A escritora francesa Simone de Beauvoir em foto para a revista "Time", em 1956
É possível ser ou continuar amigo de quem se discorda politicamente? Arthur
Koestler (1905-83), húngaro, ex-comunista, autor do romance "O Zero e o
Infinito", demolidoramente anti-URSS, achava que não. Albert Camus
(1913-60) e Simone de Beauvoir (1908-86) achavam que sim. "A prova disso", escreveu Simone, "é que, neste momento [1946], apesar das diferenças, temos prazer em estar juntos".
Talvez Camus não tivesse tanto prazer. Quando outro amigo, o filósofo
Maurice Merleau-Ponty (1908-61), então hidrofobamente pró-soviético,
arrasou o romance de Koestler, Camus invadiu uma festa em Paris, chamou
Merleau-Ponty de cachorro para baixo e saiu chutando os móveis.
Jean-Paul Sartre (1905-80) correu atrás dele pela rua e lhe passou um
tremendo sabão. Em troca, Camus virou a cara para Sartre no Café de
Flore pelos meses seguintes.
O próprio Sartre, por ser existencialista, era malvisto pelos
comunistas. Claro — para o existencialismo, a liberdade era tudo; para
os comunistas, só existia o Partido. Até que, nos anos 50, para
decepção de Merleau-Ponty, Sartre tentou conciliar as duas linhas.
Merleau, já então anti-soviético e autor do monumental "A Fenomenologia
da Percepção", criticou Sartre pela contradição e, pronto, os dois
brigaram. Mas, em 1968, na invasão da Tchecoslováquia pela URSS, foi o
próprio Sartre quem rompeu com o Partido. Só que passou a torcer por Mao
Tsé-Tung.
Como se vê, essas discussões são antigas. Aqui no Brasil, não
só velhos amigos têm se afastado por questões políticas como até
casamentos já foram desfeitos — porque o marido é coxinha e a mulher,
petralha, ou vice-versa.
Quanto a Camus, Simone, Sartre, Merleau-Ponty etc, todos morreram e,
como católicos que, embora ateus, nunca deixaram de ser, foram para o
céu e se sentaram à mão direita de Deus Pai.
Ruy Castro
Folha de São Paulo
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