Em abril de 1946
Guimarães Rosa publicou Sagarana pela Editora Universal, uma editora pequena,
de vida curta, que produziu as duas primeiras edições do livro. A segunda saiu
no mesmo ano (sem indicação do mês). Tenho exemplares das duas. Meu exemplar da
primeira edição, com a capa (de autoria de Geraldo de Castro) bastante
dilacerada, foi comprado por 1 real na calçada da Estação Carioca do metrô do
Rio de Janeiro. Nela, lê-se a menção: “Do autor: MAGMA, Prêmio de Poesia da
Academia Brasileira de Letras, 1936 (A sair)”. Ledo engano: Magma só foi
oficialmente publicado 51 anos depois, em 1997, pela Nova Fronteira. Magma também é comentado nas orelhas do livro (meu exemplar não tem a contracapa,
portanto falta-lhe a 2a. orelha), com um trecho do parecer da
Comissão Julgadora que lhe conferiu aquele prêmio.
No final destas
duas edições da Ed. Universal, há um texto explicativo do autor que, pelo que
me consta, foi suprimido nas edições subsequentes. Sob o título em caixa alta
“RESSALVAS”, diz Rosa:
“SAGARANA foi
escrito em 1937, na seguinte ordem: O Burrinho Pedrês; Sarapalha (Sezão); Minha
Gente; A Volta do Marido Pródigo; Duelo; Conversa de Bois; Corpo Fechado; S.
Marcos (Envultamento); A Hora e Vez de Augusto Matraga (A Oportunidade de
Augusto Matraga). // As cantigas e os provérbios entre aspas foram ouvidos
mesmo em Minas Gerais; a canção ‘De madrugada, quando a lua”, etc. ( Minha
Gente) deve ser paraibana; o coro que serve de epígrafe à Conversa de Bois é
uma variante deste, que figura no interessante livro ‘O GOROROBA’, de Lauro
Palhano: “Lá vai!... Lá vai!... Lá vai, / -- Queremos ver. – Lá vai boi
Pingo-Prata / Fazendo a Terra tremer!...” // Qualquer homonímia ou semelhança
de caracteres, entre personagens e gente existente, será puro acaso e
lamentável coincidência. // O Autor.”
Sagarana é a melhor porta de entrada para a obra
rosiana. São contos longos, largos, de ritmo amplo, que criaram um novo
regionalismo em nossa prosa. A paisagem convencional (mundo rural, gado,
fazendas, matas, plantações, morros, rios) é vista de ângulos inusitados, é
descrita por um olho sagaz e uma voz narrativa dotada de imensa informação
cultural, usada de maneira fluida, descontraída, antipomposa. Mesmo quando
erudito ou catalográfico, Rosa nunca é pomposo. No prefácio à décima edição, o
crítico português Óscar Lopes refere-se seguidamente ao lado bem-humorado do
autor: “um humor que desconhecíamos...”, “esta versatilidade viva de
humor...”, “um humor humano muito
especial que nos leva a sorrir”. Não é o humor da piada, e sim o da revelação,
da redescoberta de algo que não sabíamos que sabíamos.
Bráulio Tavares
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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