sexta-feira, 31 de março de 2023

 


Diferença entre ética e moral

A principal diferença entre moral e ética é esta: a moral é o conjunto de regras que diz às pessoas o que é certo e o que é errado, enquanto a ética é uma reflexão sobre a moral (ou filosofia da moral).

A moral é o conjunto de normas que dizem respeito ao bem e ao mal, ao certo e ao errado. Essas normas fazem referência a valores (os chamados valores morais) que são transmitidos de geração a geração e orientam a conduta dos indivíduos no seu dia a dia.

Já a ética é um campo da filosofia cujo objeto de estudo são os princípios que orientam a moral. Nesse sentido, a ética é uma reflexão filosófica sobre a moral.

Assim, enquanto a moral aponta para os comportamentos particulares de indivíduos e grupos, a ética se aproxima aos princípios universais que regem o bem comum e a convivência entre os seres humanos de modo geral.

O filósofo inglês Bernard Williams (1929-2003) afirma que o objetivo da ética é responder às questões: "Como viver?" ou "Qual é o modo de vida que conduz à felicidade?". A moral, por outro lado, diz respeito aos deveres impostos pela sociedade, como não roubar, não mentir, não matar etc.

A palavra ética também é usada para designar certos deveres profissionais ou públicos. Fala-se muito da "ética dos políticos" - existe, inclusive, um Conselho de Ética e Decoro Parlamentar na Câmara dos Deputados, cuja função é aplicar penas em caso de descumprimento de regras por parte dos deputados.

Também existem os chamados "códigos de ética" profissionais, como o "código de ética médica", o "código de ética dos jornalistas", o "código de ética dos advogados" etc. Nesse sentido, a ética é um conjunto de princípios que regulam as ações de um determinado grupo profissional, em função do cumprimento de certos deveres.

A moral tem a ver com as condutas, com os costumes tradicionais de um determinado grupo. Há condutas moralmente corretas, e há condutas moralmente condenáveis (ou imorais). Já a ética, enquanto ciência das condutas, consiste num exame ou reflexão sobre o significado dos valores morais.

O filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) questionava as pessoas de seu tempo a respeito de certos princípios sobre os quais elas não paravam para pensar, como as virtudes e o bem. Sócrates punha os valores morais em discussão e buscava examinar as bases do pensamento e do comportamento humano.

Aristóteles (384-322 a.C.), em sua obra Ética a Nicômaco, desenvolveu as bases para a compreensão da ética enquanto área específica da Filosofia. O pensamento aristotélico sobre a virtude, o vício e a finalidade da vida humana é considerado um marco dos estudos da ética

Os seres humanos, enquanto seres sociais, compartilham dos valores morais do grupo dos quais fazem parte. Os valores morais são tradicionais (isto é, são transmitidos de geração a geração) e impostos como uma obrigação aos indivíduos. A ética, enquanto reflexão sobre a moral, pode contestar esses valores. Para o indivíduo moralista, que se orienta cegamente pelas regras morais, contestar as regras morais é algo impensável.

Pedro Menezes
Professor de Filosofia, Mestre em Ciências da Educação

 

Nada lhe pertence mais que seus sonhos.

Nietzsche

 

“A nossa civilização é em grande parte responsável pelas nossas desgraças. Seríamos muito mais felizes se a abandonássemos e retornássemos às condições primitivas.”

Sigmund Freud
“Diogenes"- Jules Bastien-Lepage, 1905.

Há momentos na vida que é preciso mudar de pele. Promover a nossa própria renovação e seguir em frente

quarta-feira, 29 de março de 2023

terça-feira, 28 de março de 2023

 

foto: Danny Santos

 


foto: joão espinho

domingo, 26 de março de 2023

 


 


    Se às vezes digo que as flores sorriem
    E se eu disser que os rios cantam,
    Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
    E cantos no correr dos rios…
    É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
    A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
    Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
    À sua estupidez de sentidos…
    Não concordo comigo mas absolvo-me,
    Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
    Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
    Por ela não ser linguagem nenhuma.

Alberto Caeiro

sábado, 25 de março de 2023

A arte está no detalhe

 

(Daniel Day-Lewis, em Lincoln)

Dizem que quando Steven Spielberg filmou a sua cine-biografia de Abraham Lincoln, o tique-taque de relógio que ouvimos no filme é de um relógio que de fato pertenceu a Lincoln.

