sexta-feira, 15 de abril de 2016

O novo moralismo jovem



Uma coisa tem me preocupado muito nos últimos tempos. Sei que em meio ao horror que virou a vida política brasileira, com a ausência de referências que valham a pena, tudo parece menor, mas nem tudo é menor.
Uma das razões da vida inteligente no Brasil estar tão chata é que a democracia, quando muito ativa, tem uma tendência a invadir todas as dimensões da vida. Como uma forma de fanatismo religioso que tudo devora. Este traço é típico do modelo de soberania na democracia, a saber, a soberania popular. E quando tudo vira política, a vida sempre será violenta.

Mas, eu não disse até agora o que está me preocupando há algum tempo. O que tem me preocupado há algum tempo é a tendência de alguns jovens se transformarem nuns chatos, caretas e moralistas. Vejo isso piorar a cada dia. E é broxante. Dê-me um jovem que não gosta de ler, mas não me dê um jovem que acha Nelson Rodrigues um machista.

Se você não sabe com certeza o que vem a ser um moralista (no senso comum), eu explico. Do modo mais preciso, técnico e filosófico possível, um moralista é alguém que caga regra. Os franceses falam, como sempre, de forma mais chique: "faire la morale".

Sim, parece estranho. Principalmente, se eu completar da seguinte forma: acho que o que começou o processo de transformação dos jovens nuns chatos moralistas foram os anos 1960 e seu discursinho de paz e amor. Devíamos ter dado mais atenção ao fato de que na raiz do movimento hippie estava o medo de ir para a guerra (do Vietnã). E todo moralista é um covarde. Outra raiz do movimento hippie era a preguiça de acordar cedo. E todo preguiçoso é um covarde.

Sei que essa afirmação parece absurda porque associamos a juventude à revolução e à contracultura, mas o maior produto da contracultura foi a caretice dos jovens se acharem reformadores do mundo e abandonarem qualquer senso do próprio ridículo. E todo reformador é um chato, sem senso de qualquer ridículo. Por isso, os jovens perdem, a cada dia, o senso de humor e se levam cada vez mais a sério. Como alguém de 18 anos (ou mesmo mais jovem), pode se levar tão a sério? Suas ideias são artificiais, sua experiência de vida, postiça, e sua visão de mundo, infantil. Todo jovem que se julga revolucionário é um Torquemada de bolso.

Assusta-me o modo violento e rápido com o qual, cada vez mais, mais jovens se acham arautos do modo justo de comportamento.

Muitos defendem a pureza de sentimentos (ninguém tem ciúme), a pureza da alimentação (e perdem o paladar para o sangue, que sustenta toda a existência no planeta) e negam a existência de inseguranças (ninguém confessa que está morrendo de medo do mundo).

Ninguém tem preconceitos, a não ser os preconceitos "justos". Quase todo mundo está disposto a atirar a primeira pedra porque se acha um puro de coração. Não existem mais adúlteras, apenas praticantes de poliamor. E um mundo sem adúlteras é um mundo sem misericórdia. Um dos traços mais cruéis dos moralistas é sua total insensibilidade para o pecado. E onde não há pecado, não há misericórdia. Nem esperança.

Nem os puritanos calvinistas do séculos 16 e 17 imaginavam-se tão puros quanto muitos dos jovens hoje se imaginam.

Resumo da ópera: preocupa-me a ideia, presente em muitos jovens, de que eles não têm pecados. Culpa é para os opressores; eles, os jovens, não têm maus sentimentos. E quando os têm, "foram impostos pela sociedade".
Com certeza nós, os pais e professores desses jovens, somos muito responsáveis por este estado de moralismo em que se encontram. Cegos ao gosto de sangue em nossas bocas, cospem na cara de quem não tem certeza absoluta de representar o bem. Como idiotas, temos construído a ideia de que eles tem de salvar o mundo.

Nós contemporâneos, como infantis que somos, não percebemos que estamos construindo um novo clero puritano, com todo o moralismo, a boçalidade, a insensibilidade e a arrogância que marca toda a pureza de coração nesse mundo.

Nunca foi tão importante cuidar dos jovens para que eles despertem desse sono dogmático acerca da própria "santidade".

Luiz Felipe Pondé

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