O
major Feliciano Florêncio foi acordado do seu sono de fim de tarde
pela presença forte de uma mulher lindíssima a convidá-lo a um passeio
por um caminho cheio de verde e de cantar de passarinhos.
Ele a reconheceu.
-Úrsula!
Fazia
mais de 80 anos que a vira pela primeira e única vez. Ela não mudara,
continuava tão linda quanto naquela fotografia emoldurada que o vendedor
de retratos lhe ofereceu numa manhã de feira livre.
Jamais a esqueceu.
Pulando
da cadeira de balanço, saiu a caminhar com passos trópegos para onde
ela estava a lhe acenar. Andou, andou, mas não a alcançou. A bela moça
sumiu sem dar adeus.
Duas
lágrimas de saudade caíram dos olhos cansados do major. Era bom demais
para ser verdade. E sentiu vontade de morrer ali mesmo. Morrer para
encontrar a mulher que lhe roubou a alma e o coração e que jamais foi
sua de verdade.
Por orgulho besta a recusou. Em nome de uma moral idiota a perdeu.
Fazia 80 anos e ainda lembrava como se fosse agora.
Viu
a fotografia, não despregou os olhos dela. Pagou o que foi pedido, com a
condição do vendedor lhe dizer quem era a moça e onde morava.
-Mora no Riacho do Navio!
Feliciano
aprontou a montaria, vestiu a melhor roupa e foi ao endereço indicado.
Dois dias de viagem, de pergunta aqui, pergunta ali, até dar no lugar
onde ela morava. Foi recebido pelo pai e não lhe fez segredo: queria
casar com sua filha.
O
balde d`água gelado foi jogado sobre sua cabeça. Ela estava prometida a
um primo. Mesmo assim pediu para conhecê-la. Apresentaram-se: -Sou
Feliciano! -Sou Ursula!
E ficaram nisso, ele lamentando ter chegado tarde, ela lamentando ter noivado cedo.
Ainda assim, seis meses depois chegou às suas mãos a carta apaixonada:
-Se me quiser, largo tudo e fujo para casar com você!
E a resposta curta e seca:
-Se a senhorita é capaz de fazer uma desfeita dessas com seu pai, não tem condições de ser a mãe dos meus filhos”.
Decisão
besta. Com o coração sangrando, casou com uma prima. A viuvez o fez
casar com a irmã da falecida. Mas Úrsula continuou a povoar seus sonhos.
Veio
a guerra de 30 e com a guerra, as humilhações, as prisões, a filha
sendo transportada em carroceria de caminhão pela Polícia, mas mesmo nos
dias de dores e raivas, Úrsula era lembrada como a doce dádiva que lhe
apareceu na vida.
E
agora o velho major olhava o horizonte, com as lágrimas descendo pelos
olhos, tentando ver de novo a morena que o chamou para, finalmente,
seguirem juntos por esse caminho cheio de verde e de passarinhos
cantando.
O velho major desejou morrer. Se a morte lhe trouxesse Úrsula, até que valeria a pena.
Tião Lucena
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