 Dizem que quando Luchino Visconti, em Morte em Veneza (1971) mostra Dirk Bogarde lendo um jornal, trata-se de um exemplar autêntico de um jornal local, da época em que transcorre o filme (1911). 
 
Esses detalhes têm importância? Um espectador comum jamais vai perceber a diferença. Mesmo um crítico de cinema ou um historiador precisariam de alguma informação prévia para reparar em tais detalhes. 
 
Na verdade, esse exibicionismo de perfeição acontece para as pessoas que fazem o filme, não para as que o assistem. Não faz parte do filme (ou só o faz muito pouco): faz parte da vida deles, da semana de trabalho deles. 
 
Para conseguir o tal relógio e o tal jornal foi preciso que pessoas da equipe de produção entrassem em contato com a instituição (museu, biblioteca, etc.) que tinha a guarda dos objetos, enviasse um pedido formal, negociasse a abertura de um seguro contra perdas e danos, etc.
 
O objeto provavelmente foi conduzido, vigiado e levado de volta por pessoas com essa única tarefa para executar.
 
Inumeras vezes alguém perguntou no set: “Quem é esse pessoal de fora? O que estão fazendo aqui?”, e alguém respondeu: “É o pessoal que está cuidando do relógio raro”, ou algo assim.
 
Claro que nem sempre tudo corre bem. No filme de Quentin Tarantino Os Oito Odiados (2015), o ator Kurt Russell despedaçou um violão de 1870, uma raridade insubstituível, cedido pelo Martin Museum. Havia réplicas, feitas com essa finalidade, mas na hora da cena alguém não fez a troca, e o ator pensou que estava tudo pronto. O violão de 145 anos virou estilhaços.
 
“Coisas da vida; paciência,” diria Alec Baldwin com estoicismo.


 
                                                            (O Martin Museum)

A primeira crítica que se faz é, inevitavelmente: “Pra que usar um instrumento tão raro e correr esse risco? Por que não fizeram simplesmente uma imitação bem feita, ou mais de uma, e devolveram logo o original?”. 
 
E mais uma vez volta a possível explicação: porque quando o elenco e a equipe sabem que estão lidando com material raro e verdadeiro, aquilo impõe um pouco de respeito no espírito desses profissionais que precisam lidar diariamente, na sua profissão, com a encenação, a rua “cenográfica”, o figurino fake
 
Conta-se que um diretor de Hollywood, antes de filmar a cena da atriz principal descendo uma escadaria para um baile, exigiu um colar de diamantes verdadeiros, coisa para mais de 100 mil dólares. O assistente propôs uma imitação de 200 dólares. O diretor disse: “Uma mulher tem outra postura quado ela sabe que está trazendo cem mil dólares ao pescoço.”



( John Wayne, em Red River
 
Não é muito diferente da lenda que se conta sobre John Wayne. Quando ele filmou Rio Vermelho, uma das suas melhores atuações da vida inteira, o diretor Howard Hawks mandou confeccionar presentes para pessoas especiais da equipe: cinturões com fivela de prata e as iniciais do dono gravadas. Hawks e Wayne trocaram, depois, os respectivos cinturões, e Wayne usou o cinto com as iniciais de Hawks em vários clássicos que filmou nos anos seguintes, como Eldorado, Hatari, O Homem que Matou o Facínora e Rio Bravo. Como um talismã de qualidade. 
 
Não é ao público que esses detalhes se destinam, é à equipe. É para a fantasia íntima de quem está filmando, e não é só das estrelas. É também de gente que chega no set às 4 da manhã para começar a preparar o equipamento dos que chegarão às 6.
 
Trabalho profissional em equipe exige disposição, seriedade, profissionalismo, todo esse vocabulário motivatório que os coaches usam à mancheia. Mas exige também dois dedos de fantasia, três dedos de simbolismo e quatro de fetiche, para que todos acreditem que estão criando juntos uma coisa de verdade, uma coisa importante, e que essa coisa faz parte da vida deles, de segunda a sexta-feira. 
 
Se contarem a algum desses profissionais o detalhe do relógio, do jornal ou do colar, ele vai assentir, e dizer (lá com suas palavras) que sente orgulho de estar participando de uma coisa bem feita. Ele sabe que o público não vai saber disso, e de certa forma esse detalhe torna ainda mais valiosa a presença desse objeto. Ele sabe que a equipe teve em mãos algo precioso.
 
