho. Mas o patinho não existia. Era apenas um personagem inventado de uma estória do mundo do “era uma vez”. E o menino sabia disso. Mas, a despeito disso, ele chorava. Aqui está um dos grandes mistérios da alma humana: a alma se alimenta com coisas que não existem.

Eu havia levado minha filha de seis anos para ver o E. T. Ao fim do filme ela chorava convulsivamente. Jantou chorando. Resolvi fazer uma brincadeira: “Vamos no jardim ver a estrelinha do E. T.!”. Fomos, mas o céu estava coberto de nuvens. Não se via a estrelinha do E. T. Improvisei. Corri para trás de uma árvore e disse: “O E. T. está aqui!”. Ela me disse: “Não seja tolo, papai. O E. T. não existe!”. Contra-ataquei: “Não existe? E por que você estava chorando se ele não existe?”. Veio a resposta definitiva: “Eu estava chorando porque o E. T. não existe…”.

Volto então à pergunta que fiz sem saber a resposta. O menino chorou ao ler a estória do patinho. Mas o patinho não existia. Minha filha chorou ao ver o filme do E. T. Mas o E. T. não existia. Pensei então que um caminho para se ensinar compaixão, que é o mesmo caminho para se ensinar a tristeza, são as artes que trazem à existência as coisas que não existem: a literatura, o cinema, o teatro. As artes produzem a beleza. E a beleza enche os olhos d’água…

Meus amigos podem ficar tranquilos. Sou triste sim. Mas minha tristeza “é natural e justa e é o que deve estar na alma…”. Volto às Escrituras Sagradas: “Com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”. É isso que desejo ensinar aos meus alunos…

 

Rubem Alves, no livro “Pimentas – para provocar um incêndio, não é preciso fogo”. {contos} Editora Planeta, 2012.

Por
Revista Prosa Verso e Arte

INXS - Never Tear Us Apart

“Se a criança não é treinada a esperar, a criar, a negociar, a ceder e a se frustrar, você está aleijando a criança”


O psicoterapeuta Leo Fraiman, especialista em psicologia educacional e mestre em psicologia educacional e do desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP) traz a lume, importantes contribuições acerca de como educarmos nossos filhos para a autonomia crítica e não os aleijarmos emocionalmente em nome do que chamamos da “felicidade de nunca deixá-los frustrados”.

Os pais de hoje, na busca narcísica de tornar os filhos felizes, acabam aleijando o emocionalmente essas crianças, pois sem o contato com a frustração elas aprendem a sempre serem atendidas. Em nome de se ter felicidade acaba-se criando a desgraça da criança e de todos a sua volta.

Uma coisa ou outra faz parte da construção de um ser humano, é a matéria que dá liga. Não se conhece o valor daquilo que nunca lhe faltou. Atender caprichos não é ser legal, é ser egoísta, é procurar o meio mais fácil de permanecer na zona de conforto. Ás vezes por querer compensar suas próprias negligências como pai ou mãe, molda-se um ser que será um adulto atrofiado emocionalmente:

“Se a criança não é treinada a esperar, a criar, a negociar, a ceder e a se frustrar, você está aleijando emocionalmente a criança. É como fazê-la andar com uma perna amarrada. A criança ficará chata, birrenta, gastadeira, neurótica, depressiva e provavelmente drogada, porque ela precisará de outra coisa para acalmá-la porque ela não desenvolveu a autonomia, ela não manda de dentro pra fora no seu mundo, ela precisa do outro”. 

