sexta-feira, 31 de janeiro de 2020



O poeta Ronaldo Bastos, Diana Pequeno, o poeta Mário Quintana e o Erasmo Carlos.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Dançando com o espantalho

Tenho dito ou insinuado aqui que amadurecer deveria ser visto como algo positivo e que envelhecimento não é revogação da individualidade. Um dos motivos de nossas frustrações, homens e mulheres, é vivermos numa cultura que idolatra a juventude e endeusa a forma física além de qualquer sensatez. Se maturidade é fruto da mocidade e velhice é resultado da maturidade, viver é ir tecendo naturalmente a trama da existência. Processo tão enganosamente trivial para aquele que o vive, tão singular para quem o observa. Tão insignificante no contexto da história humana. Seguindo esse fluxo, vestidos com nossas circunstâncias, carregando a bagagem que nos foi dada e a que fomos adquirindo, navegamos. Escolhemos algo do roteiro, desenhamos alguma coisa nas margens, acompanhados por presenças positivas mas também pelo monstro da nossa dificuldade de viver bem, sempre pronto a liquidar conosco. Não nos damos sempre conta dele: faz parte da nossa cultura, nossa educação, da mídia, da personalidade. Está nas revistas, na mente dos que nos rodeiam e dos que amamos, está dentro de nós. Cresce e prospera na medida em que não temos o costume de lidar com ele. O inimigo é variado, tem muitas cabeças. Somos muitos, dizia o demônio que possuíra um infeliz na literatura cristã. Todas elas nos controlam e inibem: a imposição e aceitação de modelos inatingíveis; a não-apreciação de si; a submissão a preconceitos, a ausência de valores pessoais; a frivolidade nos relacionamentos afetivos mais variados. O consequente temor do processo que em lugar de evolução e crescimento nos assusta como aniquilamento. Precisamos superar a ideia de que estamos meramente correndo para o nosso fim, num processo de deterioração e apagamento. Esse é o nosso fantasma mais destrutivo, pois se alimenta com nosso terror da morte, e cresce desmesuradamente porque nosso vazio interior lhe concede um espaço extraordinário. Se quisermos, mais que sobreviver, crescer enquanto humanos e pensantes, esse relógio sobre a mesa-de-cabeceira ou no pulso – especialmente o relógio em nossa mente – deve ser apenas aquilo que é: instrumento para medir e coordenar as atividades cotidianas. Para marcar as fases com seus encantos e limitações, sua riqueza e suas privações, mas de modo geral significando crescimento, não mutilação. A cada transição executamos nossos rituais, perdemos alguns bens e ganhamos outros, alguns duramente conquistados.

Falo dos bens de dentro.

Esses que nem o banco fechando nem país falindo caducam; esses que nem o amado morrendo a gente perde; esses que na dor nos iluminam, na alegria nos ajudam a curtir mais, e no tédio – quando tudo parece tão sem graça – agitam correntes submersas de energia mesmo se a superfície parece morta. Quando pensamos que tudo acabou, que nunca mais teremos alegria ou emoção, tudo isso que estava guardado e é bom emerge em plena vigência e força. É desses tesouros que eu falo: eles podem vencer o que nos paralisa. Hão de superar essa cultura do aqui e agora, do aproveitar, do adquirir, do estar na moda, do estar por cima, do estar-se agitando e curtindo sem parar. Na infância tudo é sempre agora.

Estamos ocupados em viver. Aos poucos se distinguem antes e depois, talvez pela separação momentânea de uma presença reconfortante que vai e retorna num tempo ainda não medido. A ausência se torna real num lampejo quando essa pessoa volta.”Ué, você não estava aí?” Por fim emergimos daquelas águas mornas e percebemos que existimos – no tempo.

Estamos em processo, em viagem, estamos em curso. O limbo assume nitidez e começa a nossa história. Quando menina eu gostava de levantar ao amanhecer e saborear o proibido, pois criança tinha de ficar quieta na cama até a mãe chamar. Ia até a janela e abria, devagar para não fazer ruído. Como era mágico o jardim naquela hora. Pleno da noite que terminava, pleno da espera pelo dia que ia começar.