Porque esta é uma condição peculiar dos artistas, e quando digo artistas me refiro a todo mundo que trabalha na criação de uma obra de arte: eletricistas, marceneiros, maquiadoras, cantoras, roteiristas, assistentes, cenógrafas, diretores de fotografia...  “Um filme”, “uma peça de teatro”, “um balé”, tudo isto tem dentro de si duas coisas. Uma, é o produto que o público vê. Outra, é a aventura de fazê-lo, e isso o público não fica sabendo. 
 
A criação do mercado de filmes em DVD, com sua abundância de “extras” e “bônus”, gerou alguns sub-produtos interessantes.
 
O “Making Of” (com um F só, revisor) dá ao público uma vaga idéia do trabalho insano que é a realização de um filme, a ralação diária de centenas de pessoas para colocar na tela uma história que foi imaginada por meia dúzia. 
 
Outro bônus da era DVD são as “versões comentadas” do filme. Alguém, geralmente o diretor, vai assistindo o filme em tempo real e fazendo comentários sobre cada coisa que aparece. Explica detalhes técnicos, compara uma cena com outra, relata episódios pitorescos ou assustadores, chama a atenção para um objeto... Num mundo ideal, todo filme teria uma versão assim. Os bons filmes ganhariam em riqueza psicológica, em verossimilhança, teriam quem sabe algumas surpresas para o público. Até os maus filmes ficariam mais interessantes. 

Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
 

 



"A guerra tem costas largas.
Usamo-la para explicar
o que aconteceu
e para justificar
o que não aconteceu."
 
Mia Couto
em "O Mapeador de Ausências"

 


 


Não permito que nenhuma reflexão filosófica me tire a alegria das coisas simples da vida.

Sigmund Freud

 


sexta-feira, 24 de março de 2023

08 de março

 


"Porque se comemora o Dia Internacional da Mulher?

No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.
 
A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.
 
Porém, somente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de março passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas)."

Os Meus Sonhos São Mais Belos que a Conversa Alheia
 
Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projetos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Devo-me a humanidade futura. 
 
Quanto me desperdiçar desperdiço do divino patrimônio possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.
 
Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.
 
Fernando Pessoa, in "Inéditos"

 


 



"Se eu não me amar estarei perdida -
porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser.
Tenho que me querer para dar alguma coisa a mim."
 
Clarice Lispector

 


Frase

 

"Existe algo muito mais escasso, fino e raro que o talento. É o talento para reconhecer os talentosos."

Elbert Hubbard.

quinta-feira, 23 de março de 2023

 


 

"Ao longo da noite vou lendo as minhas velhas cartas. Vejo como a minha letra mudou e penso: a caligrafia é parte do corpo, a minha escrita foi ganhando rugas com a idade."

(Mia Couto, in "O Mapeador de Ausências".)

quarta-feira, 22 de março de 2023

Humor

 

O mineiro chegou na sala do patrão, jogou o salário do mês em sua mesa e disse:
- Chefe, o meu salário veio 50 reais a menos!
O patrão, indignado, retrucou:
- Engraçado, mês passado botei 50 reais a mais e você não disse nada!
O empregado arrematou:
- Pois é patrão, um erro eu aceito, mas dois já é demais!

Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas.


terça-feira, 21 de março de 2023

 


Mesmo que já tenha feito uma longa caminhada, sempre haverá mais um caminho a percorrer. 

 

Santo Agostinho

segunda-feira, 20 de março de 2023

Hoje acordei sem mim.
Saí à rua,
para me deixar possuir
pela simples leveza de existir.
 
Mia Couto

 


domingo, 19 de março de 2023

Gênero/Sexo

 

Roubado do Facebook:
 
Uma Professora de português deu uma aula especial:
 
“Não sou homofóbica, transfóbica, gordofóbica.
 
Eu sou professora de português. Estava eu a explicar um conceito de português e chamaram-me desrespeitosa. Estava eu a explicar por que razão não faz diferença nenhuma mudar a vogal temática de substantivos e adjetivos para ser “neutre”. Em português, a vogal temática na maioria das vezes não define o gênero. O gênero é definido pelo artigo que acompanha a palavra.
 
Vou exemplificar:
O motorista. Termina em A e não é feminino. O poeta. Termina em A e não é feminino. A ação, depressão, impressão, ficção. Todas as palavras que terminam em ação são femininas, embora terminem com O. 
 
Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, emocionante, livre, doente, especial, agradável, etc. 
 