 

Leo Fraiman

Portal Raízes


A Hungria disse não à adoção a casais homossexuais: “Mãe é mulher, pai é homem”. Para o governo húngaro explicou que “os novos processos ideológicos no Ocidente” tornaram necessário “proteger as crianças contra possíveis interferências ideológicas ou biológicas”. Neste sentido o parlamento fez uma alteração na constituição que “garante a educação das crianças de acordo com a cultura cristã [da Hungria]” e define ainda que o “sexo das crianças é aquele que lhes foi atribuído”, avança o The Daily Mail.

sábado, 26 de dezembro de 2020


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
 
– Mário Quintana, do livro “Esconderijos do tempo”, 1980.Leia outros poemas:

 



"O governo do mundo começa em nós mesmos.Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros.São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista.Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir"

(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares)

 


Humor - Mineiros do no Egito

Dois mineiros estavam no Egito visitando os grandes monumentos, quando um deles pergunta:

- Esses bichos gigantes de pedra tão durmino?

E o outro mineiro que estava lendo uma placa respondeu:

- Não. Aqui tá dizeno que esfinge.

Foto: Kurt Arkady

Os ditadores não morrem

Hesitei sobre o título desta crónica. A torrente de informação é de tal forma intensa nestes tempos conturbados, que é por vezes difícil escolher um tema, discernir sobre aquilo que nos parece realmente importante, e separar as evidências do que é, aparentemente, acessório.

 No momento em que começo a escrever este pequeno comentário, terminou a “Caravana da Liberdade”, que transportou as cinzas de Fidel Castro, durante 9 dias, pela ilha de Cuba, pondo assim fim a um quase interminável funeral. Durante este período de luto para algumas franjas da esquerda, assistimos a tudo: louvores à revolução cubana, destemperados elogios à figura do déspota e, noutro lado, a comparações ignorantes com ditadores do século passado. Estive tentado em titular este escrito com um rotundo: os ditadores também morrem! Mas, afinal, parece que não. Quando se pensava que Fulgêncio Baptista estava bem morto e enterrado, alguns fizeram questão de nos recordar que ele foi presidente eleito, que depois fez suspender a Constituição, transformando o regime cubano numa ditadura. Castro mandou-o para o exílio com uma Revolução onde se destacou o irmão Raul, actual presidente, e esse ícone e figura emblemática na minha juventude, Che Guevara. Um ditador deu o lugar a um tirano. A morte de Fidel fez, assim, ressuscitar o ditador que o antecedeu.

 Apetece dizer: “Os ditadores não morrem!”.

 Foi possível ler crónicas onde se desenterraram Hitler, Mussolini, Estaline, Franco e, veja-se bem, Salazar, o ditador saloio de Santa Comba. Que haja quem tente branquear a História, compreende-se, mas que haja quem a tente reescrever, é inadmissível. No caso de Fidel, a História se encarregará de relatar, desapaixonadamente, o papel de Castro e do castrador castrismo. Até à morte do próximo ditador, deixem as cinzas sossegar e esperar que o povo cubano saiba fazer o luto e regresse às ruas para tocar e dançar boleros. E reclamar por liberdade e democracia.

 Outro tema quente, é o que se passa na Europa.

 A Áustria disse não à extrema-direita e em Itália o europeísmo foi derrotado num referendo. Com um calendário recheado em 2017, a Europa vai enfrentar tempos conturbados: eleições na Alemanha, Holanda e França, um brexit a contaminar a zona euro e, previsivelmente, o fortalecimento do italexit. Seria bom que a Europa deixasse de ser um clube de burocratas e se dedicasse mais às pessoas, aos europeus. Com a eleição de Trump, a Europa tem uma ocasião ímpar para se impor e impor os seus valores democráticos e humanistas. Não podemos cair na tentação de experiências populistas cujos resultados, veja-se a História recente, podem ser devastadores, fatais.

 Por cá foi a animação habitual, com a Caixa Geral de Depósitos a liderar os títulos dos media.

 Igualmente a merecer destaque o regresso do feriado de 1 de Dezembro. E com ele um ataque, justificado, a Passos Coelho e à “geringonça de direita”. A vida está a correr mal ao líder do PSD.

Às críticas, não disfarçadas, do Presidente da República, somou-se o “não!” de Santana Lopes. Com Rui Rio (e outros) à espreita, os tempos de Passos Coelho não vão ser fáceis.

