O
caro leitor certamente sabe que títulos jornalísticos não começam com
artigo definido. Sabe também que no interior dos títulos o uso desse
tipo de artigo depende de algumas condições, o que muitas vezes gera
dúvidas (nos leitores e nos redatores), sobretudo quando se trata de
empregar ou não o acento indicador de crase (o acento grave).
Há
algumas semanas, um site publicou este título: "Após flagrar traição de
mulher, taxista morre em troca de tiros com rival". O clique no título
remetia à matéria sobre o caso, cujo título era um pouco diferente:
"Taxista flagra traição de mulher e morre em troca de tiros com rival".
Que
mulher foi flagrada pelo taxista? Sabemos todos que a palavra "mulher"
não tem apenas um significado. Sabemos também que é desnecessário
explicar a diferença em casos como "A mulher dele é corajosa" e "Aquela
mulher é corajosa".
Nos
títulos citados, parece claro que se quer informar que o taxista
flagrou a própria mulher, e não uma mulher não definida, o que, mesmo em
se tratando de título jornalístico, impõe o uso do artigo: "Após
flagrar traição da mulher, taxista morre em troca de tiros com rival";
"Taxista flagra traição da mulher e morre em troca de tiros com rival".
Então
por que não foi empregado o artigo? Certamente porque entrou em cena o
bendito piloto automático ("Se é título, nada de artigo"). É sempre
melhor refletir do que agir como papagaio. Reações e comportamentos
automáticos integram a lista de desgraças do planeta.
O
artigo pode mudar (e muito) o sentido de um título. Imagine estas
manchetes: "Fulano diz que não irá a festa do PX"; "Fulano diz que não
irá à festa do PX". Qual das duas formas você publicaria, caro leitor?
Bem,
digo logo que a resposta é "depende". E depende do quê? Do que já se
disse ou já se sabe da tal festa. Se for uma festa já conhecida, citada
aqui e ali, o título será "Fulano diz que não irá à festa do PX".
Se
for uma festa da qual pouco ou nada se sabe, que não foi citada etc., o
título será "...não irá a festa do PX". Fica fácil perceber isso com a
troca do verbo "ir" (usado com a preposição "a" no caso) por um que reja
outra preposição, como "estar", "participar" etc.: "...diz que não
estará em/na festa do PX"; "...diz que não participará de/da festa do
PX".
Com
a primeira construção de cada par ("em festa"/"de festa"), trata-se a
tal festa como algo não especificado, ainda não comentado ou citado,
pouco ou nada conhecido etc. Com as outras duas construções ("na festa",
"da festa"), ocorre exatamente o contrário.
Outro
caso interessante é o da alternância entre o artigo definido e o
indefinido. Na antológica letra de "Último Desejo", de Noel Rosa, há
este trecho: "Às pessoas que eu detesto diga sempre que eu não presto,
que meu lar é um/o botequim".
Com
qual das duas você fica, caro leitor? Depende. Com a opção por "meu lar
é o botequim", não há dúvida: o cidadão não sai do boteco.
Se
a opção for por "meu lar é um botequim", há duas hipóteses: a) meu lar é
qualquer botequim, ou seja, basta ser botequim para que eu lá esteja;
b) meu lar lembra um botequim, parece um botequim, tem a "organização"
de um botequim.
Na
década de 30, a lendária Aracy de Almeida (fiel intérprete de Noel)
gravou "um botequim", mas muita gente boa diz "o botequim". Se alguém
tiver o manuscrito de Noel, apresente-o, por favor. É isso.
Pasquale Cipro Neto
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