A fazenda de Joyce Taylor, 82 anos, no Kansas, tem sido
assediada nos últimos anos, para grande espanto na região, por “agentes
do FBI,
xerifes federais, cobradores da receita federal, ambulâncias tentando
socorrer veteranos-de-guerra suicidas, policiais à procura de crianças
desaparecidas”. Ninguém ali sabe por
quê. É uma zona rural, e a cidade mais próxima tem 13 mil habitantes.
Levou
algum tempo para alguém perceber que isso se devia a um erro básico de
mapeamento da Internet.
Quando a gente diz que “está na Internet” pensa o que? Eu
penso em algo como uma biblioteca, onde a localização exata de um livro obedece
a um código numérico. Tendo o número de código, a gente se encaminha para o
andar, o setor, a estante, a prateleira, o volume procurado. Do mais amplo para
o mais restrito. É como procurar a cidade, o bairro, a rua, o prédio, o
apartamento.
A Internet é um pouco assim, só que mais bagunçada. Todo
computador (celular, etc.) tem um endereço IP, que é como um CPF, da máquina
que você usa. É um número único, que fica registrado cada vez que a gente
conecta em algum ponto. (Teoricamente, é assim que a polícia localiza os
pretendentes a malfeitores do ciberespaço – os verdadeiros malfeitores sabem
como evitar isso.)
Uma matéria recente de Kashmir Hill no websaite Fusion
revela o lado avesso desse processo que parece tão certinho. Explica ele que
existem empresas especializadas em mapeamento digital, ou seja, em informar a
localização de um endereço IP. Digamos que alguém me mandou mensagens
ameaçadoras, ou que me aplicou um conto-do-vigário via Internet, e que eu
consegui descobrir o endereço IP do computador original, que fica nos EUA. O
que faço? Entro em contato com uma empresa como a “MasterMind”, e ela me diz o
endereço onde está essa máquina.
Só que o processo de rastrear a máquina é falível,
imperfeito, cheio de buracos. Às vezes chega à precisão de indicar um quarteirão,
uma casa. Mais frequentemente, diz apenas: “Este IP está na cidade tal”. Quando
ela não consegue saber algo mais específico, diz em que país está, mas para
isso precisa fornecer coordenadas (latitude e longitude). O que faz a
MasterMind, quando um IP é difícil de rastrear, e sabe-se apenas que está nos
Estados Unidos? A companhia indica as coordenadas relativas ao centro
geográfico do país. (É o mesmo raciocínio, acho eu, que faz com que quando o
computador seja iniciado o mouse apareça exatamente no centro do monitor).
Sempre que um endereço de IP fica difícil de rastrear e
sabe-se apenas que está no país, o “país” é indicado pelo seu centro
geográfico. Acontece que esse centro, conforme foi calculado pela MasterMind,
fica perto da fazenda de Joyce Taylor! O autor da matéria pediu um levantamento
desses endereços e encontrou nada menos de 600 milhões de endereços IP que
ninguém pôde localizar com mais precisão e jogou para o centro dos EUA, ou
seja, para a fazenda da pobre sra. Taylor.
A matéria cita vários outros exemplos dessa nuvem de
endereços fantasmas que ninguém sabe onde estão situados mas um cálculo meio
descuidado (os próprios diretores da empresa admitiram) acabou empurrando para
uma direção física, cheia de gente real, cuja vida começou a ser bagunçada
unicamente por conta de um “gatilho técnico”. É o Kafka da era digital.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
A matéria completa, de Kashmir Hill:
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