 Por cá, no nosso Alentejo, as ruas (algumas) iluminaram-se abundantemente com as cores do Natal.

Com que custos? E em detrimento do quê? Em 2017 saberemos. Até porque, por cá, vamos ter eleições autárquicas. E é também nas urnas que se derrubam ou se afastam “ditadores”.

 Se não nos virmos antes, votos de um Santo Natal.

João Espinho – Portugal, 5/12/2016

Só em caso de emergência

 


Freddie Mercury & Montserrat Caballé - How Can I Go On (Barcelona)

Comunidade científica desconfia que há algo errado com a Coronavac


Um homem trabalha na seção de engarrafamento onde será produzida a Coronavac, vacina da SinoVac contra a doença do coronavírus (COVID-19), no centro biomédico do Instituto Butantan, em São Paulo, 

A ausência da apresentação de dados de eficácia sobre a vacina Coronavac nesta quarta-feira, dia 23, durante coletiva de imprensa realizada no Instituto Butantã, deixou a comunidade científica preocupada em relação à eficácia do imunizante. O governo de São Paulo já havia adiado a apresentação dos dados, programada inicialmente para o dia 15. Agora, a divulgação foi novamente postergarda. O novo anúncio do resultado dos testes está programado para daqui a duas semanas.

“O problema é que a falta de uma explicação mais consistente sobre o motivo de tantos adiamentos começa a deixar os cientistas desconfiados de que pode ter havido algum problema com a vacina”, diz Maria Amélia Veras, epidemiologista da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e do Observatório Covid-19 BR.

Segundo o Instituto Butantã, os dados não foram apresentados porque haveria divergências com os resultados dos testes clínicos em países como a Turquia e a Indonésia, onde as avaliações também estão sendo conduzidas.

Os cientistas brasileiros que vêm acompanhando a evolução da vacina dizem que poucos voluntários receberam a dose de imunização na Turquia e na Indonésia, o que não justificaria um problema de divergências nos testes. “A maior parte dos testes aconteceu no Brasil mesmo”, diz Fernando Reinach, biológo, PHD em biologia celular e molecular pela Cornell University e autor do livro “A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil”.

“O novo adiamento dos resultados dos testes de fase 3 da Coronavac levantam a suspeita de que possa haver algum problema com a eficácia da vacina ou com o ensaio clínico do Butantã”, afirma Reinach.

Existe a desconfiança de que os resultados possam ter sido inconclusivos ou que a vacina teria uma baixa eficácia, já que o Instituto Butantã ainda não divulgou os dados que sobre o índice de eficiência do imunizante. “Toda a comunidade científica esperava que os resultados fossem divulgados nesta quarta, conforme o Butantã havia anunciado, e ficamos pasmos com o cancelamento da abertura das análises”, diz Veras.

Os cientistas também se revelam preocupados pelo fato de que nem mesmo a China registrou a vacina ainda. “Não sabemos muito bem o que se passa na China, por se tratar de um país fechado”, afirma Gonzalo Vecina, médico sanitarista e presidente da Anvisa entre 1999 e 2003. “Pode ser que estejam tomando um cuidado especial ou estejam envoltos em questões burocráticas, mas o fato é que sem o registro da vacina na China é impossível haver um registro pela Anvisa no Brasil”.

Vecina também alerta que o resultado dos ensaios clínicos de fase 3 ainda não foram publicados em revistas científicas, o primeiro passo de processos de comprovação da eficácia de vacinas e medicamentos. Após a publicação, a comunidade científica internacional analisa os dados do estudo e dá seu parecer.

Outro fator potencialmente preocupante é o real índice de eficácia da Coronavac. De acordo com o Butantã, os testes clínicos mostraram um índice de eficácia no limiar de 50%, embora ninguém tenha visto os dados. Outras vacinas, como as da Pfizer e Moderna, apresentam uma eficácia de 95%.