Já naquela época a alternância dos dias não me parecia hostil, mas uma espécie de feitiço que provocava transformações: o casulo com a promessa de asas cintilantes. Por que necessariamente agora, com corpo agrandado, pele menos suave, rugas e experiência, estarei em declínio e não em natural transformação – como tudo o mais? O que é bonito num bebê desagrada num adolescente; o que num jovem deslumbra, numa pessoa madura pode ficar deslocado; assim como na velhice – se ela não for uma caricatura da juventude -, encanta o que é próprio dela. “Mas o que pode haver de positivo em ficar velho?” perguntaram-me um dia. “Diga uma coisa só, e vou acreditar.” As qualidades interiores vão sobressaindo, afirmando-se sobre as físicas. Ao contrário da pele, cabelos, brilho de olhar e firmeza de carnes, elas tendem a se aprimorar: inteligência, bondade, dignidade, escutar o outro. Capacidade de compreender. Mas é preciso que exista algo interior para sobressair: o desgaste físico será compensado pelo brilho de dentro. Não será preciso nem mutilar-se com cirurgias além do razoável, maquilagem exagerada, roupas extravagantes.., nem ocultar-se porque estamos maduros, ou já estamos velhos. Se a transformação que se efetua em nosso corpo é inexorável, sua velocidade e características dependem de genética, cuidados, saúde, vitalidade interior também. Com o inexorável só há uma saída, e não será fugir: é vivenciá-lo do melhor modo que posso. A questão não é que a vida fique suspensa, mas que a gente viaje com ela, em lugar de paralisar-se e ficar atrás.
Se não formos demasiado tolos, gostaremos de nossa aparência em todos os estágios. Olhar-se no espelho e dizer: “Bom, essa sou eu”. Nem extraordinariamente conservada nem excessivamente destruída. Estou como se está nesta fase. E se eu sou assim, gosto de mim. Sou a minha história. Pois não somos só nossa aparência; mas somos também nossa aparência. Negá-la é negar o que, afinal, nos tornamos. Por isso, se é melancólico negligenciar a aparência, é patético querermos parecer ter 20 anos aos 40, ou 40 aos 70. Deveríamos querer ser belas, dignas, elegantes e vitais pessoas – de 60 ou 80 anos. Felizes, ainda, aos oitenta anos.

Emprestaram-me um livro onde estava sublinhada a frase: a meta da vida é a morte. Bem, eu acredito que o final da vida é a morte, mas que a meta da vida é uma vida feliz. Palavras gastam-se como pedras de rio: mudam de forma e significado, de lugar, algumas desaparecem, vão ser lama de leito das águas. Podem até reaparecer renovadas mais adiante. Felicidade é uma delas. Banalizou-se porque vivemos numa época de vulgarização de grandes emoções e desejos, tudo fast food, prêt-à-porter, pronto para o micro-ondas, fácil e rápido… e tantas vezes anêmico. Se por encantamento e profissão escolhi o território das palavras, sei o quanto algumas se contaminam pelo uso e se tornam agressivas ou contraditórias, têm ares de ironia ou de ingenuidade. Tornam-se confusas e ineficientes, prestam-se a mal-entendidos ou clareiam mais o significado. Conheço um pouco o modo como se apoderam das nossas experiências e lhes dão rostos, roupas, ares que nem tínhamos imaginado. Gosto das coisas – pessoas e palavras – desconcertantes. Seus contornos imprecisos permitem que a gente exerça o direito de refletir e de criar em cima delas. Mas algumas palavras e circunstâncias me assustam quando espio por trás de seus sete véus.

Muitas revestem as transformações de nosso tempo, mudança de padrões de comportamento, progresso e avanço, mas também sombra e estéril angústia, desperdício. Algumas têm a ver com ideais que não só raramente atingimos, como, obtidos, pouco têm a ver com liberdade e com felicidade. O curso do tempo significaria me tornar cada vez mais completo, se eu não carregasse comigo o preconceito fundante de nossa época: só a juventude é bela e tem direito de ser feliz, a maturidade é sem graça e a velhice é uma maldição. A idade madura não precisa ser o começo do fim, idade avançada não precisa ser isolamento e secura.

