O Amigo da Onça (Foto: Péricles de Andrade Maranhão)
Trair (a verdade, pelo menos) é um verbo que Eduardo Cunha estava
acostumado a conjugar na voz ativa, não na passiva; daí o choque
Dois dos principais personagens da cena política desta movimentada
semana foram Eduardo Cunha e Sérgio Machado, que se destacaram, o
primeiro por ter sido traído; o segundo, por trair dezenas de parceiros,
inclusive amigos íntimos e protetores.
Tão frio quanto esse nosso inverno fora de hora, Cunha ficou
desconcertado não tanto pela derrota, que espera mais uma vez reverter,
mas pela dupla traição, a de Tia Eron e a do deputado Wladimir Costa,
que acabaram votando a favor de sua cassação.
Trair (a verdade, pelo menos) é um verbo que ele estava acostumado a
conjugar na voz ativa, não na passiva; daí o choque. Já o ex-presidente
da Transpetro atualizou a máxima de que “a política ama a traição e
abomina o traidor”.
De fato, com exceção dos atingidos ou dos que também podem vir a ser, o
mundo político de Brasília gostou de saber das revelações que ele fez,
mas abominou os métodos para consegui-las. Ao contrário das delações
premiadas anteriores, em que o delator denunciava os atos delituosos
cometidos com seus comparsas, as de Machado consistiram muitas vezes em
induzir os interlocutores a se autoincriminarem, contrariando o direito
constitucional que qualquer um tem de não produzir provas contra si
mesmo.
Até adversários do senador José Sarney repudiaram a maneira como esse
seu afilhado, frequentador de sua casa, um quase membro da família, foi
capaz de enganá-lo, grampeando, escondido, suas conversas informais.
Ele contou que esse amigo da onça, para não levantar suspeita, chegava a
recomendar cuidado com os celulares que, mesmo desligados, advertia,
podiam ser usados como gravadores. Que ficassem longe das reuniões.
Segundo pessoas chegadas ao ex-presidente, mais do que revoltado, ficou
deprimido com a descoberta da traição. Essa estranha maneira de
retribuir favores, Machado usou também em relação a outros quatro
senadores, aos quais admitiu dever a indicação para o comando da
Transpetro de 2003 a 2014.
Além de Sarney, foram eles Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá
e Edison Lobão, todos acusados pelo protegido de receber milionárias
doações. No vídeo em que revela como distribuiu R$ 100 milhões de
recursos ilegais a mais de 20 políticos, inclusive a Michel Temer.
Machado atribui a prática de entregar amigos a uma imposição de
consciência. Ele quer fazer crer que sua motivação seria a defesa do bem
comum, com os fins justificando os meios.
Só que é difícil acreditar que ele traiu por isso, e não pelas
vantagens que receberá do acordo de delação premiada, como cumprir
apenas três anos em prisão domiciliar dos 20 a que pode ser condenado.
Tudo bem que terá de devolver aos cofres públicos R$ 75 milhões. Parece muito, mas deve ser um pixuleco diante do que desviou.
Zuenir Ventura
O Globo
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