“Uma taxa de 50% significa que apenas metade da população que receber a vacina estará de fato imunizada”, explica Vecina. Caso isso aconteça, um dos problemas que é a população pode acreditar que está totalmente imunizada e descuidar de medidas essenciais como usar máscara e manter o distanciamento social, embora ao menos parte das pessoas de fato adquira anticorpos contra o coronavírus.

A comunidade científica também acredita que o calendário de vacinação proposto pelo governo de São Paulo, com início em 25 de janeiro, talvez precise ser revisto. Como a divulgação dos dados sobre os testes 3 da vacina foram postergados para 15 dias, existe uma probabilidade de não haver tempo hábil para providenciar o registro junto à Anvisa e começar a imunização em janeiro. Além disso, é preciso que antes a China registre a vacina.

Até agora, as vacinas que já obtiveram registros em órgãos internacionais são as da Pfizer e da Moderna, autorizadas nos Estados Unidos. “Em relação à Coronavac, o processo não caminhou tanto assim”, diz Vecina.
 
Por Carla Aranha - Exame

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020


"Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas"

José Saramago

Arte surreal pelo artista plástico brasileiro Marcel Karam, inspirado em Salvador Dalí.

 



Por que as abelhas são tão importantes; e por que devemos começar a trabalhar para salvá-las ???
 
As abelhas são animais do filo Arthropoda, sendo assim, herdam algumas características típicas desse grupo, como o fato de possuírem um exoesqueleto que envolve seu corpo. Fazem parte da classe Insecta, apresentando, portanto, corpo dividido em três porções (cabeça, tórax e abdome), três pares de pernas, um par de antenas e dois pares de asas.
 
Uma em cada três mordidas de comida que comemos é resultado de polinizadores como as abelhas, e safras como mirtilos e cerejas são 90% dependentes da polinização. 
 
As abelhas são tão importantes que os agricultores muitas vezes transportam as colméias e as colocam em suas propriedades para fornecer polinização para suas plantações.
 
Se você olhar para o prato de comida em sua mesa de jantar, as abelhas desempenharam seu papel polinizando os muitos vegetais e frutas que comemos diretamente ou polinizando a comida dos animais que consumimos. 
 
E isso não é tudo que as abelhas fazem por nós - mel e cera são dois outros produtos importantes que são cortesia das abelhas.
 
Mas as abelhas estão desaparecendo globalmente em uma taxa alarmante devido a pesticidas, parasitas, doenças e perda de habitat. 
 
Se esses pequenos insetos que ajudam a fornecer tanto da comida que comemos desaparecessem; o que faríamos sem elas ???
 
Muitas abelhas melíferas às vezes se perdem devido às torres da rede móvel e outras radiações ao redor de nossas residências. 
 
A coisa mais simples que você pode fazer neste verão é deixar uma pequena tigela de água com um pouco de açúcar diluído (tenha o cuidado de manter sempre limpa e fresca). 
 
Se alguma vez avistar uma abelha desorientada basta adicionar um pouco de açúcar numa colher cheia de água e deixar perto da abelha. 
 
Em questão de minutos, a abelha vai bebericar e voar de volta. 
 
Tente..!!
 
 


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Nicete Bruno sobre o tempo e a idade

A trégua de Natal de 1914

 


A “Trégua de Natal” (Christmas Truce, em inglês; Weihnachtsfrieden, em alemão) foi o termo usado para descrever uma trégua informal ocorrida na frente ocidental no Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Embora não houvesse nenhuma trégua oficial, cerca de 100 mil soldados britânicos e alemães estiveram envolvidos num cessar-fogo não oficial ao longo de toda a frente ocidental, no quinto mês do primeiro ano de conflito.