Podem-se fortalecer laços amorosos, familiares, de amizade, variar de interesses, curtir melhor o gozo das coisas boas. Existir é poder refinar nossa consciência de que somos demais preciosos para nos desperdiçarmos buscando ser quem não somos, não podemos, nem queremos ser. “É assim, o tempo: devora tudo pelas beíradinhas, roendo, corroendo, recortando e consumindo. E nada nem ninguém lhe escapará, a não ser que faça dele seu bicho de estimação.” (O ponto cego, 1999)

Lya Luft

Naquele sossego, a única coisa que apetece é fazer demorar o tempo.

Mia Couto
"Saturno". Imagens feitas pela "Sonda Cassini" em 2004.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Da inquieta esperança

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.


Mário Quintana 
Passa -se com o homem o mesmo que com a árvore. Quanto mais quer crescer para o alto e para a claridade, tanto mais suas raízes tendem para a terra, para baixo, para a treva, para a profundeza - para o mal.

(Friedrich Nietzsche)
E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?

– José Saramago, em “A maior flor do mundo”.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

“Vivemos numa sociedade prostrada perante os valores da juventude”

“Envelhecer bem é trabalho para toda a vida” foi o tema do painel apresentado por Júlio Machado Vaz no Fórum Socialismo 2019. O médico psiquiatra abordou questões como a necessária transformação dos cuidados de saúde.

Do esquerda.net (Portugal)


“A palavra velhice reenvia-nos, queiramos ou não, para um estar. Para um ser. É algo, aliás, que está completamente burocratizado. Um dia acordamos, temos 65 anos e somos velhos oficialmente”, afirmou Júlio Machado Vaz no início da sua intervenção.

O médico psiquiatra fez referência ao relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) que “baseia as suas recomendações na análise das mais recentes evidências a respeito do processo de envelhecimento, e observa que muitas percepções e suposições comuns sobre as pessoas mais velhas são baseadas em estereótipos ultrapassados”.

“Como mostra a evidência, a perda das habilidades comumente associada ao envelhecimento na verdade está apenas vagamente relacionada com a idade cronológica das pessoas. Não existe um idoso ‘típico’. A diversidade das capacidades e necessidades de saúde dos adultos maiores não é aleatória, e sim advinda de eventos que ocorrem ao longo de todo o curso da vida e frequentemente são modificáveis, ressaltando a importância do enfoque de ciclo de vida para se entender o processo de envelhecimento”, lê-se no documento.

Sublinhando que existe “uma mania muito humana” de “cortarmos a vida às fatias”, o que nos dá uma falsa sensação de “segurança”, Júlio Machado Vaz lembrou que “os colegas da neurologia dizem-nos que a nível de desenvolvimento, a nível neuronal, por exemplo, estar a falar de um fim de adolescência antes dos 24 anos não faz sentido”.

A ideia de que a vida é um processo e de que a nossa capacidade física e psicológica está apenas vagamente relacionada com o passar dos anos esteve presente na sua intervenção.

Assumindo que a adoção de estilos de vida saudável aumenta a probabilidade de envelhecermos com mais qualidade de vida, o médico psiquiatra avançou que, a par da necessidade de os profissionais de saúde respeitarem a liberdade individual de cada pessoa, é necessário “evitar a armadilha” de considerar que estamos perante uma “questão meramente individual” e assumir uma “postura inquisitorial”, que se traduz numa “má prática clínica”.

“É ingênuo e insultuoso não levarmos em linha de conta as condições de vida, em sentido lato, das pessoas”, nomeadamente no que respeita às dificuldades econômicas de cada um, defendeu.

De acordo com Júlio Machado Vaz, é preciso transformar os sistemas de saúde: “Ao praticarmos uma medicina baseada no profissional de saúde e não no doente não valorizamos o que vem do outro lado”, sinalizou, avançando que, “se não existe essa articulação, perdemos a ‘eficácia’ da nossa atividade”, já para não falar na pedra basilar, que é o respeito pelo outro.

