terça-feira, 15 de dezembro de 2020


Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Gênio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu caráter nato quer que eu seja; e meu Gênio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.


Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.


Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.


O último rasto de influência dos outros no meu caráter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.

Fernando Pessoa, 'Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação'

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