Terminar uma palavra com E não faz com que ela seja neutra. A alface. Termina em E e é feminino. O elefante. Termina em E e é masculino. Como o gênero em português é determinado muito mais pelos artigos do que pelas vogais temáticas, se vocês querem uma língua neutra, precisam criar um artigo neutro, não encher um texto de X, @ e E. Mesmo que fosse o caso, o português não tem gênero neutro. Vocês teriam que mudar um idioma inteiro para combater o “preconceito”. O meu conselho é: em vez de insistir tanto na questão do gênero, entendam de uma vez por todas que gênero não existe, é uma coisa socialmente construída. O que existe é sexo. Entendam, em segundo lugar, que gênero linguístico, gênero literário, gênero musical, são coisas totalmente diferentes de “gênero”.
 
Não faz absolutamente diferença nenhuma mudar gêneros de palavras. Isso não torna o mundo mais acolhedor.
 
E entendam em terceiro lugar, que vocês podiam tirar o dedo do mostrador e pararem de dizer tolices e dedicarem-se a alguma coisa que realmente fizesse a diferença para melhorar o mundo, em vez de ficarem a arranjar discussões sem sentido. Tenham atitude! (Palavra que termina em E e é feminina). E parem de militar no sofá! (palavra que termina em A e é masculina).”
 
Autoria não identificada

 

Foto: Christian Bierle

19 de março, dia mundial do cuscuz

 


sábado, 18 de março de 2023

 


 



Acabarão por nos esquecer.
É o destino, nada se pode fazer contra ele. 
 
O que a nós parecia sério, importante e de muito valor, com o tempo será esquecido e será considerado sem importância.
 
Anton Tchékhov

 


 


 


sexta-feira, 17 de março de 2023

 


 

A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.

Mahatma Gandhi

 
Odiadores são um sinal de sucesso. Você pode responder ou não, pode bloquear ou deixar que destilem sua dor: eles continuarão. É uma homenagem com vetor trocado.

Como dizem os americanos: "haters gonna hate". Quem é odiento só pode odiar. 
 
Um pato grasna, uma vaca muge e o hater odeia: é a sua natureza. Não possuem projeto, apenas alvos. 
 
Quer fazer desaparecer o hater?
 
Fácil: fracasse! Por quê? 
 
O fracasso funciona como inseticida para eles; o sucesso age como feromônio. 
 
Para ser feliz nas redes aceite que há fãs sinceros, existem bons críticos (analisam algo sem "fígado") e abundam haters como mofo nos cantos úmidos e sem sol da alma humana. Sempre haverá dor no mundo; logo, sempre teremos haters.
 
Ninguém te odeia? Que pena!
Você ainda não chegou lá! 
 
Leandro Karnal

Ensaio sobre a estupidez humana.

 

A metamorfose


Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”

Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar ? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase quatro milhões ! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.

Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo pensamento humano foi : “Meu Deus!… A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois , mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.

Kafka não significa nada para as baratas…

 

          Luis Fernando Veríssimo 

quinta-feira, 16 de março de 2023

quarta-feira, 15 de março de 2023

 


Em tempos de falta de tempo, existe um outro disponível que possa nos dar o retorno de nossos mais ínfimos e imperceptíveis sinais, a função do analista se aproxima, cada vez mais e melhor, do que há de mais humano em nós: a necessidade do outro para construir, desenvolver, ampliar a si mesmo. Um analista precisa ser vários, precisa escutar as varias vozes do sujeito bem como as varias vozes de si. Na polifonia dos gestos aparentemente mudos há um mundo a ser narrado.

"Silence" - Odilon Redon,, 1900

Novo sinal de trânsito

 


terça-feira, 14 de março de 2023

 
Cada um carrega a sua cruz. Sim. O extraordinário é haver quem, carregando a sua própria cruz, ainda consiga ajudar a carregar a dos outros. O extraordinário é haver quem, com as pernas cansadas, consiga aliviar o caminho dos outros. O extraordinário é haver quem, com as mãos em ferida, consiga suavizar as feridas dos outros. O extraordinário é ver que as pessoas que carregam as cruzes mais pesadas são aquelas com os corações mais leves. Corações tão grandes que neles cabem as palavras de alento e os gestos de incentivo que oferecem a quem precisa. Às vezes penso que o peso da cruz é proporcional ao tamanho do coração. Quanto mais pesada, maior. Abençoados corações.

Elisabete Bárbara, in lado.a.lado