O profissional de saúde alertou que “não fazer bem sai mais caro” e que, muitas vezes, estamos a “valorizar a quantidade dos atos médicos e não a sua qualidade”, o que representa um “erro crasso em termos éticos, mas também em termos de rentabilidade”, já que a pessoa acaba por voltar aos serviços ou por sobrecarregar outras unidades de saúde.

No que respeita à Saúde Pública, Júlio Machado Vaz considera ainda que é fundamental ter sempre em conta a diversidade física e mental dos mais velhos e priorizar “uma abordagem integrada”, com a intervenção de várias profissões. Bem como é prioritário apostar na formação em gerontologia e geriatria e nos cuidados continuados e domiciliários. Outra questão levantada pelo psiquiatra diz respeito ao facto de, muitas vezes, os profissionais de saúde lidarem com a morte de uma forma impessoal e asséptica, não priorizando o bem-estar da pessoa e diminuindo a qualidade de vida de alguém ao tentar adiar a sua morte.

Durante a sua intervenção, Júlio Machado Vaz abordou ainda a questão da discriminação a que os mais idosos estão sujeitos: “Vivemos numa sociedade que vive totalmente prostrada perante os valores da juventude. Uma das consequências é que a mensagem que a mídia nos passa não é como envelhecer bem, é como fingir que não envelhecemos, o que tem toda a lógica numa sociedade capitalista de consumo”, frisou.

“A partir de certa altura, interiorizamos essa discriminação e já não precisamos de ser discriminados pelos outros. Temos polícias dentro de nós. E não há pior censura do que aquela que foi interiorizada, porque arrastamo-la por todo o lado”, acrescentou.

Júlio Machado Vaz apontou também a discriminação explícita no que respeita à sexualidade dos mais idosos: “Vivemos numa sociedade que decreta que é de mau gosto os mais velhos apaixonarem-se, namorarem, quererem sentir-se bem. De tal maneira que até o léxico é afetado”.

Também a forma como a sociedade lida com a tristeza gera preconceitos e más práticas clínicas: “Vivemos numa sociedade que tem uma tolerância baixíssima para os afetos desagradáveis. A tristeza é um afeto completamente normal. Confundir tristeza com depressões e encher as pessoas de drogas, bem como partir do princípio que uma pessoa mais velha está deprimida apenas porque é mais velha é péssimo na medicina”, destacou.

O médico psiquiatra ressaltou a importância da participação social, assinalando que, com a reforma, inúmeras vezes “descobrimos que temos poucos laços sociais, que não temos hobbies, não temos interesses e isso pode ser catastrófico, nomeadamente em termos psicológicos, o que está associado a determinadas patologias”.

Júlio Machado Vaz alertou que “os modelos antigos de cuidados informais são completamente impossíveis hoje em dia” e que é urgente garantir os direitos dos cuidadores.

A necessidade de assegurar uma supervisão governamental das medidas, mas com parcerias com as famílias e comunidades; de remover barreiras arquitetônicas e adaptar o planeamento urbano; de apostar na melhoria de salários e condições de trabalho; de implementar verdadeiras políticas de gênero; de apoiar iniciativas comunitárias; de garantir o direito à habitação e a proteção contra a pobreza também constam das prioridades enumeradas pelo psiquiatra.
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Milton Ribeiro
Foto: Philippe Pache

Frase

"Do outro lado do medo, há a vida!"

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Frase

"A humanidade não representa em absoluto uma evolução em direção ao melhor, ao mais forte, ao mais elevado. O progresso é apenas uma ideia moderna, ou seja, uma ideia falsa."

(Nietzsche)
                                               Café romano. Manaíra Shopping, João Pessoa.

Meu blusão surrado e minhas sandálias de dedos.

O mundo não vai lhe fazer feliz. Ele não está interessado com isso. O mundo só se preocupa com a seu visual, com a sua "casca", com o seu pequeno, grande ou inexistente patrimônio, com a marca da roupa que você veste ou com as sandálias que você calça. O mundo lhe mede apenas pela sua aparência. Você é para o mundo apenas o que lhe saltam aos olhos. A felicidade do mundo está diretamente relacionada com a "coerência" visual do outro e dura a efemeridade de suas exigências. 