A trégua foi observada pelos britânicos e alemães na parte mais ao sul do saliente de Ypres, na Bélgica, na véspera de Natal, 24 de dezembro de 1914. Durante a semana que antecedeu o Natal, soldados alemães e britânicos trocaram saudações festivas e canções entre suas trincheiras. Na véspera de Natal e no Dia de Natal muitos soldados de ambos os lados se aventuraram na “terra de ninguém”, onde se encontraram, trocaram alimentos e presentes, e entoaram cânticos natalinos ao longo de diversos encontros. A trégua também permitiu que os soldados mortos recentemente pudessem ser trazidos de volta para suas linhas para poderem ser enterrados. Foram realizados vários funerais em conjunto.
 
A trégua é vista como um momento simbólico de paz e de humanidade em meio a um dos eventos mais violentos da história moderna, mas não foi universal: em algumas frentes de combate a luta continuou durante todo o dia, enquanto em outras foi feito apenas o trabalho de recolher os corpos dos mortos.
 
Embora existam muitas histórias acerca de como o Natal não oficial foi iniciado em vários setores, para a maior parte ele foi iniciado pelas tropas alemãs estacionadas defronte às forças britânicas onde uma distância relativamente curta separava as trincheiras ao longo da “terra de ninguém”.
 
Muitos soldados alemães tinham o costume, na véspera do Natal, de montar árvores de Natal, adornadas com velas acesas – com a exceção que, desta vez, foram posicionadas ao longo das trincheiras do front oeste. Inicialmente surpresos e desconfiados, os observadores britânicos reportaram a existência das árvores de Natal para os oficiais superiores. A ordem recebida foi que eles não deveriam atirar mas, em vez disso, observar cuidadosamente as ações dos alemães. Em seguida, foram ouvidos cânticos de Natal, cantados em alemão. Os ingleses responderam, em alguns lugares, com seus próprios cânticos. Aqueles soldados alemães que falavam inglês então gritaram votos de Feliz Natal para os “Tommies”; saudações similares foram retribuídas da mesma maneira para os “Fritz”. Como escreveu o fuzileiro Graham Williams, do 5º London Rifle Brigade: “Começamos a cantar O Come, All Ye Faithful e imediatamente os alemães se uniram cantando o mesmo hino em suas palavras latinas, Adeste Fideles. Que coisa extraordinária – duas nações inimigas entoando o mesmo cântico no meio da guerra”.
 
Em algumas áreas, soldados alemães convidaram os “Tommies” para avançar pela “terra de ninguém” e visitar os oponentes alemães que eles estavam tão absortos em matar poucas horas antes. O capitão alemão Josef Sewald, do 17º regimento de infantaria da Bavária escreveu: “Gritei para os nossos inimigos que não queríamos atirar e que faríamos uma trégua de Natal. Disse que eu viria do meu lado e que poderíamos conversar entre nós. A princípio, houve silêncio, voltei a gritar e um inglês gritou, “Parem os tiros!” Aí um deles saiu das trincheiras e eu fiz o mesmo, e nos aproximamos e trocamos um aperto de mãos – um tanto cautelosos!” Edward Hulse, um tenente do 1º Scots Guards, escreveu no diário de guerra do seu batalhão: “Nós iniciamos conversações com os alemães, que estavam ansiosos para conseguir um armistício durante o Natal. Um batedor chamado F. Murker foi ao encontro de uma patrulha alemã e recebeu uma garrafa de uísque e alguns cigarros e uma mensagem foi enviada por ele, dizendo que se nós não atirássemos neles, eles não atirariam em nós”.
 
Na manhã de Natal, um culto bilíngue foi realizado por um ministro escocês e um seminarista alemão, “um espetáculo extraordinário”, deslumbrou-se o tenente Arthur Pelham Burn, do 6º Gordon Highlanders. Enquanto os Salmos eram cantados, “os alemães [estavam] alinhados de um lado, os britânicos de outro, os oficiais à frente, todos de cabeça descoberta.”
 
Consequentemente, a artilharia nesta região permaneceu em silêncio naquela noite.
 
Histórias começaram a se espalhar sobre visitas trocadas entre as forças britânicas e os inimigos alemães. Tais visitas não estavam restritas aos soldados somente: em algumas ocasiões, o contato inicial foi feito entre oficiais, que definiram em conjunto os termos da trégua, acrescentando somente o quanto seus homens poderiam avançar em direção às linhas inimigas.
 
Estes termos permitiam o enterro das tropas de cada lado que jaziam ao longo da “terra de ninguém”, alguns mortos há apenas uns dias, enquanto outros haviam esperado meses pela dignidade de um funeral – todos, porém, tiveram que ser deixados onde haviam caído, pois metralhadoras cobriam o local onde eles jaziam na desolação entre as trincheiras opostas.
 
Naturalmente, homens das equipes encarregadas dos funerais entraram em contato com os membros das equipes similares do inimigo quando, então, conversas foram entabuladas e cigarros trocados.
 
O mais notável de tudo foi, talvez, a história da partida de futebol entre os ingleses do 2º Argyll and Sutherland Highlanders e as tropas alemãs do 133º regimento de infantaria da Saxônia – vencida por 3x2 pelos alemães, que cantavam “Deus salve o rei” em homenagem a Jorge V do Reino Unido. Outro jogo, entre o 2º Royal Welsh Fusiliers e o 134º regimento de infantaria da Saxônia, também terminou com vitória alemã por 2x1.
 
Em muitos setores a trégua durou até a meia-noite de Natal; enquanto em outras áreas durou até o primeiro dia do ano seguinte.
 
Nos primeiros meses de guerra de trincheiras, as tréguas não eram restritas apenas ao período de Natal, e unidades de infantaria em estreita proximidade com outras evitavam um comportamento abertamente agressivo, e muitas vezes se engajavam em pequenas confraternizações, promovendo conversas ou troca de cigarros. Em alguns setores havia cessar-fogo ocasional, para que os soldados pudessem ir entre as linhas de combate para resgatar os companheiros feridos ou mortos, enquanto em outros vigorava um acordo tácito para não atirar enquanto os homens descansavam, se exercitavam, ou trabalhavam à vista do inimigo. As tréguas de Natal foram particularmente notáveis devido ao número de homens envolvidos e ao nível de participação – milhares de homens se reuniam abertamente à luz do dia para celebrar o nascimento do Salvador, Jesus Cristo.
 
Nas cartas para casa, os soldados na linha de frente foram praticamente unânimes em expressar seu espanto com os eventos do Natal de 1914. Um alemão escreveu: “Aquele foi um dia de paz na guerra; é uma pena que não tenha sido a paz definitiva”.
 
O cabo John Ferguson, do 2º Seaforth Highlanders, contou como a trégua foi conduzida no seu setor: “Nós apertamos as mãos, desejando Feliz Natal e logo estávamos conversando como se nos conhecêssemos há vários anos. Nós estávamos em frente às suas cercas de arame e rodeados de alemães – Fritz e eu no centro, conversando, e ele, ocasionalmente traduzindo para seus amigos o que eu estava dizendo. Nós permanecemos dentro do círculo como oradores de rua. Logo, a maioria da nossa companhia (Companhia ‘A’), ouvindo que eu e alguns outros havíamos ido, nos seguiu... Que visão – pequenos grupos de alemães e ingleses se estendendo por quase toda a extensão de nossa frente! Tarde da noite nós podíamos ouvir risadas e ver fósforos acesos, um alemão acendendo um cigarro para um escocês e vice-versa, trocando cigarros e souvenires. Quando eles não podiam falar a língua, eles tentavam se fazer entender através de gestos e todos pareciam se entender muito bem. Nós estávamos rindo e conversando com homens que só umas poucas horas antes estávamos tentando matar!”
 