Considero que o externo não é essencial a alma, não, não é o externo, não são suas vestes, não é o seu corpo gordo ou magro, alto ou baixo, não é a quantidade do metal que você tem no bolso, não é a marca de suas sandálias, não é o discurso do mundo sobre você que o tornará feliz. A felicidade está em tudo aquilo que você edifica mentalmente. - Busque a beleza da alma. Acredite, é lá onde mora a felicidade! 

Teófilo Júnior

"O silêncio é uma travessia.
Há que ter bagagem para ousar essa viagem."

Mia Couto

domingo, 26 de janeiro de 2020

O vírus ebola em 3D o vírus com maior indício de mortalidade humana!!!




Nossa religião é aquilo que fazemos quando o sermão acaba. A assertiva deveria ser posta em toda porta de saída das igrejas.
Difícil compreender como no vasto mundo
falta espaço para os pequenos.
.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º ed., 2007.
É para a gente rasgar cartas antigas...
Folhear lentamente um livro de poemas...
Não escrever nenhum...


Mário Quintana

A leitura ainda é o melhor caminho para subir na vida

sábado, 25 de janeiro de 2020




" Agora ela sabia:
Um livro é uma canoa.
[. . .] Tivesse livros
e ela faria a
travessia para o mundo,
para o outro lado
de si mesma."


Mia Couto
Os únicos interessados em mudar o mundo são os pessimistas, porque os otimistas estão encantados com o que há.

José Saramago
Na guerra, os pobres são mortos. Na paz, os pobres morrem.

Mia Couto

No livro "A Confissão da Leoa"
Foto de @arturcarvalho

Neurônios em 3D



sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O oceano é um poema sem palavras...



Resiliência

A Excalibur da vida real é, na verdade, italiana

O artefato se encontra em uma capela na Toscana, região de origem de um notório santo italiano

Uma espada medieval se encontra fincada em uma pedra na Capela de Montesiepi, localizada na bela Toscana da Itália. Porém, não se trata de nenhuma referência a lenda do Rei Arthur, mas sim da real história de um santo.

A história arturiana pertence à Galgano Guidotti, nascido em 1148. O jovem passou seus primeiros anos em meio à fortuna em uma família abastada, mas aos 32 decidiu mudar de vida e seguir os ensinamentos de Jesus.

Retirando-se como um eremita, ele tomou a decisão depois de receber aparições do Arcanjo Miguel, falando para ele de um encontro com Deus e os doze apóstolos na colina de Monte Siepi (local onde mais tarde seria erguida a notória capela em que está a espada).

Em uma das aparições, Miguel falou para Guidotti que ele deveria se desfazer de todos os seus bens mundanos, ao que o eremita respondeu que seria difícil como partir uma pedra ao meio.

Para provar o seu ponto, Galgano teria tentado fincar sua espada dentro de uma pedra, e, para sua supresa, a espada perfurou e saiu do minério com muita facilidade. Decidido a seguir a palavra do anjo, o homem cavalgou até o topo do Monte Siepi e fincou sua espada em meio a uma impenetrável pedra, onde permanece até hoje.

Um ano depois desse caso, Guidotti faleceu, e em 1185 Papa Lúcio III santificou o homem, e a Capela de Montesiepi foi construída em volta da espada fincada para preservar sua santidade.

Inúmeras foram as tentativas de ladrões e audaciosos de tirar o sabre da rocha, e uma dessas tentativas permanecem expostas até hoje para os que visitam a capela. Um ladrão, enquanto tentava remover a arma do lugar, foi atacado por lobos e somente suas mãos sobraram da investida dos animais.

Os membros mumificados resistem até hoje por razões desconhecidas, mas servem de aviso para os mal-intencionados que hoje tem que passar por uma proteção de vidro balístico para tocar no artefato.
Por mais que tenha sido considerado um embuste por anos, a espada foi examinada em 2001 e teve a sua idade avaliada. O metal e o estilo da arma são consistentes com o fim dos anos 1100 e começo dos anos 1200. Por mais que não seja possível verificar a autenticidade de sua história, a idade, pelo menos, condiz com a lenda.