O capitão Bruce Bairnsfather, do 1º Warwickshires, resumiu os sentimentos de muitas das tropas britânicas quando ele escreveu: “Todos estavam curiosos: ali estavam aqueles malditos comedores-de-salsicha, que tinham começado aquela infernal guerra europeia e, ao fazer isso, nos enfiaram no mesmo lamaçal junto com eles... Não havia um átomo de ódio em qualquer dos lados aquele dia e ainda, no nosso lado, nem por um momento havia a vontade de guerrear e a vontade de deixá-los relaxados. […] Eu não perderia aquele único e estranho dia de Natal por nada deste mundo... encontrei um oficial alemão, um tenente penso eu, e sendo um colecionador, disse a ele que havia gostado de alguns de seus botões. Eu trouxe meu cortador de arame, retirei um par de botões e coloquei-os no bolso. Então eu lhe dei dois dos meus em troca... depois reparei num dos meus artilheiros, que era cabeleireiro amador na vida civil, a cortar o cabelo bastante longo de um Fritz dócil, que estava pacientemente ajoelhado no chão, enquanto a máquina de corte deslizava em volta de seu pescoço.”
 
A Igreja Católica, através do Papa Bento XV, tinha solicitado uma interrupção temporária das hostilidades para a celebração do Natal, pedindo “que as armas possam cair em silêncio, ao menos na noite em que os anjos cantam”. Embora o governo alemão tenha indicado sua concordância, os aliados rapidamente discordaram: a guerra tinha que continuar, mesmo durante o Natal.
 
Os governos aliados e o alto-comando militar reagiram com indignação à trégua de Natal. O comandante-em-chefe britânico, o general Sir John French, possivelmente tinha previsto a suspensão das hostilidades no Natal quando emitiu uma ordem antecipada alertando suas forças para um provável aumento da atividade alemã durante o Natal: ele, portanto, instruiu seus homens para redobrar o estado de alerta durante esta época. Após a trégua ele escreveu severamente: “Eu emiti ordens imediatas para prevenir qualquer recorrência deste tipo de conduta e convoquei os comandantes locais para prestarem contas, o que resultou em punições severas”. O general Sir Horace Smith-Dorrien, comandante do II Corpo britânico, revoltou-se ao saber o que estava acontecendo e emitiu ordens estritas proibindo a comunicação amigável com as tropas adversárias alemãs: “O Comandante do Corpo, portanto, ordena aos Comandantes de Divisão para incutirem em todos os seus comandantes subordinados a absoluta necessidade de encorajarem o espírito ofensivo das tropas, enquanto estiverem na defensiva, por todos os meios à sua disposição. Relações amistosas com o inimigo, armistícios não oficiais (i.e, ‘nós não atiramos se vocês não atirarem’, etc.) e a troca de tabaco e outros confortos, não importa os quão tentadores e ocasionalmente agradáveis possam ser, estão absolutamente proibidos”.
 
Adolf Hitler, cabo do 16º regimento de infantaria da reserva da Bavária, estava entre os oponentes da trégua, tendo desabafado: “Essas coisas não deviam acontecer em tempo de guerra. Os alemães perderam todo o senso de honra?”
 
Investigações foram conduzidas para determinar se a trégua não oficial foi de alguma maneira organizada de antemão; o resultado da apuração foi negativo. A trégua foi um evento genuinamente espontâneo, que ocorreu em alguns setores, mas não em outros.
 
Embora a história dos conflitos inclua numerosos exemplos de gestos generosos entre inimigos, a trégua de Natal no front oeste foi talvez o mais espetacular e, certamente, o mais famoso de seu tipo. “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2.14) – por, pelo menos, um breve período de tempo.
 
No entanto, precauções especiais foram tomadas pelos alto-comandos dos exércitos envolvidos durante o Natal dos anos seguintes, aumentando os bombardeios de artilharia para que não mais ocorressem tréguas. E as tropas ao longo de vários setores da frente foram também trocadas para impedir que se tornassem excessivamente familiares ao inimigo. Os combates continuaram até 1º de novembro de 1918. Cerca de 21 milhões de pessoas morreram, como resultado da Primeira Guerra Mundial.
 
(Imagem: “All Together Now”: estátua em Liverpool comemora a trégua de Natal de 1914)
 

(Franklin Ferreira)