“Datar metais é uma tarefa difícil, mas podemos dizer que a composição do metal e o seu estilo são compatíveis com a era em que se passa a lenda”, disse Luigi Garlaschelli, da Universidade de Pádua, “Fomos bem sucedidos em negar as acusações de que a história é uma mentira recente”.

Análises feitas por radares ainda contemplaram uma cavidade de 2 metros de altura por 1 metro de largura, que provavelmente devem ser uma cova para o corpo do santo. Além disso, as mãos mumificadas também tiveram sua idade conferida, e condizem com um corpo do século 12.


Caio Tortamano 
Aventuras na História 


quinta-feira, 23 de janeiro de 2020


"Se levarmos em conta que amar outra pessoa não é amar o que projetamos nela e sim a sua humanidade e singularidades, não será difícil compreender que o amor é um desafio nos tempos de modernidade líquida."

Bauman

Evolução

Em milhões de anos, as narinas das baleias e demais cetáceos migraram do focinho para o topo da cabeça, onde formaram os espiráculos.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Caro amigo, os delitos do corpo há muito já estão prescritos com certeza, afinal, imprescritíveis mesmos somente os delitos imorredouros da alma, esses seguirão abraçados conosco, ad perpetum, como o amor que a tudo aplaca, como o amor que a tudo esquece!

Teófilo Júnior

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Da chegada do amor

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.


Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.


Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.


Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.


Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.


Elisa Lucinda

Chuva com Lembranças

Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gôta que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa. (Como desejariam pular em poças dágua! — Mas a chuva não vem...)

Nas terras sêcas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!

Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flôres das cêrcas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.

Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos pára-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sôbre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...

Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.

Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aquêles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.

Por enquanto, caem apenas algumas gôtas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças dágua onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:

"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,

lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:

Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”

Cecília Meireles 

Texto extraído do livro “Quadrante 2 - 4ª Edição (com Biografias)”, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, págs. 48 e 49.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020


Resultados digitais

Demorei, mas o fato é que estou entrando, pouco a pouco, na era digital. Em outubro ganhei de presente de aniversário do meu filho mais velho uma conta do Instagram, para que pudesse mostrar pro mundo inteiro as colheres que faço com bambu. Agora, no Natal, ele inventou de fazer a edição digital do livro “Crônica do meu primeiro infarto”, onde relato passagens e emoções do evento coronariano que tive há exatos 25 anos. 
Dois de seus argumentos eram irrefutáveis: o livro trata de assunto que interessa a muita gente e era coisa muito fácil de fazer. Seria, por assim dizer, uma edição comemorativa e com lançamento mundial. Bastaria revisar o texto, fazer uma capa chamativa e preparar a divulgação em massa via internet, a começar pelo envio de mensagens aos conhecidos e postagens nas redes. Dito e feito: a versão beta já está nas nuvens, sem qualquer dependência de editores, livrarias e tudo o mais. Em breve sai a versão definitiva a custo zero.
Tudo isso me fez lembrar do lançamento da versão impressa, no Iate Clube. Festa animada e inesquecível para mais de 1000 pessoas queridas, com direito a show da banda de rock dos meninos, apelidada de Artéria Entupida por meu irmão Afonso, vitrines com colheres bem na passagem da fila de autógrafos, muita conversa animada e beijos e abraços em profusão. Verdadeira comemoração por estarmos todos vivos e saudáveis. De quebra, um recorde espetacular: mais de 400 exemplares vendidos. Em escala menor, porém com as mesmas emoções, a festa se repetiu em Cachoeiro, no Rio, em Brasília e em João Pessoa, por onde deixamos muitos amigos. Preparar as respectivas listas de convidados deu trabalho mas foi um belo exercício de recomposição de memórias. Tive enorme satisfação em ver que muito pouca gente faltou. 
Espero que a edição digital cumpra o seu papel, ao permitir que a leitura do livro seja feita por um número bem maior de interessados, de qualquer lugar. Na falta dos abraços, seria ótimo se, ao menos, ela gerasse uma boa quantidades de likes, compartilhamentos e comentários, coisas que fazem bem pra qualquer coração. 
Vitória, 09 de janeiro de 2020
Álvaro Abreu
Escrita para  